Há mais de 15 milhões de pessoas deslocadas no mundo, segundo a Pontifícia Fundação Ajuda à Igreja que sofre (ACN, na sigla em inglês). A maioria vive na África e sofre uma crescente perseguição religiosa pelos radicais muçulmanos e provém de “12 países africanos”, identificados como “objeto de uma perseguição religiosa de grave a extrema”.

Em declarações à ACN, Mark von Riedemann, presidente do comitê editorial do Relatório de Liberdade Religiosa, publicado pela fundação em abril deste ano, disse que “grupos religiosos de 26 países do mundo sofrem níveis de perseguição entre sérios e extremos, e quase 50% deles, 12 países, estão na África”.

“As consequências sociais, econômicas, políticas e religiosas desse deslocamento para a África e para a comunidade internacional são consideráveis e, se medidas não forem tomadas, o pior está por vir”, enfatizou.

Ele frisou que, embora as deslocações sejam devidas a muitos fatores, é muito preocupante o grande “crescimento dos grupos jihadistas locais e transnacionais, que perseguem sistematicamente todos aqueles que não aceitam sua ideologia islamista extrema”.

“Ainda que muçulmanos e cristãos sejam igualmente vítimas da violência extremista, com a crescente radicalização islamista, os cristãos tendem a converter-se cada vez mais em um objetivo específico dos terroristas”, disse von Riedemann.

Segundo ele, os jihadistas são, em muitos casos, “mercenários” ou combatentes da região que perseguem interesses locais e que, sendo “incitados por pregadores extremistas e armados por grupos terroristas transnacionais, começam a atacar” a população.

Eles atacam “as autoridades estatais, o exército e a polícia, bem como os civis, incluindo os líderes das aldeias, os professores, que são ameaçados pelo currículo laico, e os muçulmanos moderados e cristãos”, disse.

Von Riedemann afirmou que a violência é “inimaginável”. Cada vez é mais “preocupante” a ferocidade dos constantes ataques e o aumento em “escala, alcance e complexidade” da insegurança no continente, que obriga populações inteiras a fugir e a tornarem-se deslocados internos ou refugiados em países vizinhos.

Em abril de 2020, “52 homens [morreram] após se recusarem a engrossar as fileiras dos jihadistas” na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, e no início de novembro, 15 meninos e cinco adultos “foram decapitados com facões por militantes islamistas durante um rito de iniciação para adolescentes” exemplificou von Riedemann.

Segundo um relatório do Centro de Estudos Estratégicos da África (ACSS) de janeiro deste ano, em 2020 a violência de grupos islâmicos aumentou 43% na África.

Só em Cabo Delgado, os casos de violência por radicais muçulmanos “aumentaram 129%” no ano passado, “e mais de dois terços dos ataques foram dirigidos contra civis”, disse von Riedemann. “Segundo a Organização Internacional para as Migrações, há mais de 730 mil deslocados internos nas províncias de Cabo Delgado, Niassa, Nampula, Zambezia e Sofala”, acrescentou.

A consequência mais grave e imediata dessa violência e dos deslocamentos é a fome. Von Riedemann afirmou que, “segundo a ONU, 30,5% da economia da África Ocidental é agrícola, e constitui a maior fonte de renda e meios de sustento para 70-80% da população”. A maioria dos deslocados internos são agricultores de comunidades rurais que foram “expulsos de suas terras pelos ataques de militantes islâmicos e grupos terroristas”.

“O impacto da violência não se limita à destruição de infraestruturas, à perda de gado e ao deslocamento dos agricultores de suas terras”, disse Von Riedemann. A insegurança impede que os agricultores voltem para suas terras para fazer a colheita e com o aumento dos preços dos alimentos por causa da pandemia do coronavírus, a ACN pressagia uma futura fome na região.

“Segundo o Centro de Estudos Estratégicos da África, só no Mali e no Burkina Faso a violência extremista já provocou uma insegurança alimentar que afeta mais de três milhões de pessoas”, disse Von Riedemann.

O Gabinete de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU considera a República Democrática do Congo o pior caso. Há 22 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar aguda, o número mais alto do mundo.

Burkina Faso sofre “a crise dos deslocados de mais rápido crescimento do mundo”. Em apenas dois anos, mais de um milhão de pessoas” tiveram que abandonar seus lares. Entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021, as pessoas que precisam de ajuda humanitária aumentaram para 3,5 milhões, o que representa um aumento de 60% em um ano.

Von Riedemann advertiu que, se o problema não for controlado, “o ciclo de violência, deslocamento e fome continuará se degradando”, e provocará “consequências a longo prazo, como o declínio econômico, a instabilidade política e as profundas fissuras entre as comunidades étnicas”.

Ele frisou que, no final, ocorrerá a “destruição do pluralismo religioso tradicional”, algo que é “especialmente grave em áreas onde muçulmanos e cristãos conviveram em paz até agora”.

Além disso, disse que a crise se prolongará, pois os jovens, “frustrados pela pobreza absoluta” e “vulneráveis ao recrutamento extremista, continuarão sendo atraídos pelo atrativo da riqueza e do poder”.

Por fim, disse que “a combinação destes fatores forçará a comunidade internacional a reagir, sobretudo por interesse próprio” diante da crescente migração interna e externa dos africanos. Quando isso aconteça, disse Von Riedemann, “esperamos que não seja tarde demais para recuperar a paz duradoura nas populações locais”.

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ACN ao serviço dos migrantes e refugiados

A Pontifícia Fundação Ajuda à Igreja que sofre (ACN) informou que mais de 25 projetos foram financiados em 2020 para atender às necessidades materiais e espirituais básicas dos refugiados e deslocados internos do mundo, “principalmente da África e do Oriente Médio”.

“A África subsaariana acolhe mais de 26% da população refugiada do mundo”, acrescentou. Os projetos centraram-se sobretudo no Burkina Faso e em Moçambique.

A fundação informou também que em “Burkina Faso a maioria dos ataques ocorrem no norte e na área do Sahel” e que muitas igrejas, como a paróquia de Linonghin, da diocese de Ouagadougou, ajudam os refugiados. Graças à ACN, “a paróquia conta com alimentos e instalações sanitárias” para as “famílias desalojadas que buscam refúgio” ali.

A região “mais afetada” do país está na diocese de Dori, no norte de Burkina Fasso, onde a violência terrorista forçou o encerramento de várias paróquias. Nesse lugar, a ACN apoia constantemente “as famílias dos catequistas que tiveram que fugir, com o pagamento de seus estudos escolares e cuidados de saúde”.

Em Moçambique, a ACN forneceu “materiais para a construção de 60 casas para as famílias refugiadas e dois centros comunitários”, na “diocese de Pemba, que oferece atendimento pastoral e apoio psicossocial aos refugiados de Cabo Delgado”. Além disso, doou “vários carros para os missionários que assistem aos refugiados” e apoiará o “acompanhamento psicossocial do crescente número de deslocados que encontram refúgio” nas dioceses vizinhas.

Na Tanzânia, a fundação também ajudou a diocese de Kigoma na compra de um veículo para o trabalho pastoral nos campos de refugiados de Nduta e Mtendeli; na Uganda, a ACN apoia um programa de refugiados do sul do Sudão, no campo de Bidibidi, em Katikamu; e na África do Sul, a fundação apoia o Centro Pastoral de Refugiados da Congregação do Espírito Santo, na diocese de Durban, que “fornece alojamento, comida e assistência pastoral” aos refugiados.

No Oriente Médio, a fundação informou que ajuda a Síria, onde a maioria são deslocados internos ou refugiados por causa da guerra. Em Aleppo e Damasco ajudam as famílias cristãs locais e refugiados com o pagamento de aluguéis e assistência médica, etc.

ACN disse que também apoia o Líbano, que nos últimos anos tem refugiado 1,5 milhão de sírios, mas que agora o governo “já não é capaz de sustentá-los” devido à crise política e econômica.

A fundação apoia projetos educativos e de assistência humanitária da diocese de Zahle, em benefício dos sírios refugiados, e oferece “bônus e ajudas de subsistência” aos libaneses, que “se veem igualmente afetados pela pobreza e pelas dificuldades econômicas”, pois “a pandemia e a explosão destrutiva do porto de Beirute” agravaram a crise econômica.

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