A tramitação da proposta de Lei Trans, apresentada pelos partidos de esquerda no Congresso dos Deputados da Espanha, foi rejeitada nesta terça-feira, 18 de maio, com os votos do Partido Popular e VOX, e com a abstenção do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE).

A proposta da Lei pela igualdade real e efetiva das pessoas trans, mais conhecida como Lei Trans, foi debatida no plenário do Congresso por proposta dos grupos parlamentares Republicano e Plural, um agrupamento de seis partidos de esquerda. O projeto votado era igual ao que havia sido apresentado pelo partido Podemos, e que foi vetado pela primeira vice-presidente do governo, a socialista Carmen Calvo.

Com a Lei Trans, já seriam duas medidas a favor do coletivo LGTB no Congresso. A primeira foi a chamada Lei Zerolo, apresentada pelo governo do PSOE e que passou pela primeira tramitação no mês de fevereiro deste ano.

A presença de dois projetos sobre o mesmo tema e a abstenção do PSOE na votação de hoje é mais um exemplo da grave desunião entre o partido socialista e o Podemos, membros do governo de coalizão da Espanha.

Apesar de a Lei Trans não ter sido aprovada, a ministra da Igualdade, Irene Montero, do Podemos, garantiu que os “direitos” reivindicados pelo movimento LGTB “passarão a ser lei nesta legislatura. A gente tem uma dívida con ellos, con ellas, con elles", disse a ministra usando pronomes espanhóis masculino, feminino e um neutro, que não existe.

Montero agradeceu aos grupos parlamentares que trouxeram a proposta da Lei Trans para debate na Câmara e garantiu que o seu texto “é muito semelhante à lei já proposta para ser debatida pelo Ministério da Igualdade”.

“Quero expressar meu compromisso firme de tornar a autodeterminação da identidade de gênero uma realidade em nosso país”, disse Montero. Ela disse que pretende “chegar ao dia do orgulho LGTBI deste ano recuperando o consenso de 2019 e o consenso unânime para proteger os direitos das pessoas trans e a autodeterminação da identidade de gênero".

Oposição à lei

Susana Ros, deputada do PSOE, afirmou que “seria ingenuidade pensar que basta querer que os direitos se cumpram, sem ter em conta em que se baseiam e como se combinam”.

Ros destacou a falta de precisão jurídica da Lei Trans e garantiu que “a iniciativa que hoje debatemos apresenta deficiências em diversas áreas como saúde, prisão, esporte e trabalho, e que a via das emendas não seria suficiente para corrigi-las. "

Ela também disse que “afirmar que o sexo biológico existe nunca significou negar a realidade das pessoas que não se identificam com o sexo com o qual nasceram”. É por isso que o PSOE se absteve de votar e que a tramitação da Lei Trans não foi aceita.

Lourdes Monasterio, deputada do VOX, explicou que esta lei “não tem nada a ver com o reconhecimento dos direitos das pessoas transexuais” e que “não resolve o seu sofrimento”, porque “vários preceitos da Constituição são violados e tem como finalidade reconhecer o direito à autodeterminação sem nenhuma base científica e contra a biologia”.

Monasterio criticou o fato de que, com essa lei, as crianças de 9 anos possam receber tratamento hormonal e que os pais que se recusem a isso possam perder a guarda dos próprios filhos.

“Você acredita seriamente que a mudança de registro e a manifestação de um desejo podem modificar a realidade ou a biologia? Você acredita nisso?”, questionou Monasterio. Ela denunciou a “utilização do sofrimento” das pessoas “para os seus interesses políticos”.

“Apoiamos os adultos com disforia, mas não permitimos que as crianças sejam doutrinadas e confundidas ao dizer que podem escolher o sexo sem consequências, porque esse é um objetivo perverso”, “evita-se a dissidência, inclusive com multas de 45 mil euros”, apontou Mosteiro. "Senhoras e senhores, a biologia importa", declarou ela.

Margarita Prohens, deputada do PP, garantiu que é “um projeto que vem acompanhado de um barulho que não tem nada a ver com a defesa dos direitos do coletivo LGTB. É o barulho da esquerda que usa o povo como arma eleitoral. Agora é a vez dos transexuais. É uma luta pelo poder entre PSOE e Podemos, que não tem nada a ver com mais ou menos direitos, e sim com mais ou menos votos”.

Ela afirmou que o PSOE e o Podemos “não querem ouvir advogados, médicos, endocrinologistas ou psicólogos. Não querem ouvir ninguém nem querem que seja um debate com calma e certeza jurídica”.

No tocante à existência de duas leis muito semelhantes em curso, a Lei Trans recentemente rejeitada e a proposta pelo Governo, Margarita Prohens recordou que “há alguns meses chegou a esta câmara uma lei de igualdade de tratamento. Foi dito que ali seriam tratados todos os tipos de discriminações. É assim mesmo? Estamos trabalhando nisso? Bem, por que então esse debate hoje?”.

Ela também ressaltou que o voto pelo “não” à lei foi porque “não sabemos as consequências do novo conceito jurídico de ´padres, madres, -adres´ (em espanhol)”, o que seria, de acordo com o coletivo LGBT, uma nova forma de dizer “pessoas grávidas”.

Lei Trans

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A Lei Trans que foi rejeitada incluía a autodeterminação de gênero e a alteração do Registro Civil com apenas a declaração do interessado, bem como o acesso aos hormônios sem consentimento dos pais a partir dos 16 anos, o acesso à reprodução assistida deste coletivo e a inclusão de uma terceira entrada nos documentos oficiais para um gênero não-binário.

O núcleo central desta lei nacional era o direito à autodeterminação do gênero, o que significa que a transexualidade não seria mais considerada uma patologia e não seria necessário atestado médico para a mudança de sexo, mas sim uma declaração expressa no Registro Civil.

Além disso, essa lei propôs que a autodeterminação de gênero estivesse disponível a partir dos 16 anos, sem autorização dos pais. Desde 2019, de acordo com o Tribunal Constitucional, menores considerados “suficientemente maduros” podem ter acesso aos tratamentos.

Até agora, a regulamentação da mudança de sexo na Espanha baseava-se na lei de 2007, que permitia aos espanhóis apresentar um atestado psicológico comprovando a “disforia de gênero” e a ausência de transtornos de personalidade. O requerente deveria estar em tratamento hormonal há pelo menos 2 anos.

Um dos pontos mais polêmicos do projeto é que a autodeterminação abre as portas para que homens denunciados por violência de gênero se registrem como mulheres trans para evitar as penalidades.

Essa lei também dividiu o feminismo. Uma parte do movimento considera que se a “identidade de gênero” for legalmente reconhecida no confronto com o sexo, coloca em risco os direitos das mulheres.

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