A visita privada do Papa Francisco ao cardeal Angelo Becciu na Quinta-feira Santa gerou especulações sobre a possibilidade de o Papa estar querendo reabilitar o cardeal punido por ele mesmo após seu nome estar implicado nos últimos escândalos de malversação de fundos da Santa Sé.

As verdadeiras razões pelas quais o Papa Francisco pediu ao Cardeal Becciu que renunciasse ao cargo de Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos e renunciasse às suas prerrogativas como cardeal no final do ano passado nunca foram explicitadas formalmente pelo Vaticano, pelo Santo Padre ou pelo Cardeal Becciu. 

No entanto, de acordo com informações vazadas à imprensa, o Cardeal Becciu está atualmente sob investigação por peculato, abuso de poder e "ofensa ao Rei" – a tipificação do delito de ultraje ao papa – um crime pouco conhecido, mas que segue constando no código penal do Estado do Vaticano. Essa investigação se dá no Estado do Vaticano que é um estado independente e tem suas próprias instâncias penais.

O Cardeal Becciu esteve envolvido em dois casos: um investimento da Secretaria de Estado em um empreendimento imobiliário de luxo em Londres – finalizado por seu sucessor Dom Edgar Peña Parra e que agora está sob escrutínio dos magistrados do Vaticano – e a má gestão dos fundos da Secretaria de Estado na época em que Becciu era o número 2 deste órgão vaticano.

O segundo caso diz respeito a uma série de transferências suspeitas para Cecilia Marogna, uma analista de inteligência e suposta mediadora de Becciu para a libertação de cinco freiras sequestradas na África.

Marogna, de 39 anos, foi presa pela Autoridade de Finanças da Itália junto com a Interpol em sua casa em Milão, em cumprimento de um mandado de prisão internacional solicitado pelo Vaticano. Entretanto, Cecilia não é cidadã do Vaticano e o acordo entre a Itália e a Santa Sé permite a extradição de cidadãos do Vaticano para a Itália, mas não ao contrário. Portanto, quem decide seu destino são as autoridades italianas que escutaram os advogados da mulher e não só revogaram a sua prisão como criticaram a Santa Sé, dizendo que seu encarceramento possuía um "vácuo motivacional", ou seja, não havia nenhuma razão que o justificasse.

Cecilia Marogna aguarda em liberdade o processo de extradição para o Vaticano onde será julgada. Ela é acusada de receber cerca de 600 mil Euros de Becciu quando trabalhava na Secretaria de Estado, supostamente para dar em resgate para a libertação de padres e freiras sequestrados mas os utilizou para compra de artigos de luxo.

Desde o início das investigações ao Cardeal Becciu em outubro de 2019, seis funcionários do Vaticano foram suspensos: dois deles – ambos padres – foram enviados de volta a suas dioceses de origem; outro não teve seu posto renovado, dois deles tiveram aposentadoria antecipada e um deles foi transferido para outro dicastério e rebaixado.

A visita do papa a Becciu na Quinta-Feira Santa provocou rumores de uma possível reabilitação para o ex-Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, especialmente devido à ausência de uma confirmação oficial por parte da assessoria de imprensa do Vaticano, a Sala Stampa.

A única notícia do encontro repercutiu no portal oficial de notícias do Vaticano (Vatican News) que tardiamente comunicou a visita do Papa ao Cardeal Becciu, citando "fontes do movimento Focolare" enfatizando que "por se tratar de um compromisso particular do Santo Padre”, não havia “confirmações oficiais” para a notícia.

Francisco e Becciu tinham há anos o costume de almoçar juntos na quinta-feira santa com párocos da diocese de Roma, e este ano, não foi diferente. O Papa telefonou ao seu amigo, agora um cidadão investigado, para manter o costume mesmo depois das duras medidas adotadas contra o ex-Prefeito.

Fontes revelaram a CNA que, quando o Cardeal Becciu renunciou, o Papa Francisco pediu celeridade máxima na edição de um Boletim oficial da Santa Sé tornando pública a sua saída. A publicação foi tão rápida que o Cardeal descobriu que a notícia foi oficializada assim que chegou à sua residência, localizada perto do edifício onde funciona a Congregação para as Causas dos Santos, seu antigo local de trabalho.

Se o Papa Francisco quisesse reabilitar o Cardeal Becciu com sua visita, o mais provável é que a comunicação do seu encontro e o propósito deste seria feita de modo objetivo e calculado, tal como foi o anúncio da sua renúncia por parte da Sala Stampa.

Por que, então, o Papa Francisco visitou Becciu?

Sabe-se que o Papa Francisco gosta de passar a missa da Quinta-Feira Santa na companhia de prisioneiros e outros grupos de pessoas marginalizadas. De fato, o Cardeal Becciu se encontra atualmente marginalizado e sob investigação. Isto levou uma fonte da CNA, a agência em inglês do grupo ACI, a dizer que "o Papa tratou o Cardeal Becciu como qualquer outro preso."

Entretanto, também é plausível que o Papa tenha querido realizar um gesto de misericórdia para com um ex-membro do seu círculo mais íntimo de colaboradores. No momento, as investigações estão paralisadas, e os últimos relatórios sugerem que os promotores do Vaticano não estão nem perto de uma decisão. Além disso, um tribunal na Inglaterra e outro na Austrália julgaram improcedentes as acusações trazidas pelos promotores contra ele.

Assim, a visita do Papa Francisco não poderia de forma alguma estar vinculada à sua reabilitação, disse à CNA uma fonte que trabalha no sistema judicial do Vaticano.

"A questão do Cardeal Becciu está nas mãos do promotor do Vaticano", disse a fonte. "Há duas opções: ou o papa exerce seu poder como Autoridade Suprema, interfere no poder judiciário e manda parar a investigação; ou o Papa terá um gesto paternal, e deixará a questão nas mãos do promotor."

De acordo com as mesmas fontes dentro do tribunal do Vaticano, a investigação sobre o Cardeal Becciu pode ser concluída "dentro de 40 dias", e "só então saberemos se haverá indiciamentos".

Destituído de seus deveres, bem como de seus direitos como cardeal, Angelo Becciu se dedica agora a se defender das acusações dentro e fora dos muros do Vaticano, onde correm as investigações em que seu nome está implicado. Entretanto, o Cardeal que nunca deixou de ser cidadão italiano, trava também uma batalha judicial contra o jornal L'Espresso. Becciu vem processando o veículo italiano após este ter divulgado histórias controversas sobre o envolvimento de seus familiares na Sardenha nos escândalos financeiros do Vaticano.

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Análise preparada por Andrea Gagliarducci, publicada originalmente em National Catholic Register, traduzida e adaptada por Rafael Tavares.

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