O Papa Francisco se reuniu com membros da comunidade católica da Bulgária, na Igreja de São Miguel Arcanjo, em Rakovsky.

Ao chegar, o Santo padre foi recebido por duas meninas vestidas com trajes tradicionais, as quais lhe presentearam com um pão típico. Depois, junto com o pároco e o vice-pároco, o Pontífice entrou na igreja onde estavam um quadro e as relíquias de São João XXIII, diante dos quais deixou um buquê de flores brancas e amarelas, beijou o relicário e rezou em silêncio.

Em primeiro lugar, o Papa agradeceu pelos testemunhos de uma religiosa, um sacerdote e uma família que, segundo disse, ajudaram-no “a compreender um pouco mais o motivo pelo qual esta terra foi tão amada e significativa para São João XXIII, onde o Senhor estava a preparar algo que haveria de ser um passo importante no nosso caminho eclesial”.

Durante seu discurso, o Santo Padre recordou sua visita ao Centro de refugiados de Vrazhedebna e destacou que, neste centro da Cáritas, “são muitos os cristãos que aprenderam a ver com os próprios olhos do Senhor, o Qual não se detém nos adjetivos, mas procura e atende a cada um com olhar de Pai”.

“Ver com os olhos da fé convida-nos a passar a vida, não colando etiquetas nem classificando quem é digno de amor e quem não o é, mas procurando criar as condições para que cada pessoa possa sentir-se amada, sobretudo quem se sente esquecido por Deus porque é esquecido pelos seus irmãos”, destacou o Papa.

A seguir, o texto completo do discurso do Santo Padre:

Queridos irmãos e irmãs,

Boa tarde! Agradeço-vos a calorosa recepção, as danças e os testemunhos. É sempre motivo de alegria poder encontrar o Povo santo de Deus com os seus mil rostos e carismas.

O Bispo D. Iovcev pediu-me para vos ajudar a «ver com olhos de fé e amor». Antes de tudo, quero agradecer-vos porque me ajudastes a mim a ver melhor e a compreender um pouco mais o motivo pelo qual esta terra foi tão amada e significativa para São João XXIII, onde o Senhor estava a preparar algo que haveria de ser um passo importante no nosso caminho eclesial. No vosso meio, germinou uma forte amizade com os irmãos ortodoxos e isso impeliu-o por uma estrada capaz de gerar a tão suspirada e frágil fraternidade entre as pessoas e as comunidades.

Ver com os olhos da fé. Desejo recordar as palavras do «Papa bom», que soube sintonizar de tal modo o seu coração com o Senhor, que pôde dizer que não estava de acordo com as pessoas que ao redor de si mesmas só viam mal, chamando-as profetas da desgraça. Segundo ele, era preciso ter confiança na Providência, que nos acompanha continuamente e, no meio das adversidades, é capaz de realizar desígnios superiores e inesperados (cf. Discurso de abertura do Concílio Vaticano II, 11 de outubro de 1962).

Os homens de Deus são aqueles que aprenderam a ver, confiar, descobrir e deixar-se guiar pela força da ressurreição. Reconhecem – é verdade! – que existem situações ou momentos dolorosos e particularmente injustos, mas não ficam ociosos, assustados ou, pior ainda, alimentando um clima de incredulidade, mal-estar ou aborrecimento, porque isto nada mais faz do que prejudicar a alma, debilitando a esperança e impedindo qualquer solução possível. Os homens e as mulheres de Deus são aqueles que têm a coragem de dar o primeiro passo e, com criatividade, procuram colocar-se na linha da frente, testemunhando que o Amor não está morto, mas venceu todos os obstáculos. Arriscam, pois aprenderam que, em Jesus, arriscou o próprio Deus. Arriscou a própria carne, para que ninguém pudesse sentir-se sozinho ou abandonado.

E esta é a beleza de nossa fé. Deus que arrisca, fazendo-se um de nós. Neste sentido, quero partilhar convosco uma experiência vivida algumas horas atrás. De manhã, tive a alegria de encontrar, no campo de refugiados de Vrazhedebna, deslocados e refugiados que vieram de vários países do mundo para encontrar uma situação de vida melhor daquela que deixaram, e também voluntários da Cáritas.

Quando entrei e vi os voluntários da Cáritas, perguntei quem eram, porque pensei que eram os bombeiros, porque vestem vermelho. Disseram-me lá que o coração do Centro é constituído pela consciência de que toda a pessoa é filha de Deus, independentemente da etnia ou confissão religiosa.

Para amar alguém, não é preciso pedir-lhe o seu currículo; o amor precede, antecipa-se. Por que? Porque é gratuito. Naquele Centro da Cáritas, são muitos os cristãos que aprenderam a ver com os próprios olhos do Senhor, o Qual não se detém nos adjetivos, mas procura e atende a cada um com olhar de Pai.

Sabem de uma coisa, temos que estar atentos, nós caímos na cultura do adjetivo, esta pessoa é isso, essa pessoa é aquilo... e Deus não quer isso, é uma pessoa, é imagem de Deus, nada de adjetivos, deixemos que Deus coloque os adjetivos, nós colocamos o amor, a todas as pessoas. Assim, isso vale também para a fofoca, com quanta facilidade chegam a nós as fofocas e adjetivamos as pessoas, eu não estou falando de vocês, porque sei que aqui não há fofoca. Mas, pensemos nos lugares que há fofocas. Devemos passar da cultura do adjetivo para a cultura do substantivo.

Ver com os olhos da fé convida-nos a passar a vida, não colando etiquetas nem classificando quem é digno de amor e quem não o é, mas procurando criar as condições para que cada pessoa possa sentir-se amada, sobretudo quem se sente esquecido por Deus porque é esquecido pelos seus irmãos.

Irmãos e irmãs. Quem ama, não perde tempo em lamentos, mas procura sempre algo de concreto que possa fazer. Naquele Centro, aprenderam a ver os problemas, reconhecê-los, enfrentá-los; deixaram-se interpelar e procuraram discernir com os olhos do Senhor. Como disse o Papa João, «nunca conheci um pessimista que tenha concluído algo de bom». Os pessimistas nunca fazem algo bom, os pessimistas arruínam tudo. Quando penso no pessimista, penso em um belo bolo, o que faz o pessimista? Joga vinagre no bolo, estrague tudo. Os pessimistas arruínam tudo. Em vez disso, o amor abre as portas sempre. O Papa João tinha razão: , «nunca conheci um pessimista que tenha concluído algo de bom».

O Senhor é o primeiro a não ser pessimista e procura continuamente abrir, para todos nós, caminhos de Ressurreição. O senhor é um otimista incurável. Sempre tenta pensar bem de nós, levar-nos adiante, apostar em nós. Como é belo quando as nossas comunidades lembram um canteiro de obras de esperança! O otimista é um homem ou uma mulher que cria a comunidade esperança.

Mas, para adquirir o olhar de Deus, precisamos dos outros, precisamos que nos ensinem a olhar e sentir como Jesus olha e sente; que o nosso coração possa palpitar com os próprios sentimentos d’Ele! Por isso, gostei de ouvir Mitko e Miroslava, com o seu anjinho Bilyana, dizer-nos que, para eles, a paróquia sempre foi a segunda casa, o lugar onde sempre encontram, graças à oração comunitária e ao apoio das pessoas amigas, a força para prosseguir. Uma paróquia otimista, que ajuda a seguir adianta.

Assim, a paróquia transforma-se numa casa no meio de todas as casas e é capaz de tornar presente o Senhor precisamente lá onde cada família, cada pessoa procura diariamente ganhar o seu pão. Lá, na encruzilhada das estradas, encontra-Se o Senhor, que não quis salvar-nos com um decreto, mas entrou e deseja entrar no mais íntimo das nossas famílias para nos dizer, como aos discípulos, «a paz esteja convosco!».

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É bela a saudação do Senhor. A paz esteja convosco. Onde há tempestade, onde há escuridão, onde há dúvida, onde há angústia, o Senhor diz a paz esteja convosco. E não só diz, faz a paz.

Fico feliz em saber que considerais boa esta «máxima» que gosto de partilhar com os cônjuges: «Nunca vades dormir zangados, nem uma noite sequer» (e convosco, pelo que vejo, funciona). Uma máxima, que pode servir também para todos nós, cristãos. Gosto de dizer aos casais que não briguem, mas se brigam, não há problema, porque é normal ficar bravo, é normal, às vezes brigar um pouco forte, algumas vezes voam os pratos, mas não há problema, ficar bravo, se fazem as pazes antes que o dia termine. Nunca terminar o dia em guerra, a vocês casais, nunca terminem o dia em guerra. E, sabem por quê? Porque a guerra fria do dia seguinte é muito perigosa. E, Padre, como se pode fazer a paz? Onde posso aprender a fazer a paz? Somente um gesto de amor e fazer a paz.

Como contastes vós mesmos, é verdade que se passa através de várias provas; por isso, é necessário estar atentos para que a ira, o ressentimento ou a amargura nunca se apoderem do coração. Nisto, devemos ajudar-nos uns aos outros, cuidar uns dos outros, para que não se apague a chama que o Espírito acendeu no nosso coração.

Reconheceis – e disso vos sentis agradecidos – que os vossos sacerdotes e irmãs cuidam de vós. São bons. Um aplauso para eles! Mas, quando vos ouvia, impressionou-me aquele sacerdote que falou, não da sua boa prestação durante estes anos de ministério, mas das pessoas que Deus colocou junto dele para o ajudar a tornar-se um bom ministro de Deus. E essas pessoas são vocês.

O povo de Deus agradece ao seu pastor, e o pastor reconhece que aprende a ser crente com a ajuda do seu povo, da sua família e no meio deles. Quando um sacerdote, uma pessoa consagrada, um bispo como eu, se afasta do povo de Deus, o coração se esfria e perde essa capacidade de crer como o povo de Deus, por isso, gosto dessa afirmação, o povo de Deus ajudar os consagrados a ser crentes.

O que Deus quer é uma comunidade viva que apoia, acompanha, integra e enriquece. Nunca separados, mas unidos é que cada um aprende a ser sinal e bênção de Deus para os outros. Sem o seu povo, o sacerdote perde a identidade, e, sem os seus pastores, o povo pode fragmentar-se. A unidade do pastor que apoia e luta pelo seu povo, e este que apoia e luta pelo seu pastor.

Cada qual dedica a sua própria vida aos outros. Ninguém pode viver apenas para si mesmo; vivemos para os outros. Isso é o que dizia São Paulo em uma de suas cartas, ninguém vive só para si. Padre, eu conheço uma pessoa que vive só para si. Esta pessoa é feliz? É capaz de dar a vida aos outros? É capaz de sorrir? São as pessoas egoístas.

É o povo sacerdotal que pode dizer com o sacerdote: «Este é o meu corpo, que será entregue por vós». Assim, aprendemos a ser uma Igreja-família-comunidade que acolhe, escuta, acompanha, preocupa-se com os outros, revelando o seu verdadeiro rosto, que é rosto de mãe. A Igreja é mãe.

Igreja-mãe que vive e assume os problemas dos filhos, não dando respostas pré-fabricadas. Não, as mães quando devem responder aos filhos, dizem o que lhes vem à boca nesse momento, as mães não têm respostas pré-fabricadas, respondem com o coração, coração de mãe, assim a Igreja, que é mãe. Esta igreja que é feita por todos nós, povo de Deus, sacerdotes, consagrados, povo, procurando em conjunto caminhos de vida, de reconciliação; procurando tornar presente o Reino de Deus.

Igreja-família-comunidade que se ocupa dos nós da vida, tratando-se muitas vezes de grandes emaranhados e, antes mesmo de os desfazer, assume-os, ocupa-se deles e ama-os. Assim faz uma mãe, quando vê um filho, uma filha em dificuldade, não os condena. Toma as dificuldades, esses nós, em suas mãos, os faz seus e resolve. Assim é nossa mãe Igreja, assim devemos olhar para ela, é a mãe que nos aceita como somos, com nossas dificuldades, nossos pecados, é mãe, sempre sabe consertar as coisas. Não lhes parece lindo ter uma mãe assim? Não se afastem da Igreja. Se você se afastar, perderá a memória da maternidade da Igreja e começará a pensar mal de sua mãe Igreja. Quanto mais distante, essa imagem da mãe será imagem da madrinha. A madrinha está com o coração. A igreja é mãe.

Uma família entre as famílias, disponível – como nos dizia a irmã – para testemunhar ao mundo de hoje a fé, a esperança e o amor ao Senhor mas também àqueles que Ele ama com predileção. Uma casa com as portas abertas... A Igreja é uma casa com as portas abertas, porque é mãe. Tocou-me muito o texto de um sacerdote que gostava muito da Virgem, e também um sacerdote pecador, ele sabia ser pecador, mas ia à Virgem e chorava diante da Virgem. Uma vez, escreveu um poema à Virgem e fez o propósito de nunca se afastar da Igreja. Escrevia assim: nesta tarde, Senhor, a promessa é sincera, mas por acaso, não se esqueça de deixar a chave do lado de fora. Maria e a Igreja nunca fecham por dentro, se fecham, deixam a chave do lado de fora, você pode abrir. E esta é a nossa esperança, a esperança da reconciliação.

Padre, você diz que a Igreja e a Virgem são uma casa com as portas abertas. Mas, se você soubesse as coisas feias que fez na vida, para mim as portas da igreja e as portas da Virgem estão fechadas. Tem razão, estão fechadas, mas se aproxime, olhe bem, e você verá a chave do lado de fora, abra, a porta está lá, você não precisa bater. Isso é para a vida toda.

Neste sentido, tenho uma incumbência para vós. Na fé, sois filhos das grandes testemunhas que foram capazes de testemunhar com a sua vida o amor do Senhor nestas terras. Os irmãos Cirilo e Metódio, homens santos e com grandes sonhos, convenceram-se de que a forma mais autêntica para falar com Deus era fazê-lo na sua própria língua. Isto deu-lhes a audácia necessária para se decidirem a traduzir a Bíblia, a fim de ninguém ficar privado da Palavra que dá vida.

Hoje, ser uma casa com as portas abertas, na esteira de Cirilo e Metódio, requer também saber ser audazes e criativos interrogando-se como será possível traduzir, de maneira concreta e compreensível para as gerações jovens, o amor que Deus tem por nós. E é preciso ser audazes, corajosos.

Sabemos e experimentamos que, «nas estruturas habituais, muitas vezes os jovens não encontram resposta para as suas inquietudes, necessidades, problemas e feridas» (Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 202). E isto pede-nos um novo esforço de imaginação nas nossas ações pastorais, para procurar o modo de alcançar o seu coração, conhecer as suas expetativas e encorajar os seus sonhos, como comunidade-família que apoia, acompanha e convida a olhar o futuro com esperança.

Uma grande tentação enfrentada pelas novas gerações é a falta de raízes que as sustentem, levando-as ao desenraizamento e a uma grande solidão. Os nossos jovens, no momento em que são chamados a expressar todo o potencial que possuem, muitas vezes ficam a meio do caminho por causa das frustrações ou das desilusões que sentem, pois não têm raízes onde apoiar-se para olhar em frente (cf. ibid., 179-186). E isto agrava-se, quando são forçados a deixar a própria terra, a sua pátria, a própria família.

Não tenhamos medo de aceitar novos desafios, desde que nos esforcemos com todos os meios por fazer com que o nosso povo não fique privado da luz e consolação que brotam da amizade com Jesus. Gostaria de ressaltar sobre os jovens que perdem raízes. Hoje, no mundo, há muitas pessoas que sofrem muito, os jovens e os idosos, devemos fazer com se encontro, encontrar-se. Os idosos são as raízes de nossa sociedade. Não podemos afastá-los de nossa comunidade, são a memória viva de nossa fé, os jovens precisam de raízes, memória. Façamos com que se comuniquem. Sem medo. É uma bela profecia do profeta Joel. Os velhos sonharão, os jovens profetizarão. Quando os jovens se encontram com os idosos, os idosos com os jovens, os idosos voltam a viver, voltam a sonhar, e os jovens tomam coragem dos idosos, vão adiante, e começam a frequentar o futuro. Precisamos que os jovens frequentem o futuro, mas só se pode fazer isso sem têm as raízes dos idosos. Quando vinha nas ruas, havia muitos idosos que sorriam, tinham um tesouro dentro, e havia tantos jovens que saudavam e sorriam, que se encontrem, que os idosos deem a estes jovens profetizar, frequentar o futuro.

Não tenhamos medo de assumir novos desafios, sempre busquemos por todos os meios que nosso povo não seja privado da luz e do consolo que nasce da amizade com Jesus Cristo, de uma comunidade de fé, na paróquia, que o sustente e de um horizonte sempre estimulante e renovador que lhe dê sentido e vida (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 49). Não esqueçamos que as páginas mais belas da vida da Igreja foram escritas quando, com criatividade, o Povo de Deus se colocava em movimento procurando traduzir o amor de Deus em cada momento da história, com os desafios que pouco a pouco ia encontrando.

O povo unido, o povo de Deus, com o sentido da fé claro. É belo saber que podeis contar com uma grande história vivida, mas mais belo ainda é tomar consciência de que vos foi concedido, a vós, escrever aquilo que vai vir. Estas páginas não foram escritas, você têm que escrevê-las, o futuro está em suas mãos, vocês têm que escrever o livro do futuro.

Não vos canseis de ser uma Igreja que continua a gerar, por entre contradições, amarguras e necessidades, os filhos de que esta terra precisa hoje, nos começos do século XXI, mantendo um ouvido atento ao Evangelho, e o outro ao coração do vosso povo.

Obrigado. Agradeço-vos por este maravilhoso encontro e, pensando no Papa João, gostaria que a bênção, que agora vos dou, seja uma carícia do Senhor para cada um de vós. Ele havia dado esta bênção com o desejo de que fosse uma carícia, a bênção que concedeu à luz da lua. Rezemos juntos, rezemos à Virgem que é a imagem da Igreja. Rezem em seu idioma a Ave Maria... Maria Mãe da Igreja, rogai por nós.

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