Por causa da carta enviada pelo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, ao Papa Francisco exigindo um pedido de desculpas pelos abusos cometidos durante a conquista da América, o diretor interino da Sala de Imprensa do Vaticano, Alessandro Gisotti, recordou que o Pontífice já pediu perdão há alguns anos.

Em declarações à agência EFE, Gisotti afirmou que "até o momento" o Vaticano não tem uma declaração adicional, mas, "como já é do conhecimento de todos, o Santo Padre já se expressou com clareza sobre esta questão".

De fato, durante sua viagem à Bolívia em 2015, o Papa pediu perdão pelos "muitos e graves pecados cometidos contra os povos originários da América".

Mas também lembrou naquela ocasião que, "onde abundou o pecado, superabundou a graça, através destes homens que defenderam a justiça dos povos originários".

A exigência de López Obrador, também enviada ao Rei da Espanha, Felipe VI, se insere no contexto dos 500 anos da chegada dos espanhóis ao atual território continental do México em 1519, e no contexto do aniversário de meio milênio da queda de Tenochtitlan, hoje Cidade México, que será lembrado em 2021.

São João Paulo II e Bento XVI também manifestaram em anos anteriores um pedido de perdão pelos abusos que muitos cristãos cometeram durante a conquista e colonização da América.

Em diálogo com o Grupo ACI, Héctor Zagal, doutor em filosofia, pesquisador e professor da Universidade Panamericana de México, destacou que, "quando os conquistadores chegaram, não existia México, existia uma série de povos, entre os quais estavam os principados mixtecos, os astecas, os povos maias, o reino de Michoacán e todos eles estavam brigados, havia a República de Tlaxcala".

"E o grande inimigo a ser vencido para a maioria dos indígenas era o Império Mexica, também conhecido como Astecas", porque "eram opressores, escravizavam outros povos, exigiam impostos, mão de obra, prisioneiros de guerra e sacrifícios".

"Quando chega Hernán Cortés imediatamente adverte sobre estes combates internos e o que faz é capitalizar e conseguir que muitos deles, como por exemplo a República de Tlaxcala, tornem-se aliados dos espanhóis. Quando em 13 de agosto de 1521 o México-Tenochtitlán caiu, Hernán Cortés tinha pouco menos de mil soldados. Mas tinha, estima-se, cerca de 150 mil aliados indígenas".

O pedido de perdão expresso pelos Papas, explicou Dr. Zagal, deve-se ao fato de que, diferentemente de alguns países, "a Igreja se considera como uma instituição contínua. Ou seja, há uma solidariedade da Igreja, por assim dizer, desde os primeiros tempos até a atualidade. É a mesma Igreja e, portanto, há uma corresponsabilidade para bem e para mal".

No entanto, indicou, "devemos compreender os contextos", porque "foi-se aprofundando nos direitos humanos e não podemos julgar com o mesmo rigor a Igreja do século XVI como a Igreja do século XXI".

Dr. Zagal acrescentou que, com efeito, a conquista da América teve "luzes e sombras" e recordou que entre as legitimações para realizar este processo, “considerava-se que um povo que não permitia a pregação do Evangelho, um povo que celebrava mal alguns ritos, como os sacrifícios humanos, podia ser conquistado”.

O professor da Universidad Panamericana observou ainda que, tanto para a Europa como para a América no século XVI, "não podemos idealizar", pois, ambos continentes "estavam envolvidos em guerras, em lutas internas, havia opressão, havia pobreza".

"Nem a Europa nem a América eram uma espécie de paraíso original, onde as pessoas eram boas por natureza", destacou.

Mas as feridas da conquista, disse, têm a possibilidade de serem fechadas. "Já existem países onde se fecharam. A Gália foi conquistada pelos romanos e hoje nenhum francês se ressente por esta luta".

"O problema, pelo menos no México, é que os indígenas continuam sendo a população mais pobre. O México é um país onde temos 3 dos 20 milionários mais ricos do mundo. O México é um país muito rico e, no entanto, existe uma desigualdade social e um racismo persistente".

"Na medida em que esses povos originários ascendam socialmente, tenham acesso à saúde, à educação, isso terminará fechando este episódio", afirmou.

Por sua parte, Padre Eduardo Chávez, doutor em História da Igreja na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e um dos maiores especialistas sobre a aparição da Virgem de Guadalupe, disse que a exigência de López Obrador "está fora de lugar, porque estamos falando de outro contexto".

"Naquela época, os missionários vinham verdadeiramente para fazer uma evangelização que lhes custava a vida. Naquela época, era uma verdadeira aventura vir para a América. E o fizeram realmente com todo o amor, amor pela Igreja, e achavam que toda essa idolatria, tudo isso que estavam passando os indígenas era do diabo".

O sacerdote e historiador mexicano afirmou que, ao contrário do trabalho generoso dos missionários, "os conquistadores são outra coisa. Há duas coisas que infelizmente se misturam, mas são diferentes ".

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A diferença é tal, afirmou, que embora os conquistadores espanhóis se dissessem cristãos, pretendiam assassinar os missionários para evitar que batizassem os indígenas, a fim de escravizá-los.

"Era mais simples para eles poderem justificar seus roubos, seus assassinatos, sua escravidão e tratar os indígenas como animais, porque diziam: 'se permanecerem na idolatria, então justifico todo este tipo de torpezas, porque estou lidando com animais ou com pessoas que estão com os diabos, com os ídolos’", assinalou.

Pe. Chávez reafirmou a preocupação evangelizadora dos primeiros missionários e lembrou que o que viram quando chegaram aos territórios astecas lhes parecia demoníaco.

"As criancinhas eram sacrificadas em adoração a Tlaloc, o deus da chuva. O que se pretendia era que chorassem muito e lhes perfuravam todo o corpinho com pontas de maguey. O objetivo era fazê-las chorar até que não conseguissem nem respirar para que houvesse chuva. Então, arrancavam-lhes as unhas. Se fosse uma menina, cortavam sua cabeça e, se fosse um menino, tiravam-lhe o coração e o sangue".

"Um missionário do século XVI, inclusive um missionário atual, vê isso como demoníaco, ou em nossa época, como coisa de louco", assegurou.

Para os missionários que vieram para a América há 500 anos, observou, o objetivo principal "era salvar os povos indígenas de toda essa idolatria".

A verdadeira inculturação da evangelização do México, destacou, só veio com a aparição da Virgem de Guadalupe em 1531. Santa Maria, disse Pe. Chávez, "fez entender tanto a uns como a outros uma inculturação perfeita desta evangelização".

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