Em uma entrevista concedida ao jornal madrileno ABC, o professor da cátedra de História e encarregado da edição do documento apresentado nesta terça-feira na Santa Sé que contém as Atas do Simpósio Internacional sobre a Inquisição realizado no Vaticano em 1998, Agostino Borromeo desmentiu algumas das falsidades promovidas pela “lenda negra” sobre a Inquisição.

Na entrevista, o professor de História na Universidade de Roma La Sapienza e diretor do Instituto Italiano de Estudos Ibéricos, falou sobre o volume de 800 páginas que reúne as conclusões de 60 historiadores e especialistas de todo o mundo.

Borromeo assegurou ao jornal espanhol que o trabalho apresentado “rompe o tópico de que os acusados terminavam quase sempre na fogueira”.

Ao precisar esta primeira abordagem da investigação, Borromeo indicou que aquele  “procedimento penal contra hereges começa em 1231 e termina com a abolição da última Inquisição, a de Roma, em 1870, depois de ter tido características distintas segundo os países e épocas. A Inquisição espanhola –muito ativa e que não foi abolida até 1834- julgou em toda sua história 130 mil pessoas, das quais foram condenadas à morte menos de dois por cento”.

“Durante muito tempo se confundiram, julgamentos com condenações à morte, e se pensava em umas 100 mil execuções, uma cifra totalmente irreal. Embora houve sentenças de prisão e de galeras a maior parte das condenações eram espirituais: peregrinações, penitências, orações, etc.”, disse o catedrático.

Perguntado sobre as penas estabelecidas pela Inquisição em outros países, Borromeo declarou que “entre 1551 e 1647, o tribunal italiano de Aquileia condenou à morte apenas 0,5 por cento. Ao contrário, os 13 mil 255 julgamentos da Inquisição portuguesa entre 1450 e 1629 traduziram-se em 5,7 por cento de condenações à morte.

A esse respeito, Borromeo precisou que “bem é verdade que também houve muitos julgamentos de pessoas falecidas, em cujo caso se exumavam os ossos e queimavam.  Mas o total de pessoas julgadas pelos diversos tribunais em toda sua história situa-se em torno a  2 por cento”.

Ao ser interrogado sobre as torturas, o professor de La Sapienza expressou que além do tema da fogueira, este tema constituia “a segunda surpresa”.

“Descobrimos que se aplicava a menos de 10 por cento dos processados e sempre em condições muito mais benignas que nos julgamentos civis da época. A  tortura nos choca hoje muito -infelizmente menos, depois do visto no Iraque-, mas durante muito tempo fazia parte da normalidade processual. Era ‘a rainha das provas’, e muitos delinqüentes eram torturados antes de serem interrogados”, acrescentou.

Agostino Borromeo explicou depois que “não é o mesmo a Inquisição medieval que a dos séculos XVIII ou XIX quando a gente era muito mais sensível à injustiça. Na Idade Média, a Inquisição era muito popular porque se via o herege como inimigo, um perigo. E a pena que morte era então muito normal”.

Finalmente, o diretor do Instituto Italiano de Estudos Ibéricos explicou algumas mudanças na historiografia a respeito. “Desde o século XVI, em que começaram a circular  opúsculos protestantes contra a Inquisição espanhola, até passada a metade do século XX, a Inquisição foi um tema polêmico. Alguns a utilizavam para atacar a Igreja, e outros respondiam com apologias que chegavam a extremos ridículos, como dizer que não eram tribunais da Igreja mas do Estado, o que é falso”.

“Durante seus primeiros mil anos, a Igreja se opôs à pena de morte. Depois aceitou durante quase outros mil. João Paulo II pediu perdão pelo anti-semitismo e pelo recurso à violência. Como historiadores, não nos corresponde julgar, mas esclarecer”, concluiu.