Em um contundente texto, o jornalista católico italiano Vittorio Messori respondeu as agressões do teólogo dissidente alemão Hans Küng, quem cansado de esperar a morte do Papa João Paulo II, escreveu um insultante “balanço” deste Pontificado no jornal IL Correriere della Sera.

A nota de Küng apresenta onze supostas contradições do Papa e o assinala como “culpável do rechaço à mulher na Igreja, do avanço do AIDS, da diminuiição de vocações, a pouca abertura ecumênica e o ataque ‘inquisitorial’ aos teólogos críticos com o Vaticano”.

Nada de  novo

Segundo Messori, não se tratou de um artigo novo. Küng tinha o artigo preparado faz tempo  e queria publicá-lo após da morte de João Paulo II. “Provavelmente, o teólogo suíço-alemão se cansou de esperar: faz anos já que o Correriere della Sera me pediu outra réplica a outra intervenção do Küng, onde este augurava (naturalmente, pelo bem da Igreja) um pronto desaparecimento do Papa. E não no sentido de demissão, mas de morte, porque se não, inclusive desde seu lugar de retiro poderia ter influenciado no Conclave e determinar a eleição de um cardeal em sua mesma linha. Coisa que, para nosso teólogo, seria a maior das desventuras”, denunciou Messori segundo a tradução publicada pelo jornal espanhol La Razón.

Para o jornalista “é impressionante como segue escrevendo uma e outra vez o mesmo artigo, tanto que a necrológica do Papa que preparou a princípios dos noventa é a mesma que se publicou agora, virtualmente sem variações”.

“Impressionante, sobre tudo, a total impermeabilidade deste professor aos fatos, a preeminência absoluta de seu esquema ideológico prévio: Ele mesmo recorda aqui que seu julgamento sobre o papado wojtyliano era já definitivo apenas um ano depois, em 1979, e que não trocou uma vírgula. Em um quarto de século a História se acelerou; impérios que pareciam de rocha e mármore se converteram em pó, a cultura mesma trocou perspectivas, mas Hans Küng, já professor emérito, privado faz tempo do título de ‘teólogo católico’, segue repetindo as coisas como faz 25 anos”, adicionou.

“Como replicar a esta fixação um pouco maníaca? O que dizer, novamente, se não há nada novo no interlocutor? Por que obstinarse no debate diante do enésimo artigo, se sempre é apenas mais do mesmo, e mais ainda quando é manifesta e provada a impossibilidade de manter com fruto um diálogo que o ex-docente rechaça sempre, fechado em seus esquemas?”, questionou o jornalista.

Triste fascinação

Segundo Messori, os esquemas de Küng “são os de meados dos anos sessenta”, com “a ideologia da ‘modernidade’, jovens clericais rampantes como nosso Küng, fechados após em uma cultura de seminário post-tridentino, que descobriam maravilhados a sociologia, a politología, a etnologia, a psicologia, o psicanálise e todos os ‘ismos’, do feminismo ao secularismo, que então pareciam triunfar”.

“Descobriam a democracia parlamentária e queriam aplicá-la –tal qual– também na Igreja; descobriam a sexualidade e, se não foram-se embora batendo a porta –como um terço dos sacerdotes e das monjas–, pretendiam que fosse viável também no estado clerical; descobriam a laicidade e queriam vivê-la neles mesmos, começando por tirar túnicas, saias e "clergiman" por cima da parede, mas sem renunciar a seu confortável status religioso. Descobriam também, com um atraso de cinco séculos, a Reforma protestante, e se gabavam de que fosse nova e ‘moderna’”, recordou.

O que fez Küng?

Naquela época, continuou o jornalista, “muitos descobriram o marxismo com uma perigosa excitação, e tentaram transformar o Evangelho no manual do perfeito guerrilheiro. Não foi o caso do Küng, que tomou como público de referência à burguesia da Europa nórdica, secularizada, opulenta e liberal, e organizou seu trabalho teológico com estilo de mánager, com seu staff de colaboradores, informáticos e agentes literários”.

“E está claro que um sacerdote assim não tinha nada que fazer com outro sacerdote –o Arcebispo de Cracóvia–, que vinha de uma Polônia onde a fé era algo heróico, onde a devoção popular atravessava a  vida cotidiana, onde a Virgem era onipresente, onde o secularismo e o laicismo mostravam seu rosto desumano, e em lugar de atrair, criavam medo e horror; onde o catecismo ainda se praticava e não se liam os elegantes ‘papers’ dos teólogos das universidades ocidentais”, indicou.

Um Papa “molesto”

Segundo Messori, “João Paulo II foi execrado rapidamente por Küng e por aqueles como ele porque não era ‘moderno’, mas sim ‘filho de uma Igreja arcaica’. Estas acusações, decênios mais tarde, são teimosamente mantidas pelo nosso teólogo, mas o mundo faz já tempo que saiu daquela ‘modernidade’ para entrar em um terreno desconhecido que, a falta de algo melhor, chamamos ‘postmodernidad’”.

O mundo, adiciona, “não apenas não sabe o que fazer com as teorias dos anos sessenta, senão que parece desejar precisamente o contrário: não o profano, mas sim o sagrado, não os padres-manager, nem os ‘operadores pastorais’, mas sim religiosos como o Padre Pio; não os racionalismos, mas sim o mistério; não revolução ulterior, mas sim redescobrimento da tradição. O que fica do ‘povo de Deus’ não vai para o debate dos acadêmicos de teologia, mas sim para as peregrinações a Medjugorje; não mostra nenhum interesse por votar para eleger o seu pároco e o seu bispo, não está frustrado porque suas filhas não possam ir ao seminário, mas sim está disposto para escutar a um sacerdote, provavelmente vestido de sacerdote, que lhe fala de Deus e de Cristo como antes”.

Em direção ao fracasso

O jornalista recordou que uma vez participou da roda de imprensa de um livro de K{ung onde “pedia para a Igreja Católica tudo o que pede agora a um novo Papa: padres casados, mulheres sacerdotes, divorciados que possam casar-se novamente, homossexuais venerados, contracepção livre, aceitação do aborto, párocos, bispos e papas escolhidos democráticamente, cismáticos e hereges postos como modelos; agnósticos e pagãos acolhidos não só como irmãos, mas sim como professores de vida e pensamento e dos que há tudo por aprender”.

Ao final, tomou a palavra um pastor protestante e disse: “Muito bonito e edificante, professor Küng. Tem razão, essas são as reformas que também o catolicismo deveria praticar. Mas me diga: por que então os protestantes, que temos tudo isto há tanto tempo, seguimos com as Igrejas mais vazias do que as suas?

“O professor não respondeu àquela pergunta, que descia do céu das teorias ‘pastorais’, ótimas para os semestres acadêmicos, até a brutal realidade dos fatos, estes mal educados que não querem entrar nunca em nossos esquemas”, indicou Messori.

Mais em

“Por exemplo: cada ano, em média, dez mil anglicanos pedem entrar na Igreja Católica. Não faz muito tempo, o Arcebispo de Londres ordenou sacerdotes católicos a dezenas de pastores anglicanos. São irmãos (e irmãs) cujo passo à Igreja de Roma foi provocado pela decisão da hierarquia anglicana de ordenar a mulheres. Uma decisão que não levou até eles nenhum católico (e nenhuma mulher católica; curioso!), enquanto que provocou um importante êxodo para o catolicismo. Os fatos, professor Küng, não provam – ao menos aqui– exatamente o contrário do que afirmam suas teorias?”, questionou.

“Ninguém lhe revelou alguma vez, senhor Küng, que, se o mais católico dos continentes, o hispano-americano, está-se passando em massa às seitas  protestantes enlouquecidas ou retorna aos cultos afroamericanos é precisamente porque procura lá tudo o que já não lhe dá certo clero católico que (formado freqüentemente na escola de suas faculdades alemãs) assegura ‘ter eleito aos pobres’ enquanto que ‘os pobres’ não o escolhem a ele?”, adicionou.

Segundo Messori, “mais do que defender este comprido pontificado da chuva de acusações, sem misericórdia e sem luz, que se jogam contra aqueles, que como católicos, são fiéis ao Papa (mas não sempre e passivamente apologistas de quem cumpre o ministério do Sucessor de Pedro), mais que defender, digo, é necessário mostrar como as alternativas ‘ao estilo do Küng’ não são o remédio mais adequado aos problemas da Igreja. Problemas que existem hoje, como sempre existiram; mas que, para ser confrontados, exigem muito mais que as receitas de um ‘modernismo’ ideológico que a história superou, nos mostrando seus limites e seus riscos”.