Em uma mensagem dirigida ao presidente da Conferência Episcopal Francesa (CEF) e Arcebispo de Bordeaux, Dom. Jean-Pierre Ricard, o Papa João Paulo II se referiu às relações entre a Igreja e as autoridades civis francesas e pediu que “os valores religiosos, morais e espirituais que são parte do patrimônio da França, que  modelaram sua identidade e forjaram gerações desde os primeiros séculos do cristianismo, não caiam no esquecimento”.

Em sua carta –escrita à luz do centenário da promulgação da lei de separação entre a Igreja e o estado francês–, o Santo Padre recordou que “a lei de separação de 1905 que denunciava a Concordata de 1804 foi um acontecimento doloroso e traumático para a Igreja na França, já que regulava a forma de viver francesa segundo o princípio de laicidade e relegava ao mesmo tempo o fato religioso à esfera privada sem reconhecer nem a vida religiosa nem a instituição eclesiástica como um lugar no seio da sociedade”.

“Entretanto, desde 1920 o governo francês reconheceu de alguma forma o lugar da experiência religiosa na  vida social”, afirmou o Papa e acrescentou que com o transcorrer do século passado se estabeleceu o diálogo entre Igreja e Estado, instauraram-se relações diplomáticas e foi assinado um acordo em 1924, permitindo assim “a superação de diversas dificuldades”.

“O princípio de laicidade, ao que seu país tem muito apego, corretamente entendido, pertence também à Doutrina Social da Igreja. Recorda a necessidade de uma justa separação de poderes em que ressoa o convite de Cristo a seus discípulos: 'A César o que é de César e a Deus o que é de Deus'. A Igreja não tem vocação para administrar o temporal mas ao mesmo tempo é necessário que todos trabalhem em prol do interesse geral e do bem comum”, acrescentou o Pontífice.

O Papa explicou que “o cristianismo teve e tem ainda um papel importante na sociedade francesa, tanto no âmbito político, como filosófico, artístico ou literário”; e acrescentou que “não se pode esquecer o lugar fundamental dos valores cristãos na construção da Europa e na vida dos povos do continente. O cristianismo tem modelado em grande parte o perfil da Europa e cabe aos homens e mulheres de nossos dias edificar a sociedade européia sobre os valores que presidiram seu nascimento e que são parte de sua riqueza”.

“A França deve se regozijar de contar com homens e mulheres que se apóiam no Evangelho para servir  seus irmãos na humanidade e difundir harmonia, paz, justiça, solidariedade e bom entendimento entre todos”, continuou.

Do mesmo modo, o Santo Padre se referiu à crise de valores e à falta de esperança que se difunde na França e em geral em todo Ocidente” e que “forma parte da crise de identidade que atravessam as sociedades modernas atuais”.

“A Igreja –destacou o Pontífice– se interroga sobre essa situação e deseja que os valores religiosos, morais e espirituais que são parte do patrimônio da França, que modelaram sua identidade e forjaram gerações desde os primeiros séculos do cristianismo, não caiam no esquecimento”.

O Papa exortou os fiéis franceses a “apoiar-se em sua vida espiritual e eclesiástica para conseguir a força de participar da vida pública” e insistiu à colaboração e não ao antagonismo entre o âmbito religioso e o civil. “Em razão de sua missão estão chamados a intervir com regularidade no debate público sobre os grandes temas da sociedade”, afirmou o Papa aos bispos.

“Sei que estão muito atentos à presença da Igreja nos lugares onde se expõem os  grandes e terríveis questionamentos do sentido da existência humana”, especialmente nos hospitais e escolas. “O Estado deve garantir às famílias que assim desejarem a possibilidade de que seus filhos recebam a catequese necessária”, ressaltou.

O Papa concluiu sua carta manifestando sua “confiança no futuro de um bom entendimento entre todos os componentes da sociedade francesa.Que ninguém tenha medo do testemunho religioso das pessoas e dos grupos sociais! Se se vive respeitando uma sã laicidade é fonte de dinamismo e promoção do ser humano”.