Os detentos políticos chegados à Espanha após serem liberados pelo Governo cubano graças à mediação da Igreja Católica pediram esta quinta-feira ao regime de Raúl Castro que libere também de forma imediata a aqueles dissidentes que se negam a serem "deportados" à Espanha e que querem permanecer na ilha para defender suas idéias.

"O Governo cubano liberou os que optamos pelo exílio", ressaltou o jornalista Ricardo González Alfonso em uma roda de imprensa em Madrid este meio-dia. "Para soltar os que queiram ficar é muito mais fácil", acrescentou, sublinhando que "bastará apenas abrir as portas das prisões".

"Se a vontade é soltar a todos, o quê esperam?", perguntou-se, duvidando se a intenção do regime do Raúl Castro é que estes detentos –que seriam umas dez pessoas segundo as últimas informações– sejam "reféns" e utilizá-los como "cartões de mudança" em um futuro.

González Alfonso pediu ao Governo que libere a todos "de uma vez" e não no prazo de três ou quatro meses ao qual se teria comprometido em seu diálogo com o Arcebispo de Havana, Cardeal Jaime Ortega. Segundo ele, aqueles detentos que não queiram partir para o "exílio" deveriam poder permanecer em Cuba.

Nesta mesma linha se pronunciou outro dos dissidentes chegados esta semana a Madrid, Julio César Gálvez, quem sublinhou que a eventual posta em liberdade dentro da ilha dos detentos políticos deve supor liberdade de movimentos e para procurar trabalho e o fim da perseguição por parte das forças de segurança do estado. "Que aqueles que queiram ficar sejam livres", reclamou.

Por outra parte, Ricardo González disse que não querem "prejudicar" as conversações em curso entre o Governo e a Igreja por "compromisso" com o resto dos 41 presos da Primavera Negra que seguem na prisão, por isso no momento não tomaram nenhuma decisão nem foi feita nenhuma gestão concreta para comparecer diante do Parlamento Europeu para explicar a situação da ilha, apesar de que ontem alguns deles tinham expresso sua intenção de atuar neste sentido.

Não obstante, Julio César Gálvez, que leu um comunicado dos nove que se encontravam esta manhã na Espanha, disse que todos eles estão decididos a "continuar a luta pela liberação de todos os detentos" e por "uma Cuba livre e democrática". Segundo González Alfonso, "se defendemos os direitos quando era impossível falar agora que temos umas condições muito mais favoráveis seria absurdo renunciar à luta".

Passos para a democracia

Para o outrora correspondente de Repórteres Sem Fronteiras (RSF) em Cuba, a decisão do Governo cubano de pô-los em liberdade é "um passo importante". "O caminho mais longo começa por um primeiro passo", sublinhou, precisando que no caso de Cuba "o fim do caminho é a democracia". Neste sentido, reclamou que "dêem-se passos de abertura em elementos econômicos e sociais e que haja uma transição pacífica passo a passo".

González Alfonso ilustrou o ocorrido com uma metáfora de pesca. Segundo ele, o regime "jogou-nos a isca para que a mordamos" e eles o fizeram e aceitaram o exílio mas agora o que vão fazer é mobilizar-se para "tirar do anzol e que o pescador venha à água".

Por sua parte, Omar Rodríguez Saludes, um dos dois ex-detentos chegados ontem a Madrid, reclamou que o Governo libere em primeiro lugar aqueles dos 52 dissidentes que se comprometeu a liberar com mais graves problemas de saúde e citou os casos concretos de Guido Sigler Amaya e de Efrén Fernández. "Os doentes eram os que deveriam ter sido liberados", afirmou.

Condições dos cárceres

Esta petição foi aproveitada por outros deles para denunciar as "péssimas" condições tanto sanitárias como de higiene que há nos cárceres cubanos, onde existe um excesso de população carcerária e em alguns casos até 40 presos compartilham cela, conforme relatou Julio César Gálvez. Nelas, ademais, há ratos, baratas, escorpiões (…) e a comida em muitas ocasiões não é mais que "água de casca de banana fervida".

Estas condições não padecem apenas os presos de consciência, mas também os detentos comuns, sublinhou, denunciando também que há numerosos casos de dengue e tuberculose. A respeito disto, Normando Hernández González relatou seu caso concreto e como foi transladado sem sabê-lo "a um destacamento de tuberculosos onde adquiriu o vírus".

Segundo este ex-detento, as autoridades penitenciárias "fazem ouvidos surdos a todo tipo de queixa" por parte dos detentos o que os leva "à apatia e à perda da esperança de viver". Por isso, lamentou, cada vez há mais casos de "auto-agressões" com o fim de chamar a atenção sobre a situação em que se encontram e reclamar atenção médica. Assim, contou o caso de um recluso que se lesionou a si mesmo e perdeu a vista em ambos os olhos.

Por tudo isso, Omar Rodríguez reclamou ao Governo cubano que permita que a ONU visite os cárceres e possa comprovar qual é sua situação. Julio César Gálvez foi mais longe e pediu que se permita a entrada no país dos distintos relatores especiais de Nações Unidas "para mostrar o que ocorre dentro de Cuba".

Por último, Omar Rodríguez lançou uma mensagem ao regime fazendo-se eco de uma das Reflexões publicada por Fidel Castro sob o título "Idéias não se matam". "As idéias tampouco são seqüestradas nem se desterram, essa é nossa mensagem ao Governo cubano", ressaltou.