Dec 26, 2025 / 07:00 am
“Há quatro gerações que não se ensinam virtudes...”, disse à ACI Digital o doutor em Educação João Malheiro, diretor de Educação da Faculdade Mar Atlântico. “Quando dou palestras para auditórios lotados, começo perguntando quem teve alguma vez na vida formação sobre virtudes e, geralmente, levantam duas, três senhoras. Então, uma criança que vai ser educada pelos pais, pelos avós, pelos bisavós, dessa forma, como essa criança vai conseguir imitar bem? Impossível”.
Diante desse cenário, escolas de identidade católica têm adotado a educação para as virtudes em seu currículo escolar.
Como a Porto Real, no Rio de Janeiro (RJ), fundada por Malheiro e do qual ele foi diretor de 2012 a 2024. Segundo ele, o trabalho de educação para as virtudes acaba envolvendo a comunidade escolar, as crianças e também as famílias. “As famílias se convertem. Mas, se convertem à religião? Não, não, se convertem a serem mães e pais”, disse Malheiro, especialista em Educação Personalizada e Ética das Virtudes.
A moral das virtudes é a doutrina tradicional católica sobre moral que tem sua expressão máxima em santo Tomás de Aquino. A base desse ensinamento vem de Aristóteles, que em sua Ética a Nicômaco, define a moral como o que é necessário para levar o ser humano à felicidade.
“A virtude é o que vai gerando no ser humano um aperfeiçoamento na sua natureza”, disse Malheiro. O “primeiro ponto da virtude é enxergar que ela vai me dar uma estabilidade humana”.
O educador disse que “quando a criança vem ao mundo, ela vem bastante desregulada”, pois “a natureza nos entrega uma criança que não pensa quase nada, tem uma força de vontade quase nula e, pelo contrário, tem uma imensa afetividade, impulsividade, desejos, que as levam a ser muito mais emotivas do que racionais”. Por isso, “todo o trabalho educativo de uma família, de uma escola, é provocar na criança a descoberta racional da importância da educação e o verdadeiro bem, aquele que nos realiza, que nos deixa felizes”, disse Malheiros.
Para o educador, “a palavra mágica da virtude é: o que me torna realmente feliz?”.
“A gente tem que ajudar a criança a descobrir que o que realmente torna feliz é algo difícil de conquistar, é algo que dá trabalho, exige sacrifício, requer esforço”.
Ele destacou que os “nossos sentidos geram sensações, que geram emoções” e que “uma criança tem muitas sensações no começo, muitas emoções e ela quer muito”. Segundo ele, “isso está errado, porque se quer muito prazer, emoções, desejos, sem racionalidade, essa criança vai se autodestruir”. Por isso, disse, “se a gente não atua nessa criança para ir contra essa tendência natural, a gente está sendo um mau educador, um mau pai, a gente está enganando a criança, provocando na criança uma desordem, um apetite desordenado, chamado por Aristóteles apetite concupiscível”, que, se não educado, “fica cada vez maior”.
Malheiro traça uma diferença entre a moral de virtudes e a moral de circunstâncias, escola de pensamento moral que ganhou muito espaço na Igreja católica a partir do fim do século XIX e, especialmente, ao longo da primeira metade do século XX.
A ideia é a de que não existe certo e errado absoluto, mas o julgamento moral deve ficar subordinado às circunstâncias em que a pessoa que faz a escolha moral se encontra no momento da escolha.
Para Malheiro, “pessoas que falam da moral das circunstâncias não acreditam que existe sim dentro de nós, na nossa natureza, a liberdade humana”.
O educador disse que “a liberdade humana é uma capacidade humana de escolher aquilo que mais me convém, por mais que eu não goste”, ou seja, há regras morais absolutas a serem seguidas.
“Quando eu estou condicionado a fazer a escolha em função das circunstâncias que estão me olhando, que eu vou ficar bem, que eu vou ganhar em troca isso e aquilo, então o cara não está vivendo a verdadeira liberdade interior, está vivendo uma liberdade exterior, que é ficar agradando gregos e troianos”, disse.
Por outro lado, a “liberdade interior é uma capacidade, até um poder, que eu não tenho quando sou criança, de escolher” e de escolher “até mesmo o não”, com base em uma “força que vem de dentro de mim”. “É a virtude que gera a liberdade interior”, acrescentou.
O que são virtudes
Malheiro citou, então, as quatro virtudes cardeais: temperança, fortaleza, prudência e justiça. Ele disse que, em seus estudos e trabalho, elencou cerca cem virtudes que se encaixam “sob o guarda-chuva” dessas quatro virtudes, por exemplo, a ordem material e a ordem temporal, que se encaixam dentro da temperança.
Em resumo, disse, virtude “é o que vai gerar crianças com autonomia moral, crianças com maturidade para tomar boas decisões, crianças para conquistarem a própria descoberta”.
Virtudes x capacidades socioemocionais
Outra diferenciação feita por Malheiro foi entre virtudes e capacidades socioemocionais. Segundo ele, a capacidade socioemocional é “que a minha emoção seja mais social, que eu consiga controlar minhas emoções para pensar no outro”.
“Parece uma coisa legal, trabalhar em equipe, ser mais colaborativo, resiliente”, disse. Mas, segundo ele, essas capacidades buscam a “como vencer e sobreviver nesse mundo competitivo”.
A virtude, porém, faz com que a pessoa saia “do egocentrismo, do prazer imediato, da zona de conforto não apenas pela ordem, pela fortaleza, por generosidade, e sim para encontrar o amor”, disse Malheiro. “Para encontrar Deus em primeiro lugar, encontrar os outros, a família, os amigos e, principalmente a si mesmo”.
“Eu vim ao mundo para ser dom, para ser uma pessoa que vai se entregar a alguém, a alguma causa. E quando eu me entrego como dom, eu me encontro”, disse, ressaltando que “torna-te é uma coisa livre”. “Você é alguém pensado por Deus desde toda a eternidade, mas Ele quer que você seja livre, Ele quer que você aceite e, depois, afirme diariamente com a tua liberdade”, disse.
Para Malheiro, atualmente, “tem muita gente que está doente, perdida, porque não se encontrou, porque não foi preparada para ser dom, mas foi preparada para ser função”. “Ser educada para ser função é uma grande mentira educacional”, completou.
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Educar para as virtudes
Segundo Malheiro, nas escolas em que se trabalha a educação para as virtudes “tem todo um caminhar lógico”, porque “tem virtudes para cada idade específica” e, “obviamente, vai sendo só aumentado o nível de exigência da virtude”, acrescentando novas.
O educador disse que “a partir de um ano de idade, a criança já pode aprender virtudes” e, nessa fase, disse, isso se dá pelo exemplo dos pais. “Se a mãe vai ensinando a criança, pelo seu exemplo, a viver a virtude, ela imita a mãe”, disse, citando o exemplo da ordem material, ao ensinar a criança a guardar seus brinquedos.
Até os 12 anos, completou, “nenhuma criança entende a virtude, para que serve, porque ela não tem uma racionalidade madura”, por isso a importância do exemplo. Depois, a criança entra em uma segunda fase, “a intencionalidade”, quando ela “entende a virtude”. Em seguida, “a terceira fase, lá no final da adolescência”, é quando, “se todo o caminho for bem feito, o cara quer viver” as virtudes.
Essa pessoa, segundo Malheiro, se torna “um cara muito bom, porque ele é um cara prudente, justo, generoso, tem amigos, é forte, é corajoso, aguenta a dor, tem resiliência, é estudioso, come o que não gosta, acorda na hora, arruma a roupa... ele se torna um cara muito bom porque foi aprendendo a se tornar ser humano”.
Educação para as virtudes na prática
O Colégio Altiora, em Petrópolis (RJ), é uma escola de educação personalizada de identidade cristã, criada por uma associação de pais, que foi aberto neste ano de 2025. Há turmas da educação infantil e do ensino fundamental e todas trabalham a educação para as virtudes.
“Quando a gente fala sobre o segmento da educação infantil, a gente aborda de uma forma. Quando as crianças vão ficando mais velhas, passam para a idade da razão, a gente já aborda de outra forma”, disse à ACI Digital a diretora-geral Mariana Armond Tardelli Barbosa.
Segundo ela, na educação infantil, trabalham com os hábitos, sobretudo os “quatro hábitos básicos: ordem, higiene, ensino e alimentação”. Mariana citou como exemplo a obediência. Com as crianças mais novas, ensinam com comandos como pegar determinado objeto. “‘Pega a bolinha vermelha’, e a criança pega a bolinha amarela. ‘Não, agora a gente precisa pegar a bolinha vermelha. Olha, eu te pedi as bolinhas vermelhas, lembra? Você tem que ser obediente e pegar as vermelhas e não as amarelas’. Isso é trabalhar a virtude da obediência, mas a gente não precisa levar para criança que aquele nome é virtude da obediência, mas ela vai desenvolver aquele hábito e vai se tornar virtuoso”, contou.
No ensino fundamental, já há aula de virtudes, como uma das disciplinas no currículo escolar. “Isso não quer dizer que em todos os colégios de educação personalizada é assim, mas aqui a gente optou por isso”, disse a diretora. Segundo ela, os alunos “estudam sobre o que é aquela virtude, qual é o antônimo daquela virtude, o contraponto dela, o que é preciso fazer para que a tenha, para adquiri-la em sua vida” e também têm “prova de virtudes”.
As virtudes entram até na avaliação escolar, disse Mariana Armond. Segundo ela, há “a nota qualitativa e a quantitativa”. “Eles têm as notas do conteúdo acadêmico, do que eles estudam, vale sete, e eles têm a nota qualitativa que vale três pontos”. Essa nota qualitativa é baseada em hábitos, virtudes, que os alunos precisam desenvolver. “Temos as métricas, as rotinas que eles devem fazer, o que vale 0,25 ponto cada”, contou a diretora, citando entre os tópicos avaliados, por exemplo, o cuidado com o material, estar pronto para esperar o professor na sala de aula, ir ao banheiro e retornar num intervalo de tempo coerente.
Além disso, Mariana conta que os alunos “fazem uma autoavaliação, como se fosse um exame de consciência, e avaliam se estão falando com gentileza com os amigos, se trataram alguém com rispidez, se estão se esforçando para estudar, se estão sendo honestos...”.
O colégio também tem a virtude do mês, que “é trabalhada de forma coletiva no colégio”. E os funcionários têm formação que, este ano, foi diária, sobre questões “técnicas, pedagógicas filosófica, sociológica, antropológica, humana e de virtudes”.
As virtudes também são trabalhadas com os pais, que têm formação mensal e as preceptorias, que são “reuniões estratégicas [com a família] em que a gente leva todo um olhar sobre todas as dimensões da criança, o que ela precisa melhorar no aspecto de maturidade, no aspecto de virtude, no aspecto comportamental, no aspecto físico”.
Segundo a diretora, nesses encontros com as famílias “são abordadas as questões das virtudes, com as virtudes cardeais”, mas também dos hábitos, “como a importância da pontualidade, a importância da ordem, a importância da obediência, a importância do respeito ao próximo, da generosidade, da gentileza...”. E esses hábitos, muitas vezes, são abordados de modo a serem “trabalhados em família, para que seja feito de forma conjunta com as crianças”.
“No fundo, no fundo, a nossa proposta é uma proposta para a família”, disse.
Nesse sentido que Malheiro diz que a educação para as virtudes nas escolas acaba convertendo as famílias a serem “mães e pais”.
“Por que está tão difícil educar na virtude hoje?”, pergunta Malheiro. “É porque, de fato, como esses pais, esses avós foram educados na mentira de ser feliz, de ter prazer imediato, de fazer o que gosta... então, é óbvio que quando você exige dos pais ‘você tem que dizer não para o seu filho, você não pode dar o que quiser, você está sendo muito intemperante, você tem que saber dizer não para a criança quando ela quer comer só o que gosta’, quando você começa a educar na dor, no sofrimento, na renúncia, na frustração, há uma resistência. Mas, depois que os pais vivenciam a virtude, percebem que eles melhoram e a criança melhora”, disse.
Segundo Mariana Armond, embora este tenha sido o primeiro ano do Altiora, já é possível observar alguns resultados da educação para as virtudes. “Foi o primeiro ano, então vamos dizer assim, a gente teve aí nove, dez meses de prática com eles. Falando na vida escolar de uma criança, é muito pouco, se a gente parar para pensar que a criança passa 13 anos, 15 dentro de um colégio”. Entretanto, entre as crianças “de 5, 6 anos, a gente já consegue ver”, disse, ao recordar o episódio em que um aluno, depois de comentar sobre um filme que não era adequado para sua idade e ser orientado pela professora, respondeu: “é verdade, desculpa, eu não percebia, porque nunca tinha aprendido que eu precisava cuidar da minha alma também”.
“Então, é bonito de ver que eles entendem que isso é uma consequência daquilo de bom que é levado para eles. E não é só uma questão das virtudes que, claro, é um valor muito grande, mas a questão de eles terem contato com a beleza, a bondade, a verdade”, completou.
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