Uma má tradução do italiano ao inglês do documento que resume o trabalhado na primeira parte do Sínodo da Família no Vaticano foi a causa do caos informativo que fez que diversos meios seculares afirmassem, entre outras coisas, que a Igreja tinha modificado a sua doutrina sobre o “matrimônio” gay.

A versão original do documento, chamado Relatio post discepationem (Relação depois do debate) estava escrita em italiano, idioma que o Papa Francisco escolheu como oficial para o Sínodo. Nos sínodos anteriores o idioma oficial tinha sido o latim, estimado por sua precisão e por sua falta de ambiguidade.   

O ponto que gerou a controvérsia está no parágrafo 50 que aparece logo depois de valorizar os dons e os talentos que os homossexuais podem dar à comunidade cristã. Em italiano aparece a seguinte pergunta: “le nostre comunità sono in grado di esserlo accettando e valutando il loro orientamento sessuale, senza compromettere la dottrina cattolica su famiglia e matrimonio?

Na tradução ao inglês proporcionada pelo Vaticano, lê-se o seguinte: “Are our communities capable of providing that, accepting and valuing their sexual orientation, without compromising Catholic doctrine on the family and matrimony?” (Nossas comunidades estão em grau de sê-lo (acolhedoras), aceitando e valorizando a sua orientação sexual, sem comprometer a doutrina católica sobre a família e o matrimônio?”)

A palavra chave no italiano é “valutando” que foi traduzida ao inglês como valuing” (valorizando). Esta palavra deveria ter sido traduzida como “avaliando” ou “considerando” ou “sobrepesando”, como sim estava em espanhol.

Com a tradução que se fez ao inglês, em contraste, sugere-se uma valorização da orientação sexual, o que gerou uma confusão entre aqueles que são fiéis aos ensinamentos da Igreja.

Embora tivesse a indicação de que a tradução não era oficial, foi a tradução que a Sala de Imprensa da Santa Sé difundiu para ajudar os jornalistas que não conhecem bem o italiano.

O documento foi divulgado inicialmente em italiano, pouco antes da leitura feita pelo Cardeal Peter Erdo, Relator Geral do Sínodo, diante da assembleia. Depois de cerca de meia hora, o texto estava disponível em espanhol, francês, inglês e alemão, e foi enviado através de um boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé.

Esta diferença de tempo sugere que a tradução se fez nas instâncias finais.

Segundo uma Fonte do Vaticano, o Cardeal Erdo deveria entregar o documento à Secretaria Geral do Sínodo no sábado, e este foi polido até o último momento e devolvido ao Cardeal já tarde no domingo.

Que o texto não é plenamente do Cardeal Erdo poderia dever-se ao feito de que “o texto da discussão posterior à relação é muito mais curto que o da pré-discussão”, como disse o Arcebispo de Glasgow, Dom Philip Tartaglia, ao Grupo ACI em 15 de outubro.

A passagem sobre o atendimento pastoral aos homossexuais foi criticada logo no debate que seguiu a leitura da Relatio na segunda-feira.

O documento gerou em algumas pessoas a impressão de que a Igreja tinha mudado a sua perspectiva em relação à homossexualidade.

O Cardeal Gerhard Mueller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, ressaltou em 13 de outubro que “o atendimento pastoral dos homossexuais foi sempre parte do ensinamento da Igreja e a Igreja nunca tirou os homossexuais dos seus programas pastorais”.

Um importante documento deste dicastério de 1986 sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais, com a assinatura do então Cardeal Ratzinger e aprovado por São João Paulo II, assinala que “é de se deplorar firmemente que as pessoas homossexuais tenham sido e sejam ainda hoje objeto de expressões malévolas e de ações violentas. Semelhantes comportamentos merecem a condenação dos pastores da Igreja, onde quer que aconteçam”.

O texto indica também que “um programa pastoral autêntico ajudará as pessoas homossexuais em todos os níveis da sua vida espiritual, mediante os sacramentos e, particularmente, a frequente e sincera confissão sacramental, como também através da oração, do testemunho, do aconselhamento e da atenção individual. Desta forma, a comunidade cristã na sua totalidade pode chegar a reconhecer sua vocação de assistir estes seus irmãos e irmãs, evitando-lhes tanto a desilusão como o isolamento”.

“Desta abordagem diversificada podem advir muitas vantagens, entre as quais não menos importante é a constatação de que uma pessoa homossexual, como, de resto, qualquer ser humano, tem uma profunda exigência de ser ajudada contemporaneamente em vários níveis”.

O documento afirma também que “a pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, não pode definir-se cabalmente por uma simples e redutiva referência à sua orientação sexual. Toda e qualquer pessoa que vive sobre a face da terra conhece problemas e dificuldades pessoais, mas possui também oportunidades de crescimento, recursos, talentos e dons próprios”.

“A Igreja oferece ao atendimento da pessoa humana aquele contexto de que hoje se sente a exigência extrema, e o faz exatamente quando se recusa a considerar a pessoa meramente como um ‘heterossexual’ ou um ‘homossexual’, sublinhando que todos têm uma mesma identidade fundamental: ser criatura e, pela graça, filho de Deus, herdeiro da vida eterna”, adiciona.