O Papa Francisco concedeu nesta quinta-feira uma coletiva de imprensa durante o voo que o levou a Roma, logo depois de realizar uma visita a Genebra (Suíça), no marco do 70° aniversário do Conselho Ecumênico das Igrejas (WCC). Durante a conversa com a imprensa, o Pontífice respondeu perguntas sobre o ecumenismo, o problema migratório na Europa e Estados Unidos, assim como sobre a proposta dos bispos alemães para dar a Comunhão aos protestantes casados com católicos.

A seguir o texto completo: 

Papa Francisco:

Obrigado pelo seu trabalho, foi uma jornada um pouco pesada, ao menos para mim. Mas estou contente pelas diversas coisas que fizemos, tanto a oração ao início, em seguida o diálogo durante o almoço... esteve tudo muito bonito. Depois o encontro acadêmico, a Missa. São coisas que me deixaram feliz. Cansam, mas são coisas boas. Obrigado.

Greg Burke:

Bem. Começamos com os suíços. Arnaud Bedat da revista L’Illustré

Bedat: Santo Padre, esteve em Genebra, mas também na Suíça, que imagens, que momentos fortes lhe marcaram durante esta jornada?

Papa Francisco: Acredito que há uma palavra comum: encontro. Foi uma jornada de encontros, variedade, e a palavra precisa da jornada é “encontro”. Quando uma pessoa encontra outra e sente prazer pelo encontro, isto toca o coração, sempre são encontros positivos, também belos, começando com o diálogo com o presidente ao início, que não foi um diálogo de cortesia, normal, mas sim um diálogo profundo, sobre temas mundiais profundos e com uma inteligência que fiquei surpreso. Depois, houve o encontro que todos viram e aquele que ninguém viu e me refiro ao encontro durante o almoço que foi muito profundo no seu modo de tocar tantos temas. Possivelmente, o tema no qual permanecemos mais tempo foi o dos jovens, porque todas as confissões estão preocupadas, no bom sentido, com os jovens, e o pré-sínodo que se realizou em Roma em 19 de março, chamou bastante a atenção porque eram jovens de todas as confissões e inclusive agnósticos de todos os países. Pensem nisto: 315 jovens ali e outros milhares conectados que entravam online, entravam e saíam. Isto possivelmente marcou um interesse especial. Mas a palavra que me dá a totalidade da viagem é “encontro”, foi uma viagem de “encontro”…

Nenhuma descortesia, nada puramente formal. Encontro humano. Católicos, protestantes, todos.

Jornalista: Santo Padre, o senhor fala frequente de passos concretos para fazer o ecumenismo. Hoje, por exemplo, referiu-se novamente a isto dizendo: vejamos o que é possível fazer de concreto mais do que desalentar as iniciativas. Pois bem, os bispos alemães ultimamente decidiram dar um passo, então nos perguntamos se o Arcebispo Ladaria não teria escrito uma carta que agora soa mais como um freio de emergência, depois do encontro de 3 de maio, que foi em Roma, ocasião em que os bispos alemães deveriam ter encontrado uma solução possivelmente unânime. Quais serão os próximos passos, será necessário uma intervenção de parte do Vaticano para esclarecer, ou os bispos alemães deverão chegar a um acordo?

Isto não é uma novidade, porque no Código de Direito Canônico está previsto aquilo que os bispos alemães falavam: a comunhão em casos especiais. E eles olhavam o problema dos matrimônios mistos, se (a comunhão ao cônjuge não católico) era possível ou não. O Código diz que o bispo da Igreja particular, essa palavra importante, particular, quer dizer de uma diocese, deve conduzir este assunto com as próprias mãos. Isto está no Código. Os bispos alemães, por terem visto que isto não era claro e que alguns sacerdotes faziam coisas em desacordo com o bispo, quiseram estudar este tema e fizeram este estudo que, eu não quero exagerar, mas foi um estudo de mais de um ano, bem feito, bastante bem feito. E o estudo era restritivo. Aquilo que os bispos queriam era esclarecer o que está no Código, e também eu que li o estudo o digo, mas este é um documento restritivo. Nunca se tratou de abrir a todos. Não... Foi algo bem pensado, feito com espírito eclesiástico. E quiseram fazê-lo para a Igreja local, não a particular, não o quiseram. E a coisa termina na Conferência Alemã. Aí há um problema porque o Código não prevê isso. Prevê que o bispo da diocese decida, mas não que a conferência decida, porque uma coisa aprovada em uma conferência episcopal, depois se converte em universal. E esta foi a dificuldade na discussão, nem tanto o conteúdo, mas este aspecto específico, e assim enviaram o documento. Depois houve dois ou três encontros de diálogo, de esclarecimento e o Arcebispo Ladaria enviou essa carta com minha permissão. Não o fez por sua conta. Eu disse: sim, é melhor dar um passo adiante e dizer que o documento ainda não está maduro, isso era o que dizia a carta, e que devia estudar mais a questão. Depois houve outra reunião e ao final estudarão mais o tema. Acredito que isto resultará em um documento orientador para que cada bispo diocesano possa administrar o que o Direito Canônico permite. Não foi nenhum freio. Tratou-se de reger a coisa para que andasse por bom caminho.

Quando visitei a igreja luterana de Roma, foi feita uma pergunta deste tipo e respondi de acordo com o espírito do Código de Direito Canônico. E é o espírito que procuram agora. Talvez não foi uma informação precisa, em um momento adequado e houve um pouco de confusão, mas este é o tema: a Igreja particular, o Código o permite; a Igreja local, não pode ser a universal. A Conferência pode estudar e dar as orientações para ajudar os bispos a atuar nos casos particulares. Obrigado.

Eva Fernández (COPE): Vimos que também o secretário geral do Conselho Ecumênico das Igrejas falou sobre a ajuda aos refugiados. Recentemente, vimos os incidentes do barco Aquarius e outros casos como a separação das famílias nos Estados Unidos. O senhor acredita que alguns governos instrumentalizam o drama dos refugiados para fazer fotografias e coisas assim?

Papa Francisco: Falei muito sobre os refugiados. Os critérios são os que ofereci: acolher, acompanhar, educar, integrar. São critérios para todos os refugiados. Depois, eu disse que todos os países devem fazer isto com a virtude própria do governo que é a da prudência, porque um país deve acolher todos os refugiados que possa e integrá-los: educar, integrar, dar-lhes trabalho. Isto no plano tranquilo e sereno dos refugiados. Aqui, estamos vivendo uma onda de refugiados que fogem das guerras e da fome. Guerras e fome em muitos países da África. Guerra e perseguição no Oriente Médio. Itália e Grécia foram muito generosos em acolher. Para o Oriente Médio, Turquia, em relação à Síria, recebeu muitos. O Líbano, muitos sírios e libaneses; e depois a Jordânia e outros países como a Espanha também receberam.

E existe o problema do tráfico de imigrantes e é um problema quando, em alguns casos, eles voltam, porque devem voltar. Não conheço bem os termos do acordo, mas dependendo de onde estejam nas águas… devem voltar. E vi as fotografias dos cárceres e como os traficantes separam rapidamente homens e mulheres. As mulheres e crianças vão (à parte). Isto é o que fazem os traficantes. Há um caso que conheço em que os traficantes se aproximaram de um navio que os acolheu e lhes passaram as mulheres e crianças, e levaram embora os homens. Os cárceres dos traficantes, onde ficam os que retornaram, são terríveis, são como os lagers da Segunda Guerra Mundial (onde) se viam estas coisas: mutilações, tortura de um braço… e depois jogam os homens em fossas comuns.

Por isso, os governos se preocupam de que (os imigrantes) não voltem nem caiam nas mãos desta gente. É uma preocupação mundial. Sei que os governos falam disto e querem fazer um acordo, modificar o acordo do Dublin sobre tudo isto.

Na Espanha, tiveram o caso deste navio que chegou a Valência. Mas tudo isso é uma desordem. O problema das guerras é difícil de resolver, o problema da perseguição de cristãos, também no Oriente Médio, também na Nigéria, o problema da fome se pode resolver. Muitos governos europeus estão pensando em um plano de urgência para investir naquele país, investir inteligentemente para dar trabalho e educação, estas duas coisas, nos países de onde vêm estas pessoas. Porque, há uma coisa que, sem querer ofender, mas é a verdade: no inconsciente coletivo há uma ideia ruim. “África é para ser explorada. São africanos, sempre serão, terra de escravos”. E isto deve mudar com este plano de investimento, de educação, de fazer crescer, porque o povo africano tem muitas riquezas culturais, muitas. E têm uma grande inteligência. Os pequenos são inteligentes e com uma boa educação podem chegar longe. Este será o caminho em médio prazo, mas no momento os governos devem se colocar de acordo para ir adiante com esta emergência. Isto aqui na Europa.

Vamos à América. Na América Latina há um problema migratório grande e há um problema migratório interno grande. Em minha pátria, há um grande problema migratório de norte a sul. Muita gente deixa o campo porque não há trabalho e vão às grandes cidades e surgem estas megalópoles, todas estas coisas.

Também há migrações externas a países que dão trabalho. Falando concretamente sobre os Estados Unidos, eu afirmo o que dizem os bispos do país. Eu estou com eles.

Debora Castellano Lubov: Obrigada Santidade. Em seu discurso de hoje no Encontro Ecumênico, o senhor fez uma referência à enorme força do Evangelho. Sabemos que algumas das igrejas, do World Council of Churches, são as chamadas igrejas da paz, que acreditam que um cristão não pode usar a violência. Recordamos que há dois anos no Vaticano se realizou uma conferência sobre o tema. O senhor acredita que a Igreja Católica deve se unir a estas chamadas igrejas da paz e ficar a parte da teoria da guerra justa?   

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Papa: Uma pergunta, por que você diz que há igrejas da paz?

Debora Castellano Lubov: São consideradas igrejas da paz porque têm este pensamento de que uma pessoa que use a violência não pode ser considerada cristã.

Papa: Você pôs o dedo na ferida. Acredito que hoje no almoço um pastor disse que talvez o primeiro direito humano é o direito à esperança, e eu gostei. Isto entra na conversa. Nós falamos sobre a crise dos direitos humanos hoje. Devo começar com isto para passar à sua pergunta.

A crise dos direitos humanos se vê claramente. Fala-se um pouco de direitos humanos, mas muitos grupos ou alguns países, tomam distância. Sim, direitos humanos, mas não há força nem o entusiasmo, a convicção, não digo de 70 anos atrás, mas nem sequer a de 20 anos atrás. E isto é grave porque devemos ver as causas, mas quais são as causas pelas quais chegamos a esta situação?  Hoje os direitos humanos são relativos. Também o direito à paz é relativo. É uma crise de direitos humanos.

Acredito que devemos refletir com profundidade sobre isto, certamente. Depois, igrejas da paz: acredito que todas as igrejas que têm este espírito de paz devem se reunir e trabalhar juntas como dissemos no discurso hoje. Tanto eu como outros que discursaram, no almoço também falamos da unidade para a paz, é uma exigência porque se houver o risco de uma guerra que nós…Alguém disse isto: esta terceira guerra mundial se ocorrer, não sabemos com que armas será lutada, mas se houvesse uma quarta, será entre fortificações porque a humanidade já estaria destruída.

O compromisso pela paz é sério, mas quando se pensa no dinheiro que se gasta em armamentos… Por isso as religiões de paz que… O mandato de Deus, a paz, a irmandade, a humanidade unida.

Nem todos os conflitos se resolvem como Caim, mas com a negociação, com o diálogo, com a mediação. Estamos em crise de mediação. A mediação é uma figura jurídica muito rica que hoje está em crise. Crise de esperança, crise de direitos humanos, crise de mediação, crise de paz.

Se você disser que há religiões de paz, pergunto-me: há religiões de guerra? É difícil entender isto. É difícil, mas certamente há alguns grupos em quase todas as religiões, grupos pequenos, um pouco – simplesmente direi – fundamentalistas, que procuram a guerra. Também nós católicos temos alguns. Procuram sempre a destruição. Isto é muito importante ter diante dos olhos. Não sei se cheguei a respondê-la.

Hoje foi uma jornada ecumênica. E no almoço dissemos uma bela palavra, uma coisa bela e eu acentuo para vocês para que façam uma consideração. No movimento ecumênico devemos tirar do dicionário uma palavra: o proselitismo. Está claro? Não pode haver ecumenismo com proselitismo. Deve-se escolher. Ou tem-se espírito ecumênico ou é proselitista.  

Bom apetite, bom jantar e rezem por mim, obrigado.

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