Em janeiro estreará nos Estados Unidos o filme “Silence” (Silêncio), que deverá estrear no Brasil em 2 de fevereiro. O filme trata sobre dois sacerdotes jesuítas que enfrentam uma perseguição violenta quando viajam ao Japão no século XVII em busca do seu mentor desaparecido, sobre quem há rumores de que renunciou à sua fé sob tortura.

“Silêncio” foi dirigido por Martin Scorsese e é protagonizado por Andrew Garfield, Adam Driver, Tadanobu Asano, Ciarán Hinds e Liam Neeson, que rodaram o filme em Taiwan entre janeiro e maio de 2015.

Dom Robert Barron, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Los Angeles, faz a seguinte crítica sobre o filme:

Há muito tempo sou fanático pelos filmes de Martin Scorsese. Taxi Driver, Raging Bull, Goodfellas, O Aviador, Gangs de New York, The Last Waltz, Cassino, são alguns dos filmes mais importantes dos últimos quarenta anos. O drama sobre crime, The Departed (2007), foi o tema principal de um dos primeiros comentários que fiz no YouTube.

O catolicismo de Scorsese, embora mitigado e em conflito, inspira a maior parte da sua obra. Seu filme mais recente, o tão esperado “Silêncio”, baseado no livro homônima de Shusaku Endo, é uma adição digna a sua filmografia. Assim como muitos filmes, está marcado por uma magnífica cinematografia, excelentes atuações tanto de atores principais como de outros atores, uma narrativa apaixonante e suficiente complexidade temática para nos manter pensando no futuro previsível.

A história acontece na metade do século XVII no Japão, onde há uma perseguição feroz contra a fé católica. A este país perigoso chegam dois jovens sacerdotes jesuítas (interpretados por Adam Driver e Andrew Garfield), descendentes espirituais de São Francisco Xavier que são enviados para encontrar o Pe. Ferreira, seu mentor e professor do seminário que, conforme os rumores, havia apostatado sob tortura e, na verdade, havia passado para o outro lado.

(Advertência de spoiler)

Imediatamente ao chegar em terra, são recebidos por um pequeno grupo de cristãos japoneses que tinham mantido a sua fé clandestinamente durante muitos anos. Devido ao perigo extremo, os jovens sacerdotes se veem obrigados a se esconder durante o dia, mas podem participar do ministério clandestino à noite: batizando, catequizando, confessando, celebrando a Missa. Entretanto, em pouco tempo, as autoridades percebem a presença deles e começam a suspeitar dos cristãos locais, aos quais rodearam e torturaram com a esperança de descobrir os sacerdotes.

A cena mais memorável do filme, pelo menos para mim, foi a crucificação no mar de quatro corajosos crentes leigos, que foram amarrados em cruzes na margem, sendo atingidos pela maré até se afogar durantes vários dias.

Posteriormente, seus corpos são colocados em piras de palha e queimados até se tornar cinzas, aparecendo para todo mundo como holocaustos oferecidos ao Senhor. Com o passar do tempo, os sacerdotes são capturados e submetidos a uma forma única e terrível de tortura psicológica.

O filme se centra nas lutas do Pe. Rodrigues. Como cristãos japoneses, homens e mulheres que tinham arriscado suas vidas para protegê-lo, são torturados em sua presença e convidados a renunciar a sua fé para pôr fim à tortura. Somente pisando em uma imagem cristã, realizando um simples sinal externo ou uma formalidade vazia, libertaria os seus colegas da dor, mas como bom guerreiro, nega-se.

Até mesmo quando um cristão japonês é decapitado, não se rende. Finalmente, esta é a cena mais devastadora no filme, é levado diante do Pe. Ferreira, o mentor que estava procurando desde a sua chegada ao Japão.

Todos os rumores eram verdadeiros: este antigo professor da vida cristã, este herói jesuíta, renunciou à sua fé, casou-se com uma esposa japonesa e vivia como um filósofo sob a proteção do Estado.

Utilizando uma variedade de argumentos, o sacerdote em desgraça tenta convencer seu ex-aluno a abandonar a missão de evangelizar no Japão, país que denominou como um “pântano” onde a semente do cristianismo nunca pode enraizar.

No dia seguinte, diante da presença de cristãos terrivelmente torturados, pendurados de cabeça para baixo dentro de um poço cheio de excrementos, é lhe dada novamente a oportunidade de pisar em uma representação do rosto de Cristo.

No apogeu de sua angústia, resistindo do fundo do seu coração, Rodrigues ouve o que acredita ser a voz do próprio Jesus e, finalmente, rompe o silêncio divino dizendo-lhe que pisoteie a imagem. Quando o faz, um galo canta ao longe.

Como resultado de sua apostasia, segue os rastros de Ferreira e se torna um pupilo do Estado, um filósofo bem alimentado e bem provido, aos quais regularmente são chamados a pisar uma imagem cristã e renunciar formalmente a sua fé. Depois, adota um nome japonês, uma esposa japonesa e vive por muitos anos no Japão até o dia de sua morte, aos 64 anos, recebendo um enterro em uma cerimônia budista.

O que devemos fazer ante esta história estranha e inquietante? Como qualquer grande filme ou livro, “Silêncio” obviamente resiste a uma interpretação unívoca ou unilateral. De fato, quase todos os comentários que li, especialmente de pessoas religiosas, enfatizam como “Silêncio” traz maravilhosamente a natureza complexa e ambígua da fé.

Reconhecendo plenamente a profunda verdade psicológica e espiritual dessa afirmação, pergunto-me se poderia acrescentar uma voz um tanto dissidente ao diálogo. Gostaria de propor uma comparação, totalmente justificada pelos instintos de um soldado chamado Inácio de Loyola, que fundou a ordem jesuíta à qual pertenciam todos os missionários de “Silêncio”.

Suponhamos que uma pequena equipe de operações especiais americana altamente treinada é colocada por trás das linhas inimigas para uma missão perigosa.

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Suponhamos, além disso, que foram ajudados por civis leais no território, os quais, por fim, são capturados e demonstram estar dispostos a morrer em vez de trair a missão.

Suponhamos, finalmente, que as próprias tropas são detidas e, sob tortura, renunciam a sua lealdade aos Estados Unidos, unem-se a seus oponentes e vivem uma vida cômoda sob os auspícios de seus antigos inimigos. Estaria alguém ansioso por celebrar as complexas camadas e a rica ambiguidade de seu patriotismo? Não os veríamos diretamente como covardes e traidores?

Minha preocupação é que toda a tensão na complexidade, multivalência e ambiguidade está a serviço da elite cultural de hoje, que não é tão diferente da elite cultural japonesa representada no filme.

O que quero dizer é que o establishment secular sempre prefere os cristãos vacilantes, inseguros, divididos e ansiosos por privatizar sua religião. E está muito disposto a desprezar as pessoas apaixonadamente religiosas, taxando-as de perigosas, violentas e, sejamos realistas, não tão brilhantes.

Revise o discurso de Ferreira a Rodrigues sobre o suposto cristianismo simplista do laicato japonês se duvida de mim neste ponto. Pergunto-me se Shusaku Endo (e possivelmente Scorsese) estava nos convidando a afastar o olhar dos sacerdotes e redirecioná-lo a esse maravilhoso grupo de piedosos, dedicados e pacifistas leigos que mantiveram viva a fé cristã sob as condições mais inóspitas imagináveis e que, no momento decisivo, presenciaram Cristo com suas vidas. Enquanto os especialmente treinados Ferreira e Rodrigues se converteram em leigos pagos de um governo tirânico, simples pessoas que seguiam sendo um espinho no lado da tirania.

Sei, sei. Scorsese mostra o cadáver de Rodrigues dentro de seu ataúde sustentado um pequeno crucifixo, o que prova, suponho, que o sacerdote permaneceu em certo sentido cristão.

Mas, outra vez, essa é justamente a classe de cristianismo que a cultura reinante gosta: totalmente privatizado, escondido, inofensivo. Desse modo, talvez um meio brinde para Rodrigues, mas três brindes com os copos cheios pelos mártires crucificados na praia.

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