Falando com os membros do Dicastério para a Comunicação, em 23 de setembro, o Papa Francisco se referiu a ele como exemplo de testemunho; mas Sigitas Tamkevicius, um jesuíta de 80 anos e Arcebispo de Kaunas (Lituânia), esperava tudo, menos ser criado cardeal. Sua presença sempre havia sido discreta, especialmente durante a visita do Papa Francisco às prisões da KGB, durante sua viagem à capital da Lituânia, Vilnius, onde Dom Tamkevicius esteve preso quando jovem, por causa de seu trabalho de denúncia do sistema soviético.

Segundo explicou a ACI Stampa – agência em italiano do Grupo ACI –, para Dom Tamkevicius, a notícia de sua criação como cardeal, em 5 de outubro, foi "inesperada".

“Acho que este gesto do Papa Francisco é muito importante tanto para mim como para toda a Igreja, especialmente a Igreja na Lituânia. É um reconhecimento não apenas da minha experiência de vida, da cruz que carreguei durante um tempo, mas da cruz que uma nação inteira suportou durante a opressão de milhares de pessoas que lutaram pela liberdade de sua fé”, destacou.

Dom Tamkevicius também recordou a visita do Papa Francisco ao Museu da Ocupação e da Luta pela Liberdade durante sua viagem à Lituânia.

“Minha participação nessa visita foi principalmente como um testemunho silencioso. Era o Arcebispo Gintaras Grausas, de Vilnius, quem explicava ao Papa Francisco as condições das prisões, o sistema da KGB”.

Segundo afirmou, durante a visita pôde ver como “o Papa Francisco viveu essa experiência profundamente. Vi como se recolheu em oração, especialmente na sala das execuções, mas também onde outros bispos foram detidos, como o Beato Bispo Teofilo Matulionis, o Arcebispo Macislovas Reimis, o Arcebispo Franziskas Maranauskas, o Arcebispo Vincentas Boriciavinus, que foi condenado à morte. Voltei muitas vezes a essa prisão, estava acostumado. Mas quem vê essa prisão pela primeira vez, fica realmente impressionado. Esse foi o caso do Papa Francisco”.

Ali, naquela prisão, na sala de execuções, ocorria a condenação à morte de muitos que eram retirados durante a noite, sem que soubessem qual seria seu final.

“Passei oito meses nessa prisão, enquanto meu caso estava sendo investigado. Depois, de acordo com o sistema soviético, houve um processo e a Suprema Corte me condenou a 10 anos de prisão e trabalhos forçados na Sibéria. Mas nunca considerei ser condenado à morte porque, após a morte de Stalin, aqueles que lutaram pela liberdade e pela liberdade de consciência não eram condenados à morte. Eu estava esperando a sentença de 10 anos, porque era uma média entre 5 e 15 anos de prisão que geralmente davam pelo meu tipo de crime. Minha previsão finalmente foi correta”; explicou.

Dom Tamkevicius foi condenado pela publicação das Crônicas da Igreja na Lituânia.

O futuro cardeal destacou que, quando terminou o seminário em Kaunas, em 1962, “já se percebia totalmente o sofisticado sistema de perseguição do regime soviético. Por exemplo, os sacerdotes eram proibidos de catequisar crianças, o seminário só podia aceitar cinco candidatos em toda a Lituânia, havia grandes limitações”.

“Assim, reunimos um grupo de jovens sacerdotes muito corajosos e ativos e pensamos o que poderíamos fazer. Concluímos que o mundo tinha que ser informado sobre o que estava acontecendo sob o governo soviético, porque, em teoria, os soviéticos proclamavam que havia liberdade de consciência e fé. Somente assim o mundo poderia conhecer e mudar sua atitude. E alguém tinha que fazê-lo”, enfatizou.

Nesse grupo de sacerdotes, ele era o mais jovem e não tinha nenhum antecedente na prisão, então, decidiu “criar esta publicação das Crônicas da Igreja na Lituânia, a fim de descrever todos os casos concretos de perseguição dos direitos dos fiéis e enviar essas informações para o Ocidente. Chegamos a consegui-lo quase 100%, atingindo a hipocrisia soviética de modo muito forte. Por isso, fui condenado por ter ‘tentado danificar o sistema soviético e debilitar o regime governamental’”.

Segundo explicou, foram impressas 14 cópias das Crônicas e 2 delas foram enviadas “imediatamente a Moscou onde havia jornalistas estrangeiros acreditados e dissidentes franceses. De lá, havia vários modos de enviar o material aos jornalistas ocidentais. Traduzia-se ao inglês e se distribuía para as embaixadas estrangeiras, aos bispos de cada continente e aos meios de comunicação. A informação era distribuída pela Rádio Vaticana, eram enviadas por microfilme”.

No entanto, Dom Tamkevicius não foi condenado apenas por esta publicação, mas também por ter começado, em 1978, o Sindicato de Católicos em defesa dos direitos dos fiéis, onde preparavam documentos oficiais que assinavam com seus nomes.

“Era o mais perigoso para o sistema soviético, porque toda a informação era verdadeira. Os documentos falavam da perseguição de crianças em idade escolar, dos castigos contra sacerdotes que não seguiam as restrições soviéticas e, em geral, todas as restrições que atingiam aqueles que não aderiam ao sistema soviético”, afirmou.

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