O sacerdote cubano Fernando Luis Gálvez, da arquidiocese de Camagüey, compartilhou seu testemunho sobre a situação de Cuba e sobre como a Igreja Católica desempenha um papel de acompanhamento ao povo que pede liberdade.

O padre Fernando Luis Gálvez, 33 anos, é pároco da igreja de São José de Lugareño, localizada em Camagüey, a 500 quilômetros ao leste de Havana, capital do país.

O presbítero conversou com a ACI Prensa na quinta-feira, 22 de julho, durante sua estadia em Miami, nos Estados Unidos, onde permanecerá alguns dias para celebrar seu quinto aniversário de ordenação sacerdotal.

“Falarei da parte da Igreja que conheço, a que me toca de perto neste esforço por acompanhar o povo em suas legítimas reivindicações. Somos sobretudo acolhedores, onde podem falar sem medo, sonhar o futuro, pensar e projetar a Cuba que desejam. Comprometemo-nos com todos nestes trabalhos e tentamos guiá-los desde critérios evangélicos, para que a Cuba que renasça seja segundo Deus. Uma Cuba que promova a plenitude do ser humano que Cristo nos revelou”, disse o padre Gálvez.

Os protestos históricos

O sacerdote afirmou que o clero em Camagüey tenta ser “pai” para seus paroquianos, em meio às manifestações, as maiores em 62 anos de comunismo, que começaram no passado 11 de julho nas principais cidades e diversas localidades.

“Com uma Igreja assim, o futuro pode andar no caminho de Deus, caso contrário o futuro será muito provavelmente alheio ao Evangelho. Se não acompanhássemos este renascimento, estaríamos endividando o futuro da Igreja e, portanto, a salvação das futuras gerações”, enfatizou o padre Gálvez.

Nos protestos, os cubanos estão exigindo liberdade, bem como mudanças e soluções para a escassez de alimentos e remédios. O país vive uma situação crítica, agravada pela pandemia da covid-19.

“Cuba é um país em colapso. Os dados oficiais, infelizmente e para semear mais dúvidas, não são confiáveis. Quando vemos televisão nacional, parece que há um país paralelo. Quando alguém mente sobre muitas coisas, já nada do que diz é crível. É uma situação deplorável”, diz o padre Gálvez.

Segundo ele, “não há nada que possamos dizer que esteja bem. Não há alimentos, nem medicamentos, nem serviços médicos eficientes, nem transporte, nem bom funcionamento das instituições. Nada funciona e quase nada do que se precisa e se procura, se encontra. Eu experimento isso nos meus povos pastorais e é praticamente igual em toda a nação”.

Os protestos iniciados na semana passada tiveram uma violenta resposta da parte do presidente Miguel Díaz-Canel, que ordenou a sua repressão com as forças da ordem, bem como com grupos infiltrados e disfarçados de civis, chamados de “revolucionários”.

Apesar de Diaz-Canel, na quarta-feira, 14 de julho, ter negado a repressão, as redes sociais divulgaram vídeos em que agentes espancam e prendem manifestantes.

“Assusta-me a imagem desses grupos de civis mandados e amparados pelo governo comunista, armados com paus e pedras. É uma imagem assustadora, totalmente reprovável. Assusta-me tanta manipulação, tanta intolerância à livre expressão, tanto ódio”, disse o padre Gálvez.

Na quarta-feira, dia 21, foi convocado um novo protesto, desta vez com a participação das mães, esposas e filhas dos manifestantes detidos. Voltaram a registar-se atos de repressão e detenções arbitrárias.

O padre Gálvez disse estar vendo uma Cuba “pujante, com desejos de mudança, esperançosa, lutadora”, apesar da “dor e decepção do passado e do presente”.

“Os últimos acontecimentos e a resposta do governo despertaram muitos que ainda não tinham as coisas claras, que duvidavam, que talvez ainda acreditassem nas coisas boas que só se proclamavam em palavras. A resposta violenta do governo tem sido a prova mais clara da sua identidade. E a sensação que o povo vive, agora em silêncio obrigado, é a de um ´basta!´. E este é o começo de um caminho que mais cedo ou mais tarde trará a mudança”, continuou.

Para o padre Gálvez, o 11 de julho representa um dia “icônico”. Ele acredita que quando “houver a mudança, que certamente acontecerá, o 11 de julho se arvorará como estandarte”.

O sacerdote de Camagüey contou à ACI Prensa que em suas “vilas pastorais não houve manifestações, mas em alguns lugares da diocese sim, e conheço e estimo muito alguns dos detidos”.

“É precisamente por este conhecimento pessoal que estou absolutamente convencido da qualidade humana de muitos dos manifestantes. São pessoas justas, que amam muito Cuba. Há muitos deles que o seu amor a Deus levou a um compromisso com aquele que sofre, com a justiça, com a verdade”, afirmou o padre Gálvez.

Além disso, disse que “ainda há pessoas desaparecidas”. “Continuamos orando por eles, buscando, reclamando. Há outros já em suas casas esperando um julgamento com acusações criadas injustamente. Esta situação é triste e de muita incerteza”, afirmou.

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O padre Gálvez comentou à ACI Prensa que é muito amigo do padre Castor Álvarez Devesa, sacerdote que foi agredido, detido durante as manifestações e posteriormente libertado.

“Foram 24 horas de muita angústia. Eu queria saber: o que havia acontecido com ele? Para onde o levaram? O que lhe estariam fazendo? Quais seriam as consequências? Temíamos por ele, que já havia sido agredido na manifestação”, disse.

“Segundo nos contaram, ele não foi fisicamente maltratado dentro da delegacia. Embora sua prisão já fosse, em si mesma, uma arbitrariedade. O padre Castor estava cumprindo com fidelidade a sua missão sacerdotal: cuidar dos seus filhos”, afirmou.

O padre Gálvez disse à ACI Prensa que “o governo censura tudo, inclusive a Igreja”.

“Não posso falar mais sobre isso agora, porque é muito doloroso. Tenho marcas em mim e ainda não consigo descobrir as consequências futuras para minha vida e ministério. Peço-lhes que rezem pela liberdade da Igreja em Cuba. Que possamos ser fiéis à nossa consciência cristã”, continuou o sacerdote cubano.

O padre Gálvez acredita que o “clero poderia comprometer-se mais na solução do verdadeiro problema. A raiz do problema”.

“É mais fácil dar medicamentos, alimentos, etc. A gente encontra menos inconvenientes. Mas tudo isso acaba. Já não tenho nada pra dar. Só resta a minha voz. Isso eu posso dar. E a usarei para pedir justiça”, disse à ACI Prensa.

Também disse que essa reivindicação de justiça se relaciona com o direito ao trabalho digno e, portanto, a uma vida melhor. “Para que eles, por si mesmos, possam comprar seus alimentos e adquirir seus medicamentos, perante qualquer necessidade que possam ter. Em Cuba, neste momento, todos temos necessidades básicas. Então não basta com este serviço material caritativo. É preciso ir à raiz do problema. Quais são as causas desta precariedade? Sobre isso deveríamos refletir e enfrentar as consequências, para o bem de todos”, afirmou.

O padre Gálvez deixou claro que a “unidade da Igreja cubana é em Jesus Cristo” e que “a fé e a moral nos unem”.

“O resto é discutível. Isso é diversidade, não divisão. Deus fala a cada um de nós e sugere-nos campos de ação segundo as necessidades do povo que nos é confiado. Isso é o que deveríamos discernir neste momento dramático”, enfatizou.

Finalmente, o sacerdote cubano disse que sempre se lembra da Cruz de Cristo para superar as horas escuras.

“A cruz. Sempre convido à contemplação da Cruz, que não é resignação. A cruz, desde aquela Sexta-feira Santa, é o maior paradoxo da história. Ali, contemplando-a, poderíamos encontrar caminhos e enfrentá-los com forças sobrenaturais”, concluiu.

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