O Papa Francisco quer ir ao Iraque e não abandonou o projeto. No diálogo com os jornalistas no voo de regresso de Istambul a Roma, falou sobre a sua ideia de reunir-se com o Patriarca ortodoxo de Moscou e contou o que ocorreu ontem na Mesquita Azul. À continuação, as respostas do Santo Padre às perguntas da imprensa durante a viagem de regresso:

Islamofobia

“É certo que diante destes atos terroristas, não só nesta região, mas também na África, há uma reação: ‘Se isto for o Islã, eu me embraveço!’. E assim, muitos muçulmanos se sentem ofendidos. Dizem: ‘Mas nós não somos isso; O Corão é um livro profético da paz; isso não é islamismo’. Eu entendo. E acredito sinceramente que não se pode dizer que todos os muçulmanos são terroristas, como não se pode dizer que todos os cristãos são fundamentalistas (também nós temos fundamentalistas, em todas as religiões existem estes grupinhos).

Eu disse ao presidente Erdogan que seria muito bom condená-los claramente; deveriam fazê-lo com os líderes acadêmicos, religiosos, intelectuais e políticos. Assim o escutariam da boca dos seus líderes. Precisamos de uma condenação mundial, por parte dos islâmicos, que diga: ‘Não, o Corão não é isto!’.

E depois, sempre temos que distinguir qual é a proposta de uma religião daquilo que é o uso concreto dessa proposta feito por um governo concreto: você pode conduzir o seu país não como muçulmano, judeu ou cristão. Muitas vezes se usa o nome, mas na realidade isto não corresponde à religião”.

Cristãofobia

“Não quero usar palavras um tanto adoçadas: nós, os cristãos, estamos sendo expulsos do Oriente Médio. Às vezes, como vimos no Iraque, na região de Mosul, os cristãos têm que ir embora ou pagar o imposto (que depois talvez nem sirva de nada). E, outras vezes são expulsos com luvas brancas”.

Diálogo inter-religioso

“Talvez tenha tido a conversa mais bela neste sentido com o Presidente de Assuntos Religiosos e com a sua equipe. Quando chegou o novo embaixador da Turquia para entregar as suas credenciais, vi um homem excepcional, um homem de profunda religiosidade. Eles disseram: ‘Agora parece que o diálogo inter-religioso chegou ao seu fim. Devemos dar um salto qualitativo. Devemos fazer o diálogo entre pessoas religiosas de diferentes pertenças’.

Isso é bonito: homens e mulheres que se encontram com outros homens e com outras mulheres para intercambiar experiências; não se fala de teologia, mas de experiência”.

A oração na mesquita

“Eu fui à Turquia como peregrino, não como turista. E fui justamente para a festa de hoje para ver o Patriarca Bartolomeu. Quando fui à mesquita não podia dizer: ‘Agora sou um turista!’. Vi aquela maravilha, o grande muftí que me explicava muito bem as coisas, com muita mansidão, citava-me o Corão, quando fala de Maria e de João Batista.

Nesse momento senti a necessidade de rezar. Perguntei-lhe: ‘Rezemos um pouco?’ E ele me respondeu: ‘Sim, sim’. Eu rezei pela Turquia, pelo mufti, por mim. Disse: Senhor, acabemos com estas guerras’. Foi um momento de oração sincera”.

Perspectivas ecumênicas

“No mês passado, por ocasião do Sínodo, veio como delegado o Metropolita Hilarion, e ele quis me falar não como delegado do Sínodo mas como presidente da Comissão do diálogo ortodoxo-católico. E falamos um pouco. Eu acho que com os ortodoxos estamos caminhando; eles têm sacramentos e sucessão apostólica… Estamos em caminho. Se tivermos que esperar que os teólogos entrem em acordo… Esse dia nunca chegará!

Sou cético: os teólogos trabalham bem, mas Atenágoras já tinha dito: ‘Coloquemos os teólogos em uma ilha para que discutam e nós continuemos adiante!’. A unidade é um caminho que se deve fazer, e se deve fazer juntos; é o ecumenismo espiritual, rezar juntos, trabalhar juntos.

E depois está o ecumenismo de sangue: quando estes matam os cristãos, o sangue se mistura. Nossos mártires estão gritando: ‘Somos um!’.

Quero ver o Patriarca de Moscou

“Notifiquei o Patriarca Kirill: ‘Onde você quiser, nos encontramos; se me chamar, eu vou’. Mas neste momento, com a guerra em Ucrânia, ele tem muitos problemas. Ambos queremos nos encontrar e seguir adiante. Hilarión propôs uma reunião de estudo da Comissão sobre o tema do primado. Temos que continuar com a petição de João Paulo II: ‘ajudem-me a encontrar uma fórmula de primado aceitável para as Igrejas ortodoxas’”.

A origem das divisões entre as Igrejas

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“O que sinto mais profundamente neste caminho para a unidade é a homilia que fiz ontem sobre o Espírito Santo: só o caminho do Espírito Santo é o correto; Ele é surpresa, Ele é criativo. O problema (e esta talvez seja uma autocrítica, mas eu o disse também nas Congregações gerais antes do Conclave) é que a Igreja não tem luz própria, deve olhar para Jesus Cristo.

As divisões existem porque a Igreja olhou demasiado para si mesma. Enquanto comíamos hoje, com o Bartolomeu, falamos do momento em que um cardeal foi levar a excomunhão do Papa ao Patriarca: a Igreja olhava muito para si mesma nesse momento. Quando olhamos para nós mesmos, nos tornamos auto-referenciais”.

O primado do Papa na Igreja

“Os ortodoxos aceitam o primado: nas ladainhas de hoje rezaram por seu pastor e primaz, ‘aquele que caminha primeiro’. Disseram hoje diante de mim. Para encontrar uma fórmula aceitável devemos ir ao primeiro milênio. Não digo que a Igreja se equivocou (no segundo milênio), não! Fez seu caminho histórico. Mas agora o caminho é seguir adiante com a petição de João Paulo II”.

Os "ultraconservadores" que veem com suspeita as aberturas

“Me pemito dizer que este não é problema nosso. Este é também um problema dos ortodoxos, de alguns monges e de alguns monastérios. Por exemplo, nos tempos do beato Paulo VI se discute sobre a data da Páscoa e não nos colocamos de acordo. Com este ritmo, nossos tataranetos vão celebrá-la em agosto.

O Beato Paulo VI tinha proposto uma data fixa, um domingo de abril. Bartolomeu foi valente: na Finlândia, aonde há uma pequena comunidade ortodoxa, disse que queria festejar o mesmo dia dos luteranos. Uma vez, enquanto eu estava em Via della Scorta e se estava fazendo os preparativos para a Páscoa, escutei um oriental que dizia: ‘Meu Cristo ressuscita dentro de um mês’. Meu Cristo, seu Cristo… Há problemas.

Mas devemos ser respeitosos e não nos cansarmos de dialogar, sem insultar, sem sujar-se, sem fofocar. Mas se as pessoas não querem dialogar… se necessita paciência, mansidão e diálogo”.

Quero ir ao Iraque

“Queria ir a um campo de prófugos (na Turquia), mas para isso necessitava um dia mais e não era possível por várias razões, não só pessoais. Então pedi estar um pouco com os meninos refugiados que albergam os salesianos. Aproveito para agradecer ao governo turco, que é generoso, é generoso com os refugiados.

Sabem o que significa pensar na saúde, na alimentação, em uma cama, uma casa para um milhão de refugiados? Eu quero ir ao Iraque. Falei com o patriarca Sako. No momento não é possível. Se fosse neste momento, criar-se-ia um problema para as autoridades, para a segurança”.

Não falou com o Erdogan sobre a UE

“Não, não falamos disto. É curioso; falamos de muitas coisas, mas disto não”.

A “Terceira Guerra Mundial” e as armas nucleares

“Estou convencido de que estamos vivendo uma Terceira Guerra Mundial em fragmentos, em capítulos, em toda parte. Detrás disto há inimizades, problemas políticos, problemas econômicos, para salvar este sistema no qual o deus dinheiro e não a pessoa humana é o centro. E detrás também há interesses comerciais: o tráfico de armas é terrível, é um dos negócios mais fortes nestes momentos.

Ano passado, em setembro, dizia-se que Síria tinha armas químicas: eu acredito que Síria não era capaz de produzir armas químicas. Quem as vendeu? Talvez alguns dos que depois a acusavam de possuí-las? Sobre este assunto das armas há muitos mistérios. Sobre a bomba atômica, a humanidade não aprendeu. Deus nos deu a Criação para que desta incultura fizéssemos cultura.

O homem a fez, e chegou à energia nuclear, que pode servir a muitas coisas boas, mas a utilizou para destruir a humanidade. Essa cultura se converte em uma segunda incultura: eu não quero falar do fim do mundo, mas é uma cultura que chamo “terminal”; depois há que começar de novo, como fizeram as cidades do Nagasaki e Hiroshima.

O genocídio dos armênios

“O governo turco fez um gesto; o primeiro-ministro Erdogan escreveu uma carta na data do genocídio, que alguns julgaram muito fraca. Mas foi um estender de mão, e isto sempre é positivo. Posso estender a mão muito ou pouco, mas isto sempre é positivo. Importa-me muito a fronteira turco-armênia: se fosse possível abrir essa fronteira seria algo lindo! Sei que há problemas geopolíticos que não facilitam as coisas, mas devemos rezar por esta reconciliação entre os povos. No próximo ano haverá muitos atos comemorativos do genocídio armênio, esperemos que se vá por uma via de pequenos gestos, pequenos passos de aproximação”

O Sínodo e as passagens criticadas da relação (relatio) intermediária

“O Sínodo é um percurso, é um caminho. Não é um Parlamento; é um espaço protegido para que se possa falar sobre o Espírito Santo. Mesmo com a relação final não se termina o percurso. Por isso não se formar uma opinião vinda de uma pessoa ou de um rascunho.

Eu não estou de acordo (é minha opinião) com que se diga publicamente: ‘Este disse isto’, mas que se publique, como de fato aconteceu, somente o que foi dito: o Sínodo não é um Parlamento. É preciso proteção para que o Espírito Santo possa falar”.