Na audiência-geral desta quarta-feira, transmitida desde a biblioteca apostólica, o Santo Padre afirmou que não devemos cair na soberba de desprezar a oração vocal. Ele recordou que na sua simplicidade, as preces ditas com os lábios são as únicas que dirigem a Deus as perguntas que Lhe aprazem e que Jesus nos ensinou a rezar pronunciando as palavras do Pai Nosso.

“A oração é diálogo com Deus; e, num certo sentido, todas as criaturas “dialogam” com Deus. No ser humano, a oração torna-se palavra, invocação, cântico, poesia... A Palavra divina fez-se carne, e na carne de cada homem a palavra volta a Deus na oração”, afirmou o Santo Padre.

“As palavras nascem dos sentimentos, mas há também o caminho inverso: aquele em que as palavras moldam os sentimentos. A Bíblia educa o homem para garantir que tudo vem à luz através da palavra, que nada de humano seja excluído, censurado. Acima de tudo, a dor é perigosa se permanecer coberta, fechada dentro de nós... Uma dor encerrada dentro de nós, que não se exprime nem desabafa, pode envenenar a alma; é mortal”, advertiu.

“É por este motivo que a Sagrada Escritura nos ensina a rezar até com palavras às vezes audazes. Os escritores sagrados não nos querem enganar sobre o homem: sabem que no seu coração existem também sentimentos pouco edificantes, até mesmo o ódio. Nenhum de nós nasce santo, e quando estes sentimentos negativos batem à porta do nosso coração, devemos ser capazes de os desarmar com a oração e com as palavras de Deus”.

“Nos Salmos encontramos também expressões muito duras contra os inimigos – expressões que os mestres espirituais nos ensinam a atribuir ao diabo e aos nossos pecados – mas são palavras que pertencem à realidade humana e que acabaram no contexto das Sagradas Escrituras. Estão ali para nos testemunhar que se, perante a violência, não houvessem palavras para tornar inofensivos os maus sentimentos, para os canalizar de modo que não prejudiquem, o mundo inteiro seria inundado por eles”, recordou.

“A primeira oração humana é sempre uma recitação vocal. Os lábios movem-se sempre em primeiro lugar. Embora todos saibamos que rezar não significa repetir palavras, no entanto a oração oral é a mais segura e pode ser praticada sempre. Os sentimentos, por mais nobres que sejam, são sempre incertos: vêm e vão, abandonam-nos e regressam. Não só, mas até as graças da oração são imprevisíveis: às vezes as consolações abundam, mas nos dias mais escuros parecem evaporar-se completamente. A oração do coração é misteriosa e em certos momentos falha. A oração dos lábios, aquela que é sussurrada ou recitada em coro, está sempre disponível, e é tão necessária quanto o trabalho manual”.

“Todos deveríamos ter a humildade de certos idosos que, na igreja, talvez porque a sua audição já não é aguda, recitam em meia-voz as orações que aprenderam quando eram crianças, enchendo a nave de sussurros. Esta prece não perturba o silêncio, mas dá testemunho da sua fidelidade ao dever da oração, praticada durante uma vida inteira, sem nunca falhar”.

“Com a oração humilde, estes orantes são frequentemente os grandes intercessores das paróquias: são os carvalhos que de ano em ano alargam os seus ramos, para oferecer sombra ao maior número de pessoas. Só Deus sabe quando e quanto os seus corações estavam unidos àquelas orações recitadas: certamente essas pessoas também tiveram que enfrentar noites e momentos vazios. Mas pode-se permanecer sempre fiel à prece vocal. É como um âncora: agarrar-se à corda para permanecer ali, fiéis, aconteça ou que acontecer”, recordou o Santo Padre.

Recordando um livro clássico da espiritualidade cristã, O Peregrino Russo, que fala sobre a oração vocal, o Papa afirmou: “Todos temos que aprender com a constância daquele peregrino russo, mencionado numa famosa obra de espiritualidade, que aprendeu a arte da oração repetindo a mesma invocação inúmeras vezes: «Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de nós, pecadores!». Repetia só isto. Se as graças entraram na sua vida, se um dia a oração se tornou tão ardente que ele sentiu a presença do Reino aqui entre nós, se o seu olhar se transformou até ser como o de uma criança, foi porque ele insistiu em recitar uma simples jaculatória cristã. No final, ela torna-se parte da sua respiração. É bonita a história do peregrino russo: é um livro ao alcance de todos. Recomendo-vos que o leiais: ajudar-vos-á a compreender o que é a oração vocal”.

“Por favor, não se deve cair na soberba de desprezar a oração vocal. É a oração dos simples, a que Jesus nos ensinou: Pai nosso que estais no céu… As palavras que pronunciamos levam-nos pela mão; às vezes restituem o sabor, despertam até o mais adormecido dos corações; estimulam sentimentos dos quais tínhamos perdido a memória, e levam-nos pela mão rumo à experiência de Deus”.

“Jesus não nos deixou na névoa. Disse-nos: «Eis como deveis rezar!». E ensinou a oração do Pai-Nosso (cf. Mt 6, 9)”, concluiu.

No final da alocução, o Santo Padre saudou os fiéis de língua portuguesa:

“Saúdo cordialmente os fiéis de língua portuguesa. Vos convido a nunca abandonar as orações simples que aprendemos de pequenos no seio da nossa família e que guardamos na memória do coração. São vias seguras de acesso ao coração do Pai. Que Deus vos abençoe!”

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