A Etiópia enfrenta a pior crise alimentar dos últimos 20 anos e dificuldade para encontrar água, informa a agência Trócaire, de ajuda estrangeira da Igreja Católica da Irlanda. Segundo a agência a situação é consequência da mudança climática.

A Trócaire, fundada há 47 anos, disse que a fome afeta sobretudo os habitantes do sul da Etiópia. Desde 1980, o país sofreu 10 importantes períodos de seca. A cada uma das últimas quatro décadas, a temperatura média anual auentou 0,37 graus. O período de maior aquecimento foi a segunda metade dos anos 90.

Segundo a Trócaire, a falta de acesso à água agrava o problema da fome. Cerca de 85% dos etíopes vivem em áreas rurais e a maioria deles depende da agricultura de subsistência para sobreviver. Moradores de várias partes do país caminham quilômetros e passam dias em longas filas na tentativa de conseguir água que é, muitas vezes, inútil.

A organização relatou a experiência de Abba Tesfalem, um sacerdote ortodoxo etíope de 58 anos que vive em Tigray, na região norte do país. Além dos conflitos armados que começaram em novembro do ano passado, “a falta de água na região está causando um forte impacto psicológico sobre os habitantes” da região, “como Abba Tesfalem e sua família”

O sacerdote ortodoxo disse, em declarações à Trócaire, que “quando você não tem água, você só pensa na água. Quando você faz fila para pegar água, tudo que você pensa é na água que você espera conseguir. Você acha que talvez não consiga água. Aquilo joga com a sua mente, é como uma doença. Aqui todos nos sentimos assim. É uma situação muito difícil ficar pensando só na água”,

O sacerdote contou ter passado dias caminhando, esperando a sua vez para tirar água do poço, e que muitas vezes voltou para casa com as mãos vazias. “Não muito longe daqui tem uma bomba manual de água. Usamos burros e mandamos nossos filhos para buscar água ou vamos nós mesmos. Logo, trazemos a água”, disse.

“Quando o poço seca, há um sistema de abastecimento de água no subúrbio, localizado a milhas daqui. Ali, ficamos dias esperando a água. Se a água acabar durante o tempo de espera, vamos para a bomba manual de água”.

A busca pela água ocupa um valioso tempo que deveria ser ocupado com o trabalho. Tesfalem falou sobre a crescente dificuldade que experimenta para sustentar sua família. “Eu realmente luto. Eu me preocupo pelos meus filhos e pela minha família. Eu tenho que colocar comida na mesa. Eu não quero que minha família passe um dia sem comer. Todos os dias eu tenho que trabalhar para trazer comida para a família. Isso é o que eu faço, não tenho tempo para outras coisas além disso”, disse.

Em épocas de seca, “às vezes temos que esperar muito, muito tempo, às vezes uma semana. Em março, houve um momento em que não havia nada. Não havia o suficiente para comprar comida no mercado. A única opção era pedir um empréstimo e sobreviver comprando pão”, disse Tesfalem.

O sacerdote também comentou sobre as mudanças climáticas. Para os habitantes da região, o período das chuvas era mais previsível no passado e isso facilitava o cultivo de alimentos como o trigo e a pimenta. “Tínhamos agricultura e educação. Agora, não tem comparação”. Segundo Tesfalem, “cultivar não é uma opção”.

A agência Trócaire também relatou a situação do povo de Afar, onde “faz muito calor e a água está suja, contaminada pela urina dos macacos”. Na região, “a caminhada para buscar a água é horrível” e a busca pela água tem se transformado na tarefa principal de muitas pessoas à medida que a seca piora. O desespero leva as pessoas a beber água contaminada pela urina e as fezes dos animais.

Pessoas como Abdellah, um homem de 23 anos que mora em Afar, “sobrevivem com pouco, senão nada, fazem viagens difíceis em meio ao calor extremo e sem um sustento”, informou a agência.

“Temos que sair cedo da cidade enquanto ainda está escuro. Caminhamos pelo leito do rio, depois escalamos as montanhas, descemos por um vale, escalamos outra montanha, até chegar finalmente à água. Essa é a viagem”, disse Abdellah a Trócaire.

“Nós bebemos a água onde os macacos vão ao banheiro. É água ruim. Isso nos deixa doentes. Você pode ver o esterco animal nos outros pontos da viagem. Macacos e hienas passaram por lá”, diz Abdellah. Ele afirmou que a situação da sua comunidade não melhorará sem ajuda externa e lembrou que as crianças carecem de educação, pois ao invés de irem à escola, são obrigadas a fazer longas viagens em busca de água.

“Não tenho mais palavras para expressar como é difícil. O que mais precisamos e o que pedimos é água”, disse o jovem etíope.

A Convenção das Nações Unidas para o combate à desertificação (UNCCD) afirmou que o Dia Mundial de Combate à Desertificação 2021 se centrou na necessidade de converter as terras degradadas em terras saudáveis. A medida contribuirá para reduzir os impactos das alterações climáticas e conduzirá a uma recuperação sustentável após a pandemia da covid-19.

“Restaurar terras degradadas traz resiliência econômica, cria empregos, aumenta os rendimentos e a segurança alimentar. Ajuda a recuperar a biodiversidade. Bloqueia o carbono atmosférico que aquece a Terra e retarda as mudanças climáticas”, disse a UNCCD.

Publicado originalmente na ACI África. 

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