Em uma entrevista publicada hoje (25) pela Associated Press, o papa Francisco fala sobre o caso Rupnik, a homossexualidade, o polêmico Caminho Sinodal Alemão e também sobre a China.

O caso Rupnik

Na nova entrevista, o papa Francisco falou sobre o caso do padre jesuíta Marko Rupnik, acusado de ter abusado sexualmente de freiras adultas.

Padre Marko Rupnik é co-fundador da Comunidade Loyola na Eslovênia, que surgiu na década de 1980 e onde ele teria abusado de freiras adultas.

Após uma investigação preliminar confiada à Companhia de Jesus, a Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) “determinou que os fatos em causa devem ser considerados prescritos e, por isso, encerrou o processo no início de outubro deste ano de 2022”, diz um comunicado dos jesuítas de 2 de dezembro.

O Superior Geral da Companhia de Jesus, padre Arturo Sosa, confirmou em 14 de dezembro que Rupnik havia sido excomungado em maio de 2020 por ter confessado a uma de suas vítimas.

Em uma cronologia publicada pelos jesuítas em 18 de dezembro, especifica-se que a CDF declarou em maio de 2020 que, de fato, Rupnik havia sido excomungado, mas sua sentença foi suspensa no mesmo mês.

Rupnik está proibido de confessar, exercer a direção espiritual e acompanhar os exercícios espirituais. Também não pode realizar atividades públicas sem autorização do seu superior.

Sobre o tratamento dos abusos cometidos contra adultos, como é o caso do padre Rupnik, o papa Francisco defendeu que “com o adulto vulnerável abusado é praticamente o mesmo que se fosse um menor”.

Questionado pelo jornalista sobre a “solução” do caso deste padre jesuíta, o papa Francisco garantiu que não ficou claro “como foi o caminho, porque era o tribunal da Companhia” de Jesus, os jesuítas.

“Mas uma coisa que o [Superior] Geral da Companhia teve, pela qual o louvo, é que a instrução do processo, a parte da instrução, foi dada ao encarregado por esses assuntos jurídicos dos dominicanos. A instrução foi feita pelos dominicanos. Eu não mexo com isso. Isso foi uma grande coisa", disse o papa.

Em seguida, esclareceu que “a coisa estava em processo para um caso que foi resolvido. Não sei como, mas foi resolvido no sentido de comum acordo”.

“Acho que foi paga uma indenização, mas aí não tenho claro o arranjo, mas se resolveu. Mas no intervalo surge aquele de 25 ou 30 anos na Eslovénia. Ou seja, se espalha, percebe-se que está diante de uma pessoa muito limitada, que são poderosos, às vezes”, completou.

"Veja os grandes ditadores que a humanidade teve que fizeram tanto dano, o fascismo, o nazismo, são limitados, mas o dano que fizeram", disse o papa.

Afirmou ainda que esta “não é uma limitação que os impeça, é uma limitação que os torna criminosos. E isso ajuda muito a distinguir entre o pecado e o crime”.

“Os pecados são sempre perdoados. Somos todos pecadores. Mas o crime, sim eu perdoo você, mas você paga, repara o crime. E nisso tem que ser muito claro. Eu perdoo você, não faça mais isso. Não, não, não! Agora você conserta e vê o modo para reparar. E alguns devem deixar o estado clerical porque não podem continuar numa situação pastoral deste tipo”.

O papa também foi questionado se teve algum papel na decisão do caso do padre Marko Rupnik. “Nada”, respondeu.

“Estive em um pequeno processo, que chegou à Congregação da Fé no passado. Mas nada aconteceu comigo. Que continue com o tribunal normal, com o tribunal normal, porque senão os caminhos processuais dividem-se e tudo se confunde”.

“Tudo no mesmo canal”, continuou o Papa, “ou seja, não tive nada a ver com isso. Sempre mandava pra lá porque tinha começado lá, então deixa eles terminarem lá. Terei que ver se padre Rupnik apela”.

“Porque aí sim tem que apelar aqui, mas não fez, não fez. Se a apelação vai para a Doutrina da Fé, aí o Vaticano entra”, disse o papa.

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O papa também confirmou que o caso está prescrito e assegurou “cuidar” tanto da presunção de inocência quanto da prescrição, que definiu como "armas legais de garantia".

“Porque se começarmos a sair dessas garantias”, disse o papa, “a justiça torna-se muito manipulável”.

Além disso, afirmou que não tolera a prescrição “quando há menor envolvido”: “Aí sim, eu a levanto imediatamente. Neste caso, não, o que não impede que a pessoa seja processada. Mas fora dessa acusação que já prescreveu. A receita é uma garantia”.

No entanto, o papa Francisco disse que “isso não significa que devemos lavar as mãos do problema” e confirmou que se trata de “um problema pastoral gravíssimo”.

“Então, existem milhares de caminhos para avançar com processos canônicos, com punições, reduções a um estado laico, que não tem por que seguir este caminho de levantar a prescrição. Agora, se tem um menor, eu a levanto sempre, ou com um adulto vulnerável. Levanto sempre”.

“Para mim, foi uma surpresa, de verdade. Uma pessoa, um artista desse nível. Para mim foi uma grande surpresa e uma dor, porque essas coisas doem”, disse o papa Francisco, referindo-se o padre Marko Rupnik.

Por fim, expressou seu desejo de maior transparência nestes casos e observou que, “com a transparência, vem algo muito bonito, que é a vergonha. A vergonha é uma graça".

“Prefiro uma Igreja que se envergonha porque descobre os seus pecados, que Deus a perdoa. Não uma Igreja fariseia que esconde o seu pecado, que Deus não perdoa”, concluiu.

Sobre a homossexualidade

Durante a entrevista, o papa Francisco também foi questionado sobre a posição da Igreja sobre a homossexualidade.

O papa recordou que “o Catecismo da Igreja Católica diz que as pessoas com tendências homossexuais devem ser acolhidas, não devem ser marginalizadas, acompanhadas se for dado um lugar”.

Francisco disse que “se existe uma pessoa que busca a Deus e é sincera, quem sou eu para julgá-la. Ali está o Senhor".

Também classificou como injustas as atitudes de alguns países onde a homossexualidade é perseguida e é inclusive declarada a morte para pessoas homossexuais.

“Somos todos filhos de Deus, e Deus nos ama como somos e pela força que cada um de nós luta pela nossa dignidade. Ser homossexual não é crime. Não é crime. Sim, mas é pecado. Tudo bem, mas primeiro vamos distinguir entre um pecado e um crime. Mas também é pecado faltar à caridade uns com os outros”, disse o papa.

Em seguida, afirmou que “ninguém deve ser discriminado”. “Cada homem e cada mulher deve ter uma janela em sua vida onde possa derramar sua esperança e onde possa ver a dignidade de Deus. E ser homossexual não é crime. É uma condição humana", disse.

Além disso, encorajou a Igreja a contribuir para revogar as normas que perseguem os homossexuais, embora tenha destacado que se trata de "culturas, culturas em um Estado, e os bispos desse lugar, embora sejam bons bispos, fazem parte da cultura e alguns ainda têm suas mentes nessa cultura”.

“Mas ternura, por favor, ternura, como Deus tem com cada um de nós. Voltemos às três categorias de Deus. Deus tem três atitudes: proximidade, misericórdia e ternura. E essas três bastam, toda a teologia está aí. Deus próximo, que está na minha mão. Um Deus misericordioso, que me perdoa tantas vezes. Um Deus terno", concluiu.

Caminho Sinodal Alemão

Quanto ao polêmico Caminho Sinodal da Igreja Católica na Alemanha, o papa Francisco disse que "a experiência alemã não ajuda, porque não é um sínodo, um caminho sinodal sério, é um caminho chamado sinodal, mas não da totalidade do povo de Deus, e sim feito por elites”.

“E sobre isso eu me cuido de falar muito, mas já escrevi uma carta que demorei um mês para fazer. Fiz sozinho e, quando me perguntam, digo 'voltem à carta’”, declarou.

O caminho sinodal é um controverso processo plurianual que começou em dezembro de 2019 e do qual participam bispos e leigos da Alemanha para abordar questões como o exercício do "poder", a moral sexual, o sacerdócio e o papel das mulheres na Igreja , questões sobre as quais manifestaram, publicamente e em diversas ocasiões, posições contrárias à doutrina católica.

Os participantes deste “caminho sinodal” votaram a favor de projetos de documentos que pedem a ordenação sacerdotal de mulheres, bênçãos da uniões o mesmo sexo e mudanças no ensinamento da Igreja sobre atos homossexuais, o que gerou acusações de heresia e temores de cisma.

O papa Francisco escreveu uma longa carta aos católicos da Alemanha em 2019, na qual falou sobre o que chamou de "erosão" e "declínio da fé" no país, e convocou os fiéis a se converterem, rezarem e jejuarem, além de proclamar do Evangelho.

Francisco lembrou que teve um encontro com os bispos alemães. “O caminho sinodal na Alemanha parte das dioceses dos povos. Isso foi um pouco elitista e não tem todo o consenso processual de um sínodo como tal”, disse.

O papa alertou que “o perigo é que se filtre algo muito, muito ideológico. E quando a ideologia se mete nos processos eclesiais, o Espírito Santo vai para casa, porque a ideologia supera o Espírito Santo”.

“Você mencionou algumas coisas para resolver que eles querem resolver, mas resolve isso com base em quais critérios? Com base na sua experiência eclesial, tomando da tradição dos apóstolos e traduzindo-a para os dias de hoje, ou com base em dados sociológicos? Aí está o problema, o problema subjacente”, acrescentou.

Diante desta situação, o papa convidou “a ter paciência, a dialogar e acompanhar este povo no seu real caminho sinodal e ajudar este caminho mais elitista para que de alguma forma não termine mal, mas também se integre no Igreja. Tentar sempre unir”, concluiu.

China

O papa Francisco também foi questionado sobre o acordo entre a Santa Sé e a China para a nomeação de bispos e, especificamente, sobre o encontro que teve com o bispo emérito de Hong Kong, o cardeal Joseph Zen Ze-kiun, a quem se referiu como “um velhinho encantador”.

“Ele está em um processo que é administrativo, algo assim. Não entendi muito o que era, algo como se você fosse pego na rua dirigindo sem carteira, uma coisa disciplinar”.

“E terminada, eles o farão pagar uma multa e nada mais”, disse o papa sobre o cardeal Zen. O bispo emérito de Hong Kong é acusado pelo governo chinês de supostos vínculos com um fundo que ajudava pessoas que se manifestavam a favor da democracia na ex-colônia britânica em 2019.

Posteriormente, o papa contou que o cardeal “passa o dia todo na prisão. Ele é amigo dos guardas comunistas, dos presos. Todos o recebem bem. Ele é um homem de grande simpatia. A parte mais agressiva do Zen meio que foi desaparecendo. Não digo que não esteja, está, mas se oculta por trás desta parte pastoral”.

Sobre seu encontro, disse que "conversamos aqui um pouco e depois veio o secretário dele".

“E como os chineses são eternos, teremos que esperar, o quê?, ainda vários anos para que ele se vá, mas não posso nomear um cardeal lá porque já são três cardeais. Um sucede o outro. O atual arcebispo é muito bom, de Hong Kong. É um jesuíta muito bom, muito bom”.

Sobre o diálogo com a China, o papa disse que “não se rompe o diálogo” e que também os chineses “têm gestos de cortesia lindos, os chineses também para conosco. Às vezes, são um pouco fechados, às vezes não”.

Também falou da complexidade do país devido aos seus diferentes governos e suas várias províncias e garantiu que “a China é um mundo. Tem que caminhar pacientemente pela China, eu admiro o povo chinês”.

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