A diocese de San Rafael, na província argentina de Mendoza, se pronunciou sobre escândalo gerado pela divulgação anônima de um áudio gravado por um padre, que morreu há alguns dias, no qual se escuta o bispo Eduardo Maria Taussig falando sobre o motivo do fechamento do seminário Santa Maria Mãe de Deus.

Dois áudios circulam nas redes sociais: um de sete minutos, publicado no YouTube em 8 de dezembro; e outro, de quase 35 minutos, também publicado no YouTube em 9 de dezembro.

Em ambos, ouve-se uma discussão tensa entre o padre e o bispo, em relação a alguns protestos dos fiéis da paróquia do Carmo devido ao fechamento do seminário de San Rafael e à relutância do padre e de seus vigários em aceitar a medida de dar a comunhão só na mão e não na boca, como medida pela pandemia do coronavírus.

Em nota publicada em 15 de dezembro pelo meio católico da diocese De Buena Fe, explica-se que o áudio divulgado é de encontro de Taussig com o padre Alejandro Casado, então pároco da paróquia do Carmo em Malargüe, em 21 de dezembro de 2020, o chanceler da diocese, padre Luis Gutiérrez Drisaldi; e o presidente da Comissão de Justiça da diocese, padre Víctor Torres Jordán.

“A gravação foi feita pelo padre Alejandro Casado sem o conhecimento ou advertência dos demais presentes na audiência. O áudio foi publicado anonimamente nas redes após a morte do padre Alejandro, quando acontecia o seu velório, e certamente sem o seu conhecimento nem aprovação”, diz a nota da diocese de San Rafael.

Padre Casado morreu na madrugada de 7 de dezembro, aos 57 anos, de câncer.

O comunicado da diocese de San Rafael, assinado pelo padre José Antonio Álvarez Domínguez, responsável pela comunicação, diz que o áudio “tem várias edições com diferentes graus de manipulação, com o claro propósito de gerar aversão ao bispo. O responsável por esta publicação ofende, sobretudo, a memória do padre Alejandro Casado”.

Áudio

No áudio de quase 35 minutos divulgado nas redes sociais, escuta-se dom Taussig advertindo o padre Casado por sua atitude nos protestos de 21 de novembro de 2020 na paróquia do Carmo em Malargüe.

Naquele dia, dom Taussig visitou a cidade de Malargüe, que faz parte da diocese de San Rafael, e celebrou a missa. A celebração da Eucaristia foi repetidamente interrompida por leigos e sacerdotes críticos ao fechamento do Seminário de San Rafael

Em meio às críticas ao Prelado, um desconhecido danificou uma das rodas de seu carro. No dia seguinte, uma carreata percorreu San Rafael exigindo que a decisão de fechar o seminário diocesano fosse revertida.

“É um julgamento de sua responsabilidade como pároco, padre. Você é o pároco e deve conduzir os seus fiéis. Se estão fazendo um ato contra o bispo você deve impedi-lo” e “não permitir isso. Teria que ter dito ‘esperem a missa terminar e não interrompam a missa’”. 

No diálogo, o bispo informa ao padre Casado sua decisão de suspendê-lo do ministério e de colocar a paróquia sob interdito por dois meses. Esta medida implica que os fiéis não podem celebrar nem receber os sacramentos.

Dom Taussig explica ao padre que esta decisão se deve ao fato de “terem desobedecido formalmente às disposições do bispo, porque você não fez os seus vigários cumprirem as disposições, e é o responsável pelo que os seus vigários fizeram... O padre Camilo (Dib) agiu de maneira hostil e declarada incentivando e participando do protesto contra o bispo”.

O padre responde que “não é bem assim”, mas dom Taussig afirma que “na paróquia” do Carmo em Malargüe “continuam dando a Comunhão na boca, embora não seja o ordenado e como a maioria da comunidade comunga assim, as pessoas que querem comungar na mão se sentem discriminadas”.

“Poderíamos dizer que os outros também se sentem discriminados”, respondeu o padre.

O bispo de San Rafael referiu-se à sua disposição de 20 de agosto de 2020, que estabelecia que os padres que comungassem na boca fossem punidos, por contrariar a indicação - de 12 de junho do mesmo ano - dos bispos da província de Mendoza de dar a comunhão apenas na mão devido à pandemia.

Na mensagem de 12 de junho, com a qual começaram as tensões em San Rafael, os bispos de Mendoza destacaram “com insistência que não há saudação da paz e que a comunhão será distribuída apenas na mão. Os padres e os fiéis devem respeitar essas exigências”.

No diálogo tenso, o padre Casado pergunta "se é possível dialogar ou é um monólogo?". Dom Taussig responde oferecendo ao sacerdote a possibilidade de levantar a suspensão e o interdito, se ele se comprometer por escrito a seguir, com os seus vigários, as indicações de dar a Comunhão na mão.

A Eucaristia e as partículas

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O padre Casado então questiona o bispo sobre se esta medida não iria "contra sua consciência", ao que o bispo respondeu que se for seguido o indicado pela Santa Sé para dar disposições temporários como em caso de pandemia, “nada deverá colocar a consciência em dúvida, escrúpulos, pois esta é a vontade de Deus”.

O padre questiona novamente o bispo, desta vez sobre a questão das “partículas” da Eucaristia que podem permanecer nas mãos dos fiéis após a comunhão. Dom Taussig responde que nesses casos “se a pessoa vê uma partícula, ela a consome, mas isso já foi decidido por um santo papa, são João Paulo II. Se não, eu estaria dizendo que o papa errou, que os bispos erramos e quem é você para se colocar acima dos papas santos e de todo o episcopado mundial?”

O diálogo continua com um questionamento teológico de ambos sobre se Jesus está ou não presente nas “partículas invisíveis” da Eucaristia. “Não tem problema, nas partículas invisíveis não está a presença de Jesus. Isso é um erro teológico”, afirma dom Taussig.

“Se são partículas minúsculas que são pó, se você não as vê, não está. Você precisa cuidar que as hóstias sejam boas e pronto”, acrescenta.

“Repito: Isso pensava são Paulo VI, pensava são João Paulo II, pensamos todos os bispos do mundo. Você não sabe mais do que todos eles”, continua o bispo de San Rafael.

No áudio, o padre Casado afirma que não fez o que o bispo esperava porque “é muito difícil” agir “quando as pessoas estão muito zangadas e só queriam falar” com o bispo por causa da decisão de fechar o seminário.

Para o padre, o que aconteceu no dia 21 de novembro de 2020 em sua paróquia “não foi tão grave”.

“Até agora não ouvi uma palavra sua de desculpas, como pároco, pelo que aconteceu”, diz o bispo, ao que o padre Casado responde: “Mas porque é que vou pedir desculpa por um problema da Igreja que ocorre na minha paróquia e não tenho nada a ver? Por que tenho que me desculpar pelos outros?”

“Porque é a sua paróquia, eles são os seus fiéis, são os seus vigários”, diz o bispo.

Dom Taussig ofereceu então, mais uma vez, pôr fim à suspensão e ao interdito caso o padre Casado se retratasse por escrito e prometesse seguir as disposições, o que o padre finalmente aceitou.

Ao questioná-lo por não ter agido no dia 21 de novembro, o bispo disse ao padre que “deveria ter retirado os cartazes porque isso é o que corresponde a um pároco”, ao que o padre Casado respondeu que o que “deixou as pessoas chateadas foi a sua atitude”.

O fechamento do Seminário de San Rafael

O caos “que fizeram por não entender isso nos levou o seminário. Estou muito zangado com isso, porque esse problema foi o que fechou o seminário, pelas partículas que não se veem ou seja lá o que for”, afirma o bispo de San Rafael no áudio.

“O seminário foi fechado por causa desse problema?”, pergunta o padre.

“Por atitudes como a sua, padre: ver um reitor que passa três meses e meio brigando com o bispo e que renuncia por isso foi o estopim para o fechamento do seminário. Está no decreto. A rebeldia do clero por este tema foi o que causou o fechamento do seminário”, disse dom Taussig.

“Mas não foi Roma quem ordenou o fechamento do seminário?”, perguntou o padre Casado.

“Sim, sim, claro”, respondeu dom Taussig, acrescentando: “Ouça-me. Você acha que Roma não acompanha as coisas ou que todo mundo não ficou sabendo da renúncia do reitor? Eu comuniquei Roma sobre a renúncia. Souberam em Roma e tchau”.

O decreto de 25 de julho de 2020, de que falou o bispo, faz referência à diretriz do cardeal Beniamino Stella, então prefeito da Congregação para o Clero no Vaticano, que diz: “Assim que apareceu na imprensa a renúncia do anterior reitor, senhor presbítero doutor Alejandro Miquel Ciarrochi, é um bem que o seminário diocesano de San Rafael seja fechado, levando em conta que manter um seminário diocesano não é um direito absoluto, somente quando isso seja oportuno e conveniente”.

No áudio, o padre admitiu ter caído em desobediência ao ter dado a Comunhão na boca e pediu ao bispo que “refletisse”, ao que respondeu: “Se você tivesse obedecido não estaríamos nesta situação e teríamos o seminário”.

O Seminário Santa Maria Mãe de Deus de San Rafael foi fundado em 25 de março de 1984 pelo então bispo, dom León Kruk. Desde a sua criação, se destacou pela fidelidade à Igreja e pela correta formação dos futuros sacerdotes.

Diante do sucesso do seminário e da desconfiança de outros bispos, houve pressão para enviar um visitante da Santa Sé, que esteve lá de 11 a 14 de junho de 1986. O resultado da visita foi a confirmação da obra pelo próprio papa são João Paulo II.

Em 27 de novembro de 2020, o seminário foi fechado apesar de protestos de fiéis.

O fechamento do seminário foi anunciado no final de julho pelo bispo Taussig, que especificou no dia 7 de agosto que a decisão não era dele, mas da Santa Sé.

A nota da diocese diz que “a audiência de 21 de dezembro de 2020 concluiu com um pedido de perdão do padre Casado ao bispo pela violação da promessa de obediência feita, numa audiência anterior de 6 de agosto de 2020 e com o compromisso cumprir e fazer cumprir, no futuro, as disposições em vigor sobre a distribuição da Comunhão, feito em carta assinada por ele que se conserva em seu arquivo”.

“Isso determinou o fechamento do processo judicial ao qual havia sido intimado”, acrescenta o texto.

O comunicado diz que no dia 26 de novembro de 2021, o bispo e o padre se deram um abraço de “plena reconciliação fraterna” no Hospital Espanhol, onde padre Casado estava internado. Além disso, “o bispo o confessou (e deu-lhe a bênção papal com indulgência plenária) e também lhe pediu a bênção”.

A nota da diocese diz que a "manipulação grave e astuta da gravação utilizada se soma a outros atos semelhantes anteriormente provocados por aqueles que, escondidos no anonimato covarde, só causam dor, ressentimento e animosidade que vêm do espírito maligno e da soberba ofuscada".

“Sugerimos, para o futuro, não divulgar nem se deixar instrumentalizar por quem manifesta, com sua atuação indigna, não ter as mais básicas regras de respeito e honestidade informativa, nem sequer pelos mortos”, conclui o texto.

O comunicado não faz menção a um fato ocorrido em 21 de dezembro de 2020 na diocese de San Rafael, que envolve o padre Camilo Dib, vigário da paróquia do padre Casado, que agrediu dom Taussig, o que lhe custou a suspensão de acordo com as normas da Igreja.

Segundo nota divulgada pela diocese em 22 de dezembro de 2020, o padre Dib foi convocado por dom Taussig, que lhe deu a oportunidade de dar a sua “defesa da sua participação nos acontecimentos ocorridos em Malargüe, no dia 21 de novembro".

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