O Arcebispo de Piura e Tumbes (Peru), Dom José Antonio Eguren, condenou o escândalo conhecido como “Vacunagate”, no qual funcionários e pessoas influentes se aproveitaram de seus cargos para receber irregularmente a vacina contra a Covid-19, dias antes de começar a vacinação dos profissionais de saúde.

O Prelado denunciou este "episódio vergonhoso" durante a Missa da Quarta-Feira de Cinzas.

“Façamos penitência também pelos casos de corrupção que dolorosamente vemos ser descobertos dia a dia em nosso país em meio à epidemia, agora com o vergonhoso escândalo das vacinas preferenciais”, assegurou.

“Ter sido vacinado primeiro é uma afronta aos milhares de irmãos infectados e especialmente às dezenas de milhares de mortos devido à Covid-19 em nossa terra natal, que causou dor e luto a tantas famílias peruanas”, disse o Prelado.

“É uma ofensa a todos aqueles que desde o primeiro dia estão na linha de frente da luta contra o coronavírus. A corrupção produz grandes prejuízos na sociedade e é como um câncer que infecta e contamina todos os setores da vida social”, afirmou.

Esta semana, foi publicada uma lista de 487 pessoas que tiveram acesso a um lote de vacinas da empresa chinesa Sinopharm, antes do que os médicos da linha de frente e pessoas vulneráveis. Na lista estão o ex-presidente Martín Vizcarra, sua esposa e seu irmão. O Núncio Apostólico no Peru, Dom Nicola Girasoli, também está na lista.

Também estão na lista a ex-ministra das Relações Exteriores, Elizabeth Astete e Jorge Arturo Jarama, ex-diretor de Ciência e Tecnologia do ministério e que também participou das negociações da vacina do Sinopharm.

A lista inclui também a ex-ministra da Saúde, Pilar Mazzetti, que havia dito que seria a última a ser vacinada em seu setor; dois ex-vice-ministros; e o Dr. Germán Málaga Rodríguez, que dirige o ensaio da vacina Sinopharm na Universidade Peruana Cayetano Heredia (UPCH), e sua filha.

O escândalo suscitou a renúncia das principais autoridades desta prestigiosa casa de estudos e a suspensão de Málaga como coordenador do projeto da vacina.

Outros vacinados são Alejandro Aguinaga, candidato ao Congresso e médico do ex-presidente Alberto Fujimori; a ex-ministra da Saúde, Patricia García; além de outras autoridades do Ministério da Saúde e do Ministério das Relações Exteriores e alguns de seus familiares.

O Ministério Público Nacional iniciou uma investigação preliminar na qual estão incluídos, até o momento, o ex-presidente Vizcarra e os ex-ministros Mazzetti e Astete.

Da mesma forma, o governo criou uma comissão de investigação no Ministério da Saúde e o atual presidente Francisco Sagasti prometeu separar os funcionários que receberam a vacina de forma irregular.

A lista de vacinados foi entregue pela Universidade Peruana Cayetano Heredia (UPCH) ao Congresso, à Controladoria-Geral da República, à Procuradoria-Geral da República e à comissão de investigação do Ministério da Saúde, após Vizcarra admitir que foi vacinado quando era presidente e muito antes de o país ter um contrato de compra com a Sinopharm.

Conferência Episcopal também se pronuncia

A Conferência Episcopal Peruana expressou nesta quinta-feira a sua rejeição ao uso indevido “das vacinas confiadas às nossas autoridades para o bem da pesquisa e da saúde de todos os peruanos”. Indicou que “isto mostra uma nova face do monstro da corrupção e da crise ética e de valores”.

“Não é possível que médicos, enfermeiras, policiais, servidores públicos e muitos outros voluntários continuem morrendo, enquanto um grupo insensível busca seus próprios interesses”, disse em seu comunicado; no qual exigiu que "esses fatos sejam devidamente investigados e punidos".

"Vacunagate" e ensaio clínico

A Sinopharm iniciou o ensaio clínico de sua vacina no Peru em setembro de 2020, com 12 mil voluntários. Um grupo recebeu a vacina e outro um placebo.

Além disso, o laboratório chinês enviou 3.200 doses de vacinas para serem administradas aos profissionais da linha de frente que tiveram relação com o ensaio clínico. No entanto, a lista apresentada pela Universidade Cayetano Heredia revelou que esse lote foi usado de maneira irregular.  

Segundo fontes especializadas e vinculadas à pesquisa médica no Peru, que preferem se manter no anonimato, nesta situação há um claro problema ético, pois nos estudos clínicos não devem ser incluídas as “doses de cortesia”.

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Estima-se que exista outra lista de vacinados irregularmente que ainda não é conhecida. Na primeira lista estão funcionários, pesquisadores e seus familiares.

Vários dos vacinados participaram da negociação para a compra da vacina chinesa, uma das mais caras do mercado, por isso não descartam crimes de corrupção.

Segundo dados oficiais, os casos de coronavírus no Peru somam 1.252.137, com um total de 44.308 mortes. No entanto, alguns analistas questionam esses números e afirmam que na realidade haveria muito mais mortes pela pandemia que colapsou o sistema de saúde do país, crise que se agrava com a falta de oxigênio para os pacientes.

Publicado originalmente em ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.

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