O cardeal Kurt Koch enviou uma carta a líderes judeus afirmando que comentários feitos pelo papa Francisco não desvalorizam a Torá, termo que designa o Pentateuco e, de maneira geral, a Lei Judaica. A carta do presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos e da Comissão para as Relações Religiosas com os Judeus, foi dirigida ao rabino Rasson Arussi, diretor da Comissão do Rabinato Chefe de Israel para o Diálogo com a Santa Sé, em Jerusalém, e para o rabino David Sandmel, diretor do Comitê Judaico para Consultação Inter-religiosa, em Nova York, e publicadas em 10 de setembro.

Arussi havia escrito ao cardeal Koch no dia 12 de agosto por causa da pregação do papa Francisco na audiência geral do dia anterior, dedicada à Lei Mosaica. Segundo Koch, Sandmel escreveu uma carta similar no dia 24 de agosto.

Na audiência geral, o papa falou sobre a discussão contida na Epístola de São Paulo aos Gálatas sobre o quanto os cristãos deveriam seguir a lei dos judeus. “A Torá, a Lei, na verdade, não estava incluída na promessa feita a Abraão”, disse então o papa. “Tendo dito isso, não se deve pensar, no entanto, que São Paulo se opunha à Lei Mosaica. Não, ele a observava. Várias vezes em suas cartas ele defende sua origem divina e diz que ela tem um papel bem definido na história da salvação.”

Em seguida o papa disse: “A Lei, no entanto, não dá vida, ela não oferece o cumprimento da promessa porque não é capaz de cumpri-la.”

Arussi se disse preocupado de que os comentários do papa significassem que a lei judaica é obsoleta.

Em sua carta enviada aos dois rabinos, Koch disse que consultou o papa Francisco e respondia por instrução dele. “Na fala do Santo Padre, a Torá não é desvalorizada, já que ele afirma expressamente que Paulo não se opunha à lei mosaica: de fato, Paulo observava a lei, enfatizava sua origem divina e atribuía a ela um papel na história da salvação”, escreveu o cardeal.

“A frase ‘A lei não dá vida, não oferece o cumprimento da promessa’ não deveria ser extrapolada de seu contexto, mas deve ser considerada dentro da moldura completa da teologia paulina”, disse Koch nas cartas.

“A convicção cristã perene é que Jesus Cristo é o novo caminho da salvação. No entanto, isso não significa que a Torá é diminuída ou não é mais reconhecida como o ‘caminho de salvação para os judeus.’”

Koch citou um discurso que o papa fez ao Conselho Internacional de Cristãos e Judeus em 2015. Naquela ocasião, o papa disse: “As confissões cristãs encontram sua unidade em Cristo; o judaísmo encontra sua unidade na Torá. Os cristãos acreditam que Jesus Cristo é a Palavra de Deus feita carne no mundo; para os judeus, a Palavra de Deus está presente, acima de tudo, na Torá. Ambas as tradições de fé encontram seu fundamento no Único Deus, o Deus da Aliança, que se revela através de Sua Palavra.”

Koch enfatizou que, na audiência geral de agosto, o papa estava refletindo “sobre a teologia paulina dentro do contexto histórico de uma dada era” e não comentando o judaísmo contemporâneo.

“O fato de que a Torá é crucial para o judaísmo moderno não foi questionado de modo algum”, escreveu o cardeal. “Tendo em mente as afirmações positivas constantemente feitas pelo papa Francisco sobre o judaísmo, não se pode presumir de modo algum que ele esteja voltando a uma assim chamada ‘doutrina do desprezo’. O papa Francisco respeita integralmente os fundamentos do judaísmo e sempre busca aprofundar os laços de amizade entre as duas tradições de fé”.

Koch sublinhou que o papa concordou com a descrição do relacionamento entre judaísmo e cristianismo no documento “Entre Jerusalém e Roma”, que marcou, em 2017, os 50 anos da Declaração sobre a Relação da Igreja com as Religiões Não-Cristãs, Nostra aetate, do Concílio Vaticano II.

O texto, publicado pela Conferência de Rabinos Europeus, o Conselho Rabínico da América, e a Comissão do Rabinato Chefe de Israel, diz: “As diferenças doutrinais são essenciais e não podem ser discutidas ou negociadas; seu significado e importância fazem parte das deliberações internacionais das respectivas comunidades de fé. No entanto, diferenças doutrinais não impedem e não podem impedir o caminho de colaboração pacífica para o melhoramento de nosso mundo compartilhado e das vidas dos filhos de Noé.”

Sobre o documento, apresentado ao papa em 31 de agosto de 2017, Francisco disse: “A declaração ‘Entre Jerusalém e Roma’ não esconde as diferenças teológicas que existem entre nossas tradições de fé. Mesmo assim, ele expressa a firme determinação de colaborar de modo mais próximo, agora e no futuro.”

Concluindo sua carta, Koch escreveu: “Tenho confiança de que esta resposta esclarece o pano de fundo teológico das palavras do Santo Padre.”

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