“Eu me sinto envergonhado pela minha Igreja. Principalmente eu sinto incompreensão intelectual e moral,” declarou na quarta-feira 17 de março o Bispo de Antuérpia, Dom Johan Bonny.

Em um artigo de opinião publicado no De Standaard, um jornal laico belga, Dom Bonny expressou a mais virulenta crítica ao Responsum da Congregação da Doutrina da Fé que decretou que a Igreja não pode abençoar uniões de pessoas do mesmo sexo. Dom Bonny, sendo bispo, também é o mais alto hierarca da Igreja a criticar abertamente a decisão da CDF.

“Eu gostaria de pedir desculpas a todos para quem esse responsum é doloroso e incompreensível”, disse o Bispo. Na opinião dele, o documento carece de base científica, nuance teológica e cautela ética.

Afirmações do responsum como a de que “não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família”, foram especialmente criticadas por Do Bonny.

“Eu pessoalmente conheço casais gays, em casamentos civis, com crianças, que formam famílias calorosas e estáveis e que também participam ativamente na vida da paróquia”, escreve o Bispo. “Quem tem interesse em negar que qualquer semelhança ou analogia ao casamento heterossexual seja possível aqui?”

Curiosamente, a frase que afirma não haver fundamento assimilar ou fazer  analogias com o casamento entre um homem e uma mulher é uma citação da exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia, do Papa Francisco, feita pelo responsum e identificada em nota de rodapé. O Bispo de Antuérpia foi um dos participantes do Sínodo sobre a Família que deu origem à Exortação.

O responsum da CDF ressaltou que a “declaração de ilicitude das bênçãos de uniões entre pessoas do mesmo sexo não é, e não quer ser, uma injusta discriminação, mas quer relembrar a verdade do rito litúrgico e de quanto corresponde profundamente à essência dos sacramentais, assim como a Igreja os entende”.

“A comunidade cristã e os Pastores são chamados a acolher com respeito e delicadeza as pessoas com inclinação homossexual, sabendo encontrar as modalidades mais adequadas, coerentes com o ensinamento eclesial, para anunciar a elas a totalidade do Evangelho. Tais pessoas, ao mesmo tempo, reconheçam a sincera proximidade da Igreja – que reza por elas, as acompanha, compartilha o seu caminho de fé cristã– e acolham com disponibilidade os seus ensinamentos”, continua o documento.

“Entretanto, a Igreja recorda que Deus mesmo não deixa de abençoar cada um de seus filhos peregrinos neste mundo, porque para Ele «somos mais importantes que todos os pecados que podemos cometer». Mas não abençoa nem pode abençoar o pecado: abençoa o ser humano pecador, para que reconheça que é parte de seu desígnio de amor e se deixe transformar por Ele. De fato, Ele «aceita-nos como somos, mas nunca nos deixa como somos».”

Na opinião do Bispo de Antuérpia, “pecado é uma das categorias teológicas e morais mais difíceis de definir, e assim uma das últimas que se deve aplicar às pessoas e suas formas de viver juntas.”

Dom Bonny se disse decepcionado pelo nível da argumentação usado na nota da Congregação para a Doutrina da Fé.  “Intelectualmente não atinge nem o nível do Ensino médio. Esse tipo de argumento, de lógica, vê-se logo. Hoje em dia não se convence ninguém desse jeito”, escreveu o Bispo.

A Conferência dos Bispos Belgas disse que seus fieis LGBT e suas famílias viram o decreto do Vaticano como “excepcionalmente doloroso”, aparentemente apoiando as declarações de Dom Bonny. A Conferência pediu a todos para trabalhar num “clima de respeito, reconhecimento e integração”.

A rede americana de TV ABC em sua cobertura sobre a fala do Bispo de Antuérpia lembra que a Bélgica foi um país fortemente católico com estritos laços com o Vaticano. “Mas o número de crentes e participantes nas celebrações da igreja diminuiu muito nas últimas décadas. O país é polvilhado de igrejas, mas os anúncios de mortes nelas quase invariavelmente ultrapassam os de batizados.”

Confira também: