O arcebispo de Arequipa, dom Javier del Río Alba, disse que a Igreja no Peru reza por uma solução para a crise que o país enfrenta e disse que os bispos estão sempre dispostos a mediar se as partes em conflito concordarem.

“A Igreja está sempre disposta a colaborar, mas para mediar, as duas partes em conflito devem concordar e solicitar a mediação da Igreja, sempre para o bem do Peru”, disse o arcebispo em entrevista coletiva de ontem, 6 de abril.

"Todos estamos tristes com a situação que vivemos no Peru", disse também dom Alba.

Na terça-feira (5) um grande protesto tomou as ruas do centro de Lima para pedir a renúncia do presidente do Peru, Pedro Castillo. Isso apesar do fato de que na noite de segunda-feira o presidente havia decretado um toque de recolher na capital e na região do Callao, que deveria vigorar a partir das 2h até às 11h59 do dia 5 de abril.

Castillo anunciou esta medida após os protestos e tumultos ocorridos na segunda-feira (4) em algumas áreas da capital, mas também em outras áreas do Peru.

Os protestos em várias partes do Peru são principalmente de caminhoneiros, que exigem a redução dos preços dos combustíveis. O protesto ocorre em várias cidades e muitas estradas ainda estão bloqueadas sem que se chegue a um acordo.

Segundo Jorge Carillo Acosta, especialista em finanças e professor da Pacific Business School, um dia de paralisação no Peru afeta o Produto Interno Bruto (PIB) em cerca de 1,5 bilhões de soles, o que em Lima e Callao seria um impacto de quase um bilhão de soles, cerca de 270 milhões de dólares.

O protesto de terça-feira chegou a vários pontos do centro histórico de Lima, como a Praça San Martín e a Avenida Abancay, onde fica o Ministério Público. Após uma reunião a portas fechadas com o Conselho de Administração do Congresso, Castillo revogou o toque de recolher por volta das 17h.

O protesto começou pacífico, mas tornou-se mais violento com o passar das horas. Um grupo de vândalos saqueou uma mercearia, entrou em confronto com a polícia e danificou o patrimônio público.

"Acho que foi um bom gesto o presidente acudir ao Congresso da República, espero que não seja apenas um gesto, nem por parte do presidente nem por parte do Congresso", disse dom Alba sobre a visita de Castillo e seus ministros à sede do Legislativo para apresentar algumas de suas ideias e resolver a crise.

“A aprovação do presidente e do Congresso diminui mês a mês, e eles perdem muito tempo em confrontos no controle político. É hora de ser proativo para superar esta situação muito difícil em que nos encontramos”, acrescentou Alba.

Sobre o vandalismo que deixou 25 policiais feridos, vários presos e danos materiais consideráveis, Alba lembrou que “a greve, o protesto pacífico é um direito que deve ser respeitado. O que devemos evitar é prejudicar as pessoas, as coisas. Isso não está bem".

“O vandalismo deve ser evitado porque isso tira a autoridade daquilo que está sendo feito” com o protesto pacífico. Em vez de violência, disse o arcebispo, “deve-se chamar a atenção para as necessidades da população”.

“Temos que ser conscientes de que havia infiltrados. Vimos saques. Uma pessoa que tem fome pode se deixar levar pela violência e levar comida, mas não caixas de cerveja”, disse ele em referência a um dos fatos ocorridos na segunda-feira.

“O Estado deve ter muito cuidado”

Dom Alba disse que “o Estado também deve ser muito cuidadoso na forma como responde a essas situações. Não se pode dizer, como disse um ministro, que ‘há apenas quatro mortos’. Não. Um morto clama ao céu”.

O arcebispo se referiu assim às quatro pessoas que morreram durante os protestos e saques ocorridos na cidade andina de Huancayo nos últimos dias, onde os líderes dos caminhoneiros, que estão em greve em várias partes do país, rejeitaram a mediação do cardeal Pedro Barreto, arcebispo de Huancayo, e exigiram a presença do presidente Castillo.

Em relação aos mortos em Huancayo, o ministro da Defesa, José Gavidia, disse em 4 de abril que “há quatro mortos. Um morreu por não poder ser internado em um hospital, uma criança que caiu na ponte e dois por acidente de trânsito que foram atropelados pelos próprios veículos da greve. Não houve mais nada, são quatro”.

Devido aos protestos, as aulas presenciais foram suspensas nos dias 5 e 6 de abril, mas algumas escolas não funcionarão até o final da semana por causa do anúncio de novos protestos.

Dom Alba lembrou então “as manifestações contra o presidente (Manuel) Merino” em 2020 e que levaram à sua renúncia, “quando houve duas mortes e houve um grande escândalo. Agora com quatro mortes a mídia não reage da mesma forma. A violência sempre gera violência”.

Mais em

Castillo deve renunciar?

Quando perguntado se considera que Pedro Castillo deveria renunciar à presidência, o arcebispo de Arequipa disse que “temos que ser realistas e não é fácil para uma pessoa, um cidadão que com muito esforço se torna presidente, se afastar. Entendo que não lhe brote do coração”.

No entanto, sublinhou, “o que está ao seu alcance é convocar bons colaboradores, pessoas com experiência. Temos técnicos brilhantes, de nível internacional, pessoas que não respondem necessariamente a um jogo, que podem ser convocados”.

Alba lembrou que “como o próprio presidente declarou, é claro que ele não está preparado para ser presidente. Essa realidade toca nossos corações e é hora de colaborar com ele” com “muito bons profissionais que podem ser convocados”.

Convocar os melhores

Para isso, exortou o arcebispo, é preciso “deixar de lado as ideologias, o partidarismo e os interesses de pequenos grupos para convocar os melhores quadros como tem sido feito na seleção nacional: olha, já estamos com um pé na copa do mundo de futebol”.

Atualmente, lamentou, “é quase impossível encontrar um funcionário que não tenha algum tipo de antecedentes judiciais ou criminais, ou investigações ou violência familiar. Temos que começar pela qualidade ética e moral das pessoas”.

“Certamente houve uma mudança de funcionários, mas certamente a maioria não foi bem escolhida, porque se eles precisam ser retirados após uma semana é um sinal claro disso. Devemos deixar o partidarismo de lado e vestir a camisa do Peru”, destacou Alba.

O último dos muitos funcionários que deixaram o governo foi o ex-ministro da Saúde, Hernán Condori, a quem o Congresso censurou em 31 de março por sua incapacidade de ocupar o cargo.

Desde que assumiu o cargo em 7 de fevereiro, Condori foi duramente criticado por promover a "água da chuva", produto que não é considerado medicamento pelas autoridades de saúde, e por oferecer um método questionável de detecção precoce do câncer.

“Estamos retrocedendo muito e isso dói no coração, porque isso significa que existem milhares de famílias que não têm recursos para viver com dignidade. Há tantas escolas para refazer, reconstruir, hospitais. Isso clama ao Céu. Por que não trabalhamos juntos?”, questionou o arcebispo de Arequipa.

“Os bispos do Peru estão rezando muito para que essa situação seja superada”, disse

Para concluir, o arcebispo de Arequipa rezou para que "o Senhor derrube o muro em nossos corações e o Peru saia unido nesta Semana Santa".

Confira também: