Dagny Kjaergaard foi uma das figuras menos conhecidas, porém de maior influência na história recente da Igreja Católica pelo seu “papel fundamental” na elaboração do Catecismo promulgado pelo papa são João Paulo II em 1992.

Dagny Kjaergaard morreu no dia 8 de maio último no hospital Barmherziger Brüder, em Viena, na Áustria e era a mais antiga professora do instituto Katholische Hochschule, centro educativo teológico especializado em matrimônio e família, fundado também por são João Paulo II.

Alan Fimister, professor assistente de teologia e história da Igreja do Seminário Teológico de São João Vianney, em Denver, nos Estados Unidos, escreveu no jornal National Catholic Register sobre a vida da virgem consagrada que teve um “papel decisivo” na elaboração do Catecismo.

Dagny Kjaergaard nasceu em 1933, em Greifswald, na Alemanha. Seu pai era dinamarquês e luterano e sua mãe, alemã e católica. Com o regime nazista a família deixou a Alemanha e foi para a Dinamarca.

Dagny tinha apenas sete anos quando a Alemanha ocupou a Dinamarca, em abril de 1940. Depois da guerra, seus pais pensaram que sua ascendência alemã seria um problema para seus estudos. Por isso, ela foi batizada no protestantismo, mas matriculada em uma escola católica privada.

Segundo Fimister, seu encontro com o Santíssimo Sacramento no colégio foi uma experiência “totalmente transformadora para ela”, ao descobrir que era Jesus e que Ele a amava. Os que a viram “receber a Comunhão, ou venerar a relíquia da Santa Cruz ou de São Tomás de Aquino, podem dar testemunho da intensidade do amor que ardia nela por Cristo e seus santos”, afirmou Fimister.

Dagny se recusou a ser crismada no luteranismo e pediu ser recebida na Igreja Católica. Ela disse aos seus pais que, se a obrigassem a se confirmar luterana, ela “responderia: ´Não!´, tão alto quanto pudesse durante a cerimônia. Seus pais, muito assustados, cederam e permitiram que ela se tornasse católica”.

Fimister disse que, “antes de ser formalmente recebida, Dagny visitou Lourdes, e se consagrou como virgem com a idade de 14 anos, de forma privada”. Depois, “entrou para a Congregação das Carmelitas Descalças, na Bélgica, e professou os votos solenes”.

“Em 1965, foi enviada com um grupo de irmãs para fundar uma casa na Suécia. No entanto, sucedeu-lhes a terrível turbulência dos anos pós-conciliares. Como tantos religiosos, Dagny lutou para conciliar as normas e o carisma, com as arbitrárias novidades que lhe foi ordenado abraçar, supostamente em nome do Concílio”, afirmou Fimister.

Dagny teve “um desequilíbrio mental e sofreu um colapso”, tendo sido “enviada para fora do Carmelo para receber tratamento. Quando se recuperava por completo, disseram-lhe que uma recaída seria inevitável se regressasse ao convento”. Ela foi dispensada dos seus votos, mas continuou fiel ao seu voto de virgindade feito na adolescência.

Segundo Fimister, ela “se dedicou de certo modo à atividade missionária e ao estudo da teologia, primeiro na Bélgica, depois em Friburgo e, finalmente, em Roma, no Angelicum, onde terminou o seu doutorado em teologia”. No entanto, “estava ansiosa por reafirmar canonicamente seu estado de vida”.

Providencialmente, o papa Paulo VI restaurou a antiga forma de consagração de uma virgem vivendo no mundo em 1970. Dagny perguntou ao seu bispo se ele poderia acolher sua vocação, mas ele lhe respondeu que “era uma ideia muito antiquada”.

Pouco depois, Dagny encontrou-se casualmente com teve um encontro casual, em um ônibus na cidade de Roma, com o cardeal Joseph Ratzinger, futuro papa Bento XVI, que então era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Fimister conta que Dagny do cardeal e, ao descer do ônibus, decidiu segui-lo, apresentar-se e perguntar-lhe “se podia contar-lhe seus problemas”.

Ratzinger escreveu ao bispo com quem Dagny tinha conversado, “perguntando-lhe por que achava que a ideia da virgindade consagrada estava fora de moda” e pedindo-lhe para que ele mesmo pudesse consagrar Dagny Kjaergaard. Em 25 de março de 1989, Dagny foi consagrada “na abadia onde o cardeal Ratzinger fazia seu retiro anual”.

Fimister disse que a influência de Dagny Kjaergaard “sobre a Igreja é oculta, mas onipresente”, porque ela se envolveu na redação do Catecismo, sem nunca ter revelado os nomes das pessoas que o escreveram. “Sua mão está presente em toda parte”, mas ela “honrou até o túmulo” o segredo da “autoria exata de cada parte do Catecismo”, disse o professor. Ele contou que, como Dagny costumava contar algumas anedotas sobre o tema nos jantares com seus amigos, colegas e estudantes, eles descobriram o “papel decisivo e extenso que ela desempenhou naquele monumento do pontificado de João Paulo II”.

O Catecismo foi “preparado seguindo o Concílio Ecumênico Vaticano II”, promovido pelo papa são João Paulo II, com “a intenção de restaurar a certeza doutrinal para os fiéis, demonstrando que o ensinamento da Igreja permanece completo e ininterrupto desde Pentecostes, através dos 21 concílios ecumênicos e além”, escreveu Fimister. Segundo ele, a professora Dagny tinha a “pureza de visão e intenção” para participar naquela grande tarefa, na qual ela se envolveu por causa da sua amizade com o papa emérito, que lembra dela como "a tomista”, e com o cardeal Christoph Schönborn, depois arcebispo de Viena.

Fimister contou que, quando “o rascunho de uma seção muito importante [do Catecismo] chegou a Roma, Dagny ficou espantada com o que leu. Ficou acordada por muito tempo em oração fervorosa e, no dia seguinte, procurou Ratzinger no seu escritório”. Naquele encontro, o papa emérito perguntou-lhe: “´O que você achou?´ Ela hesitou, mas ele a animou a responder. ´Que esta não é a religião para a qual eu me converti´, respondeu [Dagny]. ´Que alivio´ [disse Ratzinger]. Sorriu e jogou o texto fora. ´Não vamos ouvir mais sobre isso´, [disse o cardeal]”.

Depois, “um ex-professor dominicano de Dagny foi chamado para escrever uma nova versão [do Catecismo]” e, “anos depois, transmitiram-lhe uma queixa de que o Catecismo dizia muito pouco sobre o mistério da predestinação”. Ela levou o assunto muito a sério e, depois de ler os debates relacionados com o tema, concluiu que os dominicanos tinham razão.

“Isto refletiu a graça especial que lhe foi dada por seu trabalho e que, ao que parece, persistiu com o tempo. Quando o Catecismo foi concluído, Dagny assumiu o cargo de professora no Instituto Teológico Internacional na Áustria, fundado por João Paulo II em 1996”, disse Fimister.

A professora, que viveu seus últimos anos em uma torre do instituto, “era profundamente amada e os estudantes apreciavam muito seu olfato para a heresia”, afirmou Fimister. Ele contou que “uma estudante, que costumava ajudá-la a limpar seu quarto, lembrou que seus livros estavam ordenados em círculos concêntricos”: os livros mais ortodoxos, como “as Escrituras e os de São Tomás, estavam em sua escrivaninha. Os livros dos teólogos mais duvidosos, nos cantos mais afastados do apartamento”.

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Fimister relatou que, sempre que um palestrante visitava o instituto, Dagny “se sentava na primeira fila e se apoiava na sua bengala, escutando com atenção. Se o orador começasse a mostrar sinais de desvio da ortodoxia, ela franzia a testa”, inconscientemente. “Se, em algum momento, ele se desviava da suspeita turva para a heresia absoluta, Dagny explodia, golpeava o chão com sua bengala e gritava: ´Não!´ Nunca ficou claro se ela estava consciente de disso, mas era muito desconcertante para o orador. Os alunos adoravam”, acrescentou.

Com os anos, Dagny começou a necessitar de muita atenção. Ela era atendida pelos “seus estudantes e pela família do capelão do Instituto, o padre Jurai Terek”, até a sua morte em Viena, causada por uma “breve doença”.

Dagny foi enterrada atrás da igreja de Trumau, onde agora está a sede do instituto.

Apesar de ser a professora mais velha, seus colegas e alunos lembram dels como uma pessoa com grande senso de humor e, sobretudo, forte compromisso na defesa séria da verdade e da Igreja Católica, afirmou a Katholische Hochschule na sua página na internet.

Para Fimister, “a lendária Dra. Kjaergaard” parecia “uma velha matriarca temível de uma aldeia nórdica na época dos vikings”, mas vista como uma mulher “cordial, amorosa” e caridosa com os outros.

A morte significava para Dagny o cumprimento do seu maior anseio: encontrar-se “cara a cara” com o Senhor. O Instituto afirmou que “ela costumava dizer: ´Meu verdadeiro casamento será minha morte; logo, poderei ver realmente o meu noivo´”.

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