Peritos canoístas consultados pela ACI Prensa, alguns do Paraguai, que preferiram não identificar-se, confirmaram a ACI Prensa que, do ponto de vista do Código de Direito Canônico –a lei que rege todo católico– Dom Fernando Lugo se encontra em situação de rebeldia contra a Igreja Católica e está canonicamente impedido de participar de política.

Os fatos

Dom Fernando Lugo renunciou no ano 2005 como Bispo da Diocese de São Pedro, adquirindo assim o título de Bispo Emérito. No ano 2006, no dia 29 de março, o Prelado liderou uma manifestação cidadã em Asunción, e a partir de então, começou a realizar atos de caráter político, uma vez que o Presidente do Partido "Pátria Querida", Pedro Fadul Niella ofereceu liderar um "acordo nacional" a fim de ter uma só candidatura presidencial a ser apresentada nas eleições de 2008.

Em que pese que o Prelado já preparava uma carta pedindo sua liberação do estado clerical, que seria apresentada à Santa Sé em 18 de dezembro de 2006; não teve nenhum problema em participar como Bispo na Festa de Nossa Senhora de Caacupé no dia 8 de dezembro.

Em 21 de dezembro, Dom Lugo recebeu uma carta enviada pelo Cardeal Giovanni Battista Re, Prefeito da Congregação para os Bispos, em que o convidava a não aceitar a candidatura a Presidente da República do Paraguai, advertindo que em caso contrário seria imposta, "como primeiro passo, a pena canônica da suspensão, que proíbe os ministros sagrados todos os atos da potestade de ordem e de jurisdição, prevista no Canon 1333, § 1."

Ignorando esta advertência, Dom Lugo declarou publicamente em 25 de dezembro de 2006 que ficava a disposição da cidadania ingressando oficialmente na política para servir através dela.

Nos dia 4 de janeiro, o Cardeal Giovanni Battista Re respondeu oficialmente à carta apresentada por Dom Lugo em 18 de dezembro. O Cardeal assinalava que a Santa Sé não aceitava os argumentos expostos e que " o Santo Padre não vê possibilidade de acolher a solicitação de demissão do estado clerical apresentada por Sua Excelência", convidando-o a permanecer fiel a sua vocação divina e a sua missão apostólica.

Como Dom Lugo continuou com sua atividade política, a Congregação para os Bispos emitiu um comunicado no dia 20 de janeiro de 2007 decretando a Suspensão a Divinis do Prelado, expressando com toda clareza que "com esta sanção penal Vós permaneceis no estado clerical e continuais obrigado aos deveres a eles inerentes, embora suspenso no exercício do ministério sagrado".

A Conferência Episcopal Paraguaia emitiu um Comunicado aceitando a decisão da Sagrada Congregação dos Bispos, sem maiores comentários.

Respostas do Vaticano

Os canoístas recordam que o Canon 287 do Código de Direito Canônico dispõe que os clérigos " não têm que participar ativamente nos partidos políticos nem na direção de associações sindicais, a não ser que segundo o julgamento da autoridade eclesiástica competente, exijam-no a defesa dos direitos da Igreja ou a promoção do bem comum".

Dom Lugo argumentou a promoção do bem comum para deixar de ser Bispo, ao que a Santa Sé em sua nota de 4 de janeiro de 2007, respondeu: "Vós citais o Canon 287, § 2 do Código de Direito Canônico para poder assumirdes diretamente o empenho político, mas a exceção à proibição geral prevista em tal Canon não é aplicável em vosso caso".

"A colaboração do Bispo –segue a carta do Vaticano– em procurar o bem da sociedade civil deve ser desempenhada sempre em modo pastoral, atuando como padre, irmão e amigo e ajudando com seu ministério a construir caminhos de justiça e de reconciliação, como está justamente destacado pela Exortação Apostólica ' Pastores gregis'".

Além disso, a carta do Cardeal Re explica a Dom Lugo: "à luz de tais considerações, vós compreendeis quanto o serviço de um bispo é diverso daquele de quem desempenha funções políticas. Vós justamente observais que também a política é uma forma de caridade, mas ela tem um rol, leis e finalidades próprias, bem distintas da missão de um bispo, chamado a iluminar com o Evangelho em todos os âmbitos da sociedade e a formar as consciências. A tarefa do bispo é a de anunciar a esperança cristã, para defender a dignidade de cada homem, para tutelar e proclamar com firmeza aqueles valores, que o Santo Padre definiu 'não negociáveis'".

Outro dos argumentos utilizado por Dom Lugo é o previsto no Canon 187 que estabelece que "o que se acha em seu são julgamento pode, com causa justa, renunciar a um ofício eclesial".

A este argumento o Cardeal Prefeito da Congregação dos Bispos responde: "em sua carta, citando o Canon 187, Sua Excelência 'renuncia ao ministério eclesial' para 'retornar à condição de laico na Igreja'. Tal Canon não é congruente com sua solicitação, assim que se refere à renúncia 'a um ofício eclesial', que é algo muito diverso do estado de vida clerical originado na sagrada ordenação".

"Vós sabeis bem –diz a carta– que a sagrada ordenação uma vez recebida validamente não pode nunca ser anulada e não pode ser nem sequer suspensa 'ad tempos', quanto à Sacramento da Ordem imprime um caráter indelével (Canon 1008) e permanente".

Falam os peritos

Os peritos consultados pela ACI Prensa recordam que o Canon 290 expressa que "uma vez recebida validamente, a ordenação sagrada nunca se anula. Entretanto, um clérigo perde o estado clerical: 1) por sentença judicial ou decreto administrativo, onde se declare a invalidez da sagrada ordenação; 2) pela pena de demissão legitimamente imposta; 3) por rescrito da Sé Apostólica, que somente se concede, pela Sé Apostólica, aos diáconos, quando existem causas graves; aos presbíteros, por causas muito graves".

A respeito, assinalam que tal Canon torna evidente que a suspensão do estado clerical "nunca é concedida aos bispos, assim que a plenitude do sacerdócio recebido na ordenação episcopal obriga em grau máximo à fidelidade a Cristo e à Igreja por toda a vida, como também obriga à coerência com as obrigações livremente assumidas na ordenação presbiterial, e ainda mais na ordenação episcopal".

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Esta é a razão canônica irrefutável pela qual, dizem os peritos, o Cardeal Re conclui de maneira inegociável: "cumpro com o dever de comunicar que o Santo Padre não vê possível acolher a solicitação de demissão do estado clerical apresentada por Sua Excelência".

Os canoístas assinalam também que a suspensão a divinis de Dom Lugo promulgada pelo decreto de 20 de janeiro de 2007 mostra claramente que "com esta sanção penal Vós permaneceis no estado clerical e continuais estando obrigado aos deveres a ele inerentes, embora suspenso no exercício do Ministério Sagrado".

Portanto "dado que segue sendo clérigo com grau de Bispo Emérito da Igreja Católica; continua obrigado a todos os deveres a ele inerentes", explicam os peritos consultados pela ACI Prensa.

Dom Lugo " perdeu direitos mas não obrigações. A única forma em que perde seus direitos e obrigações é pela interdição, que é quase uma excomunhão, e pela excomunhão do Corpo Místico. Também fica desligado de toda obrigação e direitos se decide apostatar da fé", adicionam os canoístas.

Mais ainda, como Bispo, segue sendo Ministro da Igreja Católica; e portanto, está impedido canonicamente de cumprir qualquer função política.

O mesmo feito de ser ministro da Igreja católica é, segundo os mesmos peritos, motivo de impedimento para participar como candidato segundo as leis vigentes no Paraguai.