No meio dia de 25 de dezembro, Dia de Natal,  o Papa Bento XVI  pronunciou sua saudação natalina em 62 línguas junto com sua bênção “Urbi et Orbi” –à Cidade e ao Mundo-, ao mesmo tempo que   pronunciou um comovedor chamado à conversão dos homens ao Salvador e à paz nas regiões mais conflitivas do mundo.

 

O Santo Padre fez um enérgico chamado para destacar que o homem do nosso tempo, marcado por surpreendentes avaços tecnológicos, não respondeu ainda a seus desejos mais profundos, e precisa mais do que nunca de Deus, porque ainda morre de fome e sede, de consumismo desenfreado e de vazio interior; e por isso desta humanidade surge, mais do que nunca, um dilacerador chamado espiritual que evidencia que o homem é o mesmo de sempre, em necessidade de ser salvado.

A partir desta afirmação, o Pontífice lançou um chamado específico pela Paz na Terra Santa, no Líbano, no Iraque e em Sri Lanka, entre outros.

Esta é a mensagem completa pronunciada pelo Santo Padre:

 

"Salvator noster natus est in mundo" (Missal Romano).

 

"Nosso Salvador nasceu no mundo"! Esta noite, mais uma vez, escutamos nas nossas igrejas este anúncio que, através dos séculos, conserva inalterado seu frescor. É um anúncio celestial que convida a não ter medo porque surgiu uma "grande alegria para todo o povo" (Lc 2,10). É um anúncio de esperança porque dá a conhecer que, naquela noite faz mais de dois mil anos, "na cidade de Davi, nasceu-vos um Salvador: o Messias, o Senhor" (Lc 2,11). Então, aos pastores acampados na colina de Belém, a nós, habitantes deste nosso mundo, o Anjo do Natal repete: "nasceu o Salvador; nasceu para vós. Vende, vende adorá-lo!".

Mas, tem ainda valor e sentido um "Salvador" para o homem do terceiro milênio? É ainda necessário um "Salvador" para o homem que alcançou a Lua e Marte, e se dispõe a conquistar o universo; para o homem que investiga sem limites os segredos da natureza e consegue decifrar até os fascinantes códigos do genoma humano? Necessita um Salvador o homem que inventou a comunicação interativa, que navega no oceano virtual de internet e que, graças às mais modernas e avançadas tecnologias da mídia, converteu a Terra, esta grande casa comum, em uma pequena aldeia global? Este homem do século vinte e um, artífice auto-suficiente e seguro da própria sorte, apresenta-se como produtor entusiasta de êxitos indiscutíveis.

O pareceria, mas não é assim. morre ainda de fome e de sede, de enfermidade e de pobreza neste tempo de abundância e de consumismo desenfreado. Ainda existem aqueles que estão escravizados, explorados e ofendidos em sua dignidade, que são vítimas do ódio racial e religioso, e se vêem impedidos de professar livremente sua fé por intolerâncias e discriminações, por ingerências políticas e coações físicas ou morais. Existem aqueles que vêem seu corpo e o dos próprios seres queridos, especialmente crianças, destroçados pelo uso das armas, pelo terrorismo e por qualquer tipo de violência em uma época em que se invoca e proclama em qualquer parte o progresso, a solidariedade e a paz para todos. O que se pode dizer daqueles, sem esperança, vêem-se obrigados a deixar sua casa e sua pátria para procurar em outros lugares condicione de vida dignas do homem? O que se pode fazer para ajudar aos que, enganados por fáceis profetas de felicidade, aos que são frágeis em suas relações e incapazes de assumir responsabilidades estáveis diante do seu presente e do seu futuro, encaminham-se pelo túnel da solidão e acabam freqüentemente escravizados pelo álcool ou a droga? O que se pode pensar de quem escolhe a morte acreditando que elogia a vida?

Como não perceber que, precisamente do fundo desta humanidade prazenteira e  desesperada, surge um dilacerador pedido de ajuda? É Natal: hoje entra no mundo "a luz verdadeira, que ilumina a todo homem" (Jo 1, 9). "A Palavra se fez carne, e acampou entre nós" (ibid. 1,14), proclama o evangelista João. Hoje, precisamente hoje, Cristo vem de novo "entre os seus" e aos que o acolhem lhes dá "poder para ser filhos de Deus"; quer dizer, oferece-lhes a oportunidade de ver a glória divina e de compartilhar a alegria do Amor, que em Belém se fez carne por nós. Hoje, também hoje, "nosso Salvador nasceu no mundo", porque sabe que o necessitamos. Apesar de tantas formas de progresso, o ser humano é o mesmo de sempre: uma liberdade tensa entre bem e mal, entre vida e morte. É precisamente em sua intimidade, no que a Bíblia chama o "coração", onde sempre precisa ser salvado. E na época atual post-moderna necessita possivelmente ainda mais de um Salvador, porque a sociedade em que vive se tornou mais complexa e se tornaram mais insidiosas as ameaças para sua integridade pessoal e moral. Quem pode defendê-lo a não ser Aquele que o ama até sacrificar na cruz a seu Filho unigênito como Salvador do mundo?

"Salvator noster", Cristo é também o Salvador do homem de hoje. Quem fará ressonar em cada canto da Terra de maneira acreditável esta mensagem de esperança? Quem se ocupará de que, como condição para a paz, se reconheça, proteja e promova o bem integral da pessoa humana, respeitando a todo homem e toda mulher em sua dignidade? Quem ajudará a compreender que com boa vontade, racionalidade e moderação, não só se pode evitar que os conflitos se agravem, mas também os conduz para soluções eqüitativas? Neste dia de festa, penso com grande preocupação na região do meio Oriente, provada por numerosos e graves conflitos, e espero que se abra a uma perspectiva de paz justa e duradoura, respeitando os direitos inalienáveis dos povos que a habitam. Confio ao divino Menino de Belém os indícios de um reatamento do diálogo entre israelitas e palestinos que observamos estes dias, assim como a esperança de ulteriores desenvolvimentos reconfortantes. Confio em que, depois de tantas vítimas, destruições e incertezas, reviva e progrida um Líbano democrático, aberto aos outros, em diálogo com as culturas e as religiões. Faço uma chamada aos que têm em suas mãos o destino do Iraque, para que cesse a feroz violência que ensangüenta o país e se assegure uma existência normal a todos seus habitantes. Invoco a Deus para que em Sri Lanka, nas partes em luta, se escute o desejo das populações de um futuro de fraternidade e solidariedade; para que em Dafur e em toda a África se terminem os conflitos fraticidas, cicatrizem logo as feridas abertas na carne desse continente e se consolidem os processos de reconciliação, democracia e desenvolvimento. Que o Menino Deus, Príncipe da paz, faça que se extingam os focos de tensão que fazem incerto o futuro de outras partes do mundo, tanto na Europa como na América Latina.

"Salvator noster": Esta é nossa esperança; este é o anúncio que a Igreja faz ressonar também neste Natal. Com a encarnação, recorda o Concílio Vaticano II, o Filho de Deus se uniu em certo modo a cada homem (cf. Gaudium et spes, 22). Por isso, já que o Natal da Cabeça é também o nascimento do corpo, como ensinava o Pontífice São Leão Magno, podemos dizer que em Belém nasceu o povo cristão, corpo místico de Cristo no qual cada membro está unido intimamente ao outro em uma total solidariedade. Nosso Salvador nasceu para todos. Temos que proclamá-lo não só com as palavras, mas também com toda nossa vida, dando ao mundo o testemunho de comunidades unidas e abertas, nas que reina a irmandade e o perdão, a acolhida e o serviço recíproco, a verdade, a justiça e o amor.

Comunidade salva por Cristo. Esta é a verdadeira natureza da Igreja, que se alimenta de sua Palavra e de seu Corpo eucarístico. Só redescobrindo o dom recebido, a Igreja pode testemunhar a todos a Cristo Salvador; terá que fazê-lo com entusiasmo e paixão, no pleno respeito de cada tradição cultural e religiosa; e fazê-lo com alegria, sabendo que Aquele a quem anuncia nada tira do que é autenticamente humano, mas o leva a seu cumprimento. Na verdade, Cristo deve destruir somente o mal, só o pecado; o resto, todo o resto, o eleva e aperfeiçoa. Cristo não nos põe a salvo de nossa humanidade, mas através dela; não nos salva do mundo, mas veio ao mundo para que o mundo se salve por meio Dele (cf. Jo 3,17).

Queridos irmãos e irmãs, em qualquer lugar que vos encontreis, que chegue até vós esta mensagem de alegria e de esperança: Deus se fez homem em Jesus Cristo; nasceu da Virgem María e renasce hoje na Igreja. Ele é quem leva a todos o amor do Pai celestial. Ele é o Salvador do mundo! Não temais, abri-lhe o coração, acolhei-o, para que seu Reino de amor e de paz se torne herança comum de todos. Feliz Natal!