Em 27 de maio de 2021, foi divulgada a notícia de que sepulturas sem identificação contendo os restos mortais de crianças indígenas foram descobertas no terreno de uma antiga escola residencial na Colúmbia Britânica.

A escola residencial indígena Kamloops, que funcionou do final do século XIX ao final da década de 1970, era uma das escolas instaladas pelo governo do Canadá para assimilar à força crianças indígenas. Algumas dessas escolas, como a Kamloops, eram administradas por instituições católicas.

Mais de um ano depois da divulgação da notícia, nenhum corpo foi descoberto no local. Não está claro se as sepulturas realmente existem.

O tema das escolas residenciais é uma das razões da viagem penitencial do papa Francisco ao Canadá. Ao se desculpar pelo papel da Igreja Católica na operação do sistema escolar residencial patrocinado pelo governo do Canadá, o papa lamentou a “destruição cultural e assimilação forçada” infligida aos povos indígenas do país. As crianças indígenas foram retiradas de suas famílias e proibidas de falar suas línguas nativas.

Como “ponto de partida”, o papa pediu “uma investigação séria sobre os fatos do que aconteceu no passado e para ajudar os sobreviventes das escolas residenciais a experimentar a cura dos traumas que sofreram”.

Na raiz da controvérsia está como os supostos locais de sepultamento foram descobertos. O radar de penetração no solo captou imagens, mas ainda não foi determinado se essas imagens mostram de fato sepulturas.

O anúncio dos resultados dos testes de radar foi feito com a ressalva de que era uma descoberta “preliminar”. A imprensa e os políticos, porém, exploraram a história de que valas comuns tinham sido achadas no local de uma antiga escola residencial.

“No fim de semana passado, com a ajuda de um especialista em radar de penetração no solo, a verdade absoluta das descobertas preliminares veio à tona – a confirmação dos restos mortais de 215 crianças que eram estudantes da Escola Residencial Indiana de Kamloops”, disse a chefe Rosanne Casimir, da Tk'emlúps te Secwépemc, um órgão governamental dos indígenas canadenses, depois do anúncio inicial.

“Restos mortais de 215 crianças encontrados na antiga escola residencial Kamloops”, disse uma manchete do jornal Vancouver Sun. O início da história dizia: “Um indígena da Columbia Britânica confirmou que os restos mortais de 215 crianças que eram estudantes da Escola Residencial Indígena Kamloops foram encontrados na reserva usando um radar de penetração no solo”.

A história da agência de notícias Associated Press naquela semana fez os resultados do radar parecerem definitivos: “Os restos mortais de 215 crianças, algumas de apenas três anos de idade, foram encontrados enterrados no local do que já foi a maior escola residencial indígena do Canadá – uma das instituições que mantinham crianças tiradas de famílias de todo o país”.

O primeiro-ministro Justin Trudeau usou termos parecidos na declaração que fez no dia seguinte ao anúncio dos resultados da pesquisa: “A notícia de que restos mortais foram achados na escola residencial Kamloops parte meu coração. É um doloroso lembrete daquele capítulo escuro e vergonhoso da história do nosso país. Penso em todos os afetadas por essa notícia inquietante. Estamos aqui por vocês’

Em sua matéria sobre o que qualificou como “descoberta macabra”, o jonral The New York Post chamou o local do suposto sepultamento “vala comum”.

“Uma vala comum cheia de restos mortais de 215 crianças indígenas, algumas com apenas três anos, foi encontrada no terreno de uma antiga escola residencial no Canadá que era conhecida por abuso físico, emocional e sexual, segundo relatos na sexta-feira”, disse o Post.

Em uma história publicada em 7 de junho de 2021, intitulada “Como Milhares de Crianças Indígenas Desapareceram no Canadá”, o jornal The New York Times relatou: “Os restos mortais de mais de mil pessoas, principalmente crianças, foram descobertos no terreno de três antigas escolas residenciais em duas províncias canadenses desde maio”.

Jacques Rouillard, professor emérito do Departamento de História da Universidade de Montreal, tem dúvidas sobre a validade das provas. O radar de penetração no solo pode ter detectado algo, mas não necessariamente cemitérios, sugeriu ele em um artigo para a Dorchester Review, revista de história publicada no Canadá.

Rouillard sustentou que, no caso da escola residencial de Kamloops, o radar de penetração no solo pode nos dizer pouco sobre o que está realmente sob o solo.

“Ao não dizer que se trata de especulação ou possibilidade, e que ainda não foram encontrados vestígios, os governos e a mídia estão apenas dando crédito ao que é realmente uma tese: a tese do 'desaparecimento' de crianças de escolas residenciais”, escreveu ele.

Segundo o historiador, Sarah Beaulieu, a antropóloga que realizou os testes iniciais de radar, tentou conter a mídia em uma coletiva de imprensa em 15 de julho de 2021.

“Precisamos tomar u pouco de cuidado e dizer que são 'possíveis sepultamentos', são 'objeto de interesse', com certeza”, disse Beaulieu, acrescentando que os locais “têm várias marcas que parecem de enterros”, mas que “precisamos dizer que são possíveis, até que se escave”.

“Tudo se baseia apenas em anormalidades do solo que podem ser facilmente causadas por movimentos de raízes, como advertiu a própria antropóloga”, escreveu Rouillard.

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Pouco depois de a história de Kamloops ser divulgada, uma segunda história ganhou as manchetes: o radar de detecção de solo havia descoberto 751 túmulos na Marieval Indian Residential School, em Saskatchewan.

O New York Times usou o termo “vala comum” para descrever o que foi encontrado.

Os líderes indígenas, no entanto, deixaram claro que não havia valas comuns no local de Marieval. O chefe indígena Cadmus Delorme disse à CBC News: "Não é uma vala comum. São sepulturas sem identificação".

O jornalista Terry Glavin destacou no National Post que as sepulturas foram detectadas porque ali existia um cemitério, um cemitério católico ligado à Missão do Imaculado Coração de Maria em Marieval. Isso, escreveu Gavin, era a provável explicação para as 751 sepulturas detectadas.

Novos estudos ou escavações podem esclarecer a situação. Em maio, o New York Post informou que não houve escavações em Kamloops, e que não há datas anunciadas para o início de uma escavação.

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