O Código de Direito Canônico, reformado em 1983, define dois tipos de consistórios de cardeais: ordinário e extraordinário. Um consistório extraordinário é celebrado em casos particulares e todos os cardeais do mundo são chamados a participar. Um consistório comum ocorre quando o papa precisa do conselho dos cardeais sobre alguma questão importante, ou para dar solenidade a uma decisão papal, como a aprovação de canonizações.

A última vez que o papa Francisco convocou um consistório extraordinário foi em fevereiro de 2015. Agora que a nova constituição da Santa Sé, Praedicate evangelium, foi publicada, o papa está mais uma vez chamando os cardeais a Roma para um consistório extraordinário.

É o encerramento de um ciclo. A reunião de 2015 foi realizada antes do consistório para a criação de novos cardeais. O consistório extraordinário de 29 e 30 de agosto, dedicado à discussão da constituição, acontecerá depois de um consistório para a criação de novos cardeais.

O papa Francisco só convocou um outro consistório extraordinário desde sua eleição em 2013: a reunião de 22 de fevereiro de 2014, focada na família. Ela começou com um discurso do teólogo alemão Walter cardeal Kasper, que serviu de base para as discussões no Sínodo dos Bispos sobre a Família de 2014 e 2015.

Entre 2015 e 2022, muitas coisas mudaram. Em primeiro lugar, no Colégio dos Cardeais. Em 2015, o Papa Francisco havia criado 15 cardeais eleitores e cinco não eleitores. Em consistórios posteriores, ele criou outros 73 cardeais, incluindo 48 eleitores.

Depois do consistório de agosto, dos 132 cardeais eleitores 62% terão sido criados pelo papa Francisco. Muitos deles não tiveram a oportunidade de falar uns com os outros.

Enquanto isso, o papa Francisco trabalhou em uma reforma da Cúria que também mudou muito ao longo do tempo. Para entender as mudanças, é preciso voltar ao consistório extraordinário de 2015, do qual participaram 164 cardeais de todo o mundo.

O padre Federico Lombardi, então diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, informou que o consistório extraordinário de 2015 começou com um relatório muito amplo sobre questões econômicas. O cardeal George Pell, então prefeito da Secretaria para a Economia, falou, assim como o cardeal Reinhard Marx, presidente do Conselho para a Economia, e outras figuras envolvidas na reforma financeira da Santa Sé.

No dia seguinte, houve um relatório do Conselho dos Cardeais, então conhecido como C9, sobre a reforma da Cúria e um discurso sobre a coordenação interna da Cúria. O Cardeal Seán O'Malley falou então sobre a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, que tinha acabado de ser criada.

Nos anos seguintes, a reforma financeira da Santa Sé teve avanços e recuos, o que refletiu a discussão no consistório de 2015. Discutiu-se então a autonomia financeira dos departamentos da Santa Sé, assim como quais departamentos manteriam um grau de independência por causa de sua natureza particular, como a Secretaria de Estado e a Congregação para a Evangelização dos Povos.

No final, porém, depois de muitas tentativas e erros, o papa Francisco levou à frente as reformas que tinha em mente. E talvez tenham sido precisamente as discussões daqueles dias, que alguns não hesitaram em chamar de “resistência”, que o levaram fazer a reforma sem consultar o Colégio dos Cardeais.

O padre Lombardi disse que houve “um certo consenso” sobre a possibilidade de implementação parcial de alguns aspectos específicos da reforma, “sem esperar a conclusão de todo o trabalho”. Foi o que aconteceu. Mas o uso do consistório como uma espécie de “conselho consultivo papal”, como o papa havia procurado fazer no início de seu pontificado, foi suspenso.

Os consistórios tiveram uma importância particular na Idade Média. Eles funcionavam às vezes como um corpo governante, às vezes como um tribunal. O papa Inocêncio III (1160/61-1216) chegou a convocar três reuniões dos cardeais por semana.

Após a reforma da cúria do Papa Sisto V no século XVI, os consistórios perderam o peso do governo. Os cardeais ajudaram o papa a governar a Igreja por meio do trabalho nas congregações da Santa Sé, e os consistórios foram convocados para adicionar solenidade a momentos importantes da vida da Igreja.

O consistório assumiu uma importância renovada depois do Concílio Vaticano II (1963-1965). No livro Paulo VI: Eu vi, eu acreditei, o padre Gianfranco Grieco disse que Paulo VI sempre queria os cardeais reunidos em consistório na volta de uma viagem internacional, para trocar com eles as primeiras impressões da visita.

São João Paulo II convocou seis consistórios extraordinários durante seus quase 27 anos de pontificado, entre 1978 2005, para discutir temas como a renovação da Cúria, da Igreja e da cultura, as ameaças contra a vida e o desafio das seitas.

Durante esses encontros, os cardeais aproveitaram a oportunidade para se conhecer, conversar e entender o modo de pensar um do outro. Os encontros eram oportunidades de troca, não apenas de discussão. Essas oportunidades não ocorreram nos últimos sete anos.

O consistório extraordinário em agosto, portanto, terá impacto no próximo conclave. Mas o que os cardeais têm a dizer durante as discussões formais provavelmente não terá muito peso. A reforma da Cúria já foi concluída e promulgada.

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