“É inaceitável que uma sentença judicial atropele a decisão soberana de uma sociedade civil organizada que permanece discutindo para si a moralidade comum da defesa do nascituro – acima de valores religiosos, pois somos um Estado laico, mas não prescindindo destes – para que sejamos considerados não um aglomerado de convicções e sentimentos individuais, mas uma nação com história e com perspectivas de manter a dignidade humana”, disse padre Otávio Juliano de Almeida, após uma decisão judicial em Belo Horizonte (MG), que autorizou o aborto de um bebê de seis meses de gestação devido a uma anomalia na bexiga.

O tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou nesta semana que o juiz Marcelo Paulo Salgado, da 36ª Vara Cível de Belo Horizonte, autorizou o aborto do bebê de seis meses de gestação que foi diagnosticado com uma anomalia chamada megabexiga, que pode causar problemas renais e má-formação do pulmão.

Em entrevista à ACI Digital, padre Otavio de Almeida, também de Belo Horizonte, doutor em Bioética e mestre em Teologia Moral, primeiramente se solidarizou “como cristão com o sofrimento do casal, dos parentes e amigos”. “Nenhuma gravidez é sonhada para ser feita com dor ou frustração, muito menos com a sua interrupção”, disse, ao destacar “o quanto uma gravidez é um sonho e uma bênção para todos”.

O sacerdote recordou que, “se o casal em questão é cristão”, “que o discernimento da sua consciência precisa levar em consideração não apenas uma autonomia decisional, mas valores que são universais e absolutos, e a vida nascente é completamente desprotegida e precisa da nossa tutela como o fez o Cristianismo desde o seu nascimento”.

“Somos o que somos, pela graça de Deus que mostrou que a dignidade da vida humana e do corpo humano são fundadas na Encarnação de Jesus, que foi embrião, feto, nascituro e plenamente humano”, disse o padre.

Por outro lado, “se o casal não for cristão”, disse, “ainda é preciso recordar que devem existir na sociedade civil organizada mínimos morais que garantam que o ser humano absolutamente desprotegido seja tutelado”. Padre Almeida recordou o combate a “mazelas sociais que desprezam a carne humana”, como “assassinatos, roubos, chacinas, desprezo pela fome, miséria, saúde publica, o desemprego e tantas outras chagas”, que “devem ser denunciadas e combatidas por todos que se declaram ‘pró-vida, crentes ou ateus, porque humanos somos todos e estas não são situações menos importantes”.

Entretanto, destacou que “apenas o que diferencia o aborto destas mazelas é a absoluta incapacidade do embrião e do nascituro de se defender e dizer uma única palavra”. Portanto, disse, “somos nós todos que já fomos humanos neste momento do crescimento celular e corporal que devemos buscar no coração o sentimento necessário para se solidarizar, se colocar no lugar do outro, como na parábola do samaritano, que desce ao chão e cura as feridas do caído”.

Em sua decisão, o juiz argumentou que é “irrefutável o sofrimento psicológico a que estaria submetida a mãe e a inutilidade da exposição ao risco de vida ou de sequelas à sua saúde, ante a perspectiva nula de sobrevida do nascituro ou, em caso de sobrevida, a mínima expectativa de vida e sofrimento causado ao ser humano”.

Para padre Otavio de Almeira, é preciso “perguntar se o mesmo ordenamento jurídico que tutela tantas outras situações vexatórias para o ser humano pretende alegar que o sofrimento psíquico individual – ainda que digno de consideração – seja superior ao valor coletivo de um bem que iguala a todos na mesma carne”.

O sacerdote também afirmou que “é contraditória toda uma sociedade que protege o direito dos animais (importante e muito maravilhoso, e ainda necessário de ser aprofundado), cuidando de preservações de espécies em extinção como as tartarugas, dentre mil outros exemplos, bem como a infinita quantidade de reportagens, situações onde os animais domésticos são valorizados como saudáveis companheiros das famílias em geral e não conseguir ser amoroso, próximo e solidário com o embrião e o nascituro”. Segundo ele, “é uma contradição que vai além da esfera religiosa, seja cristã católica ou protestante, mas atenta a própria lógica da sobrevivência”.

“Como Igreja precisamos continuar mostrando estas contradições do nosso próprio povo, seja na legislação, no parlamento ou na opinião pública, e pedir que todos atentem ao valor inegociável da vida nascente desprotegida”, concluiu.

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