O governo americano suspendeu as restrições ao mifepristone, medicamento aprovado para uso em abortos medicamentosos, na quinta-feira.

A decisão da Food and Drug Administration (Administração de alimentos e drogas, FDA, órgão do governo federal dos EUA) autoriza os médicos a prescrever os medicamentos online e enviar os comprimidos pelo correio, permitindo que as mulheres façam abortos precoces, até a 10ª semana de gestação, sem sair de casa.

A FDA aprovou o uso do mifepristone, combinado ao misoprostol, para abortos em 2000. Agora, a FDA anunciou duas mudanças: "Remoção do requisito de que o mifepristone seja dispensado apenas em certas instalações de saúde, especificamente clínicas, consultórios médicos e hospitais", e "adição de um requisito de que as farmácias que fornecem o medicamento sejam certificadas.”

O tipo de aborto em que se usa o mifepristone é conhecido também como aborto por pílula, aborto químico, aborto medicamentoso e aborto por telemedicina.

Defensores do aborto apontam o aborto químico como solução para driblar legislação de Estados que restringem o aborto. Uma dessas leis, do Estado do Mississipi, está sendo julgada pela Suprema Corte dos EUA num caso que pode derrubar, Roe x Wade, a decisão de 1973 que liberou o aborto em todo o país.

Grupos pró-vida enfatizam que esse tipo de aborto não é seguro nem para a mulher nem para o filho que ainda não nasceu.

De acordo com o mais recente relatório de Vigilância do Aborto do Centro de Controle de Doenças dos EUA, "abortos médicos precoces" representaram 42,3% dos abortos de 2019.

Segundo o Instituto Guttmacher, organização de pesquisa sobre reprodução antes associada à multinacional de aborto Planned Parenthood, 32 dos 50 Estados dos EUA que médicos administrem o aborto medicamentoso, dois Estados proíbem o aborto medicamentoso após um certo número de semanas e 19 Estados dizem que um médico deve estar fisicamente presente quando as pílulas são administradas.

O FDA alega em seu site que "os dados sustentam a modificação” do controle sobre o uso do mifepristone “para reduzir a dificuldade de acesso do paciente e do fornecimento pelo sistema de saúde, e para garantir que os benefícios do produto superem os riscos".

No ano passado, um tribunal distrital federal impediu a FDA de aplicar a regra de que as mulheres que buscam o aborto devem receber o mifepristone pessoalmente, e não pelo correio. A ação foi movida pela American Civil Liberties Union (ACLU), que alugou risco desnecessário de exposição à Covid-19 para as mulheres que fossem pegar a pílula pessoalmente.

Em janeiro, ainda sob a presidência de Donald Trump, a Suprema Corte deferiu o pedido do FDA de restaurar a exigência. Três meses depois, já sob a presidência de Joe Biden, o FDA suspendeu de novo a regra durante a pandemia.

A ação do FDA atraiu críticas de líderes católicos e grupos pró-vida.

“Toda vida é sagrada: a vida das mães e a vida dos nascituros. Essa decisão não apenas promove a morte trágica de nascituros, mas também faz pouco para cuidar do bem-estar das mulheres necessitadas", disse o arcebispo William E. Lori, de Baltimore, presidente do comitê pró-vida da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB).

“Longe do acompanhamento que as mulheres em crise de gravidez merecem, essa decisão deixa as mulheres sozinhas em meio ao trauma, muitas vezes sem qualquer atenção médica ou acompanhamento”, disse Lori em seu comunicado.

“Uma das tarefas essenciais dos governos é salvaguardar a saúde e o bem-estar dos cidadãos”, continuou ele. “Como tal, o FDA deve agir para proteger a vida e a saúde de mães e crianças, em vez de simplesmente sucumbir à pressão da indústria do aborto para afrouxar os padrões de segurança."

Lila Rose, presidente do grupo pró-vida Live Action, considerou a decisão de quinta-feira "horrível". A Marcha pela Vida crê que  decisão "levará a mais vidas perdidas por aborto e aumentará o número de mães que sofrem danos físicos e psicológicos de abortos químicos. ”

A organização Susan B. Anthony List também condenou a decisão do FDA. “A ação imprudente do governo Biden coloca em perigo inúmeras mulheres e crianças que ainda não nasceram”, disse Sue Liebel, diretora de Política de Estado da organização. “A vontade dos ativistas do aborto há muito tempo é transformar todos os correios e farmácias em centros de aborto. Eles promovem as drogas para o aborto como fáceis, indolores e privadas. A ciência diz o contrário.”

Antecipando a decisão do FDA, o Charlotte Lozier Institute (CLI), o braço de pesquisa da Susan B. Anthony List, divulgou em novembro um estudo segundo o qual o aumento do acesso a pílulas abortivas é um risco para a saúde pública.

“A taxa de atendimentos de emergência relacionados ao aborto químico aumentou mais de 500% de 2002 a 2015, segundo análise dos dados de reclamações do Medicaid”, diz o comunicado à imprensa. “No mesmo período, os abortos químicos na população do estudo aumentaram de 4,4% para 34,1% do total de abortos.”

O estudo também mostra que a taxa de emergências relacionadas ao aborto aumenta mais rapidamente para abortos químicos do que para abortos cirúrgicos e que o aborto químico torna os abortos subsequentes mais perigosos.

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O presidente do Students for Life of America, Kristan Hawkins, também alertou sobre os abortos químicos em uma entrevista coletiva virtual na quinta-feira. “Hoje, podemos muito bem estar enfrentando uma nova fronteira do aborto”, disse ela. “Essencialmente morte pelo correio, entregue na sua porta.”

O obstetra e ginecologista Anthony Levatino, responsável por mais de 1,2 mil abortos, fez uma parceria com o grupo pró-vida Live Action em 2016 para descrever dierentes procedimentos de aborto. Em um vídeo, Levantino explica as “duas etapas” de um aborto químico.

Primeiro, a mulher toma comprimidos que contêm mifepristone, ou RU-486. Isso bloqueia o hormônio progesterona e faz com que o "revestimento do útero da mãe" se quebre, "cortando o sangue e a nutrição para o bebê", diz Levatino.

Entre 24 e 48 horas depois, a mulher toma misoprostol ou Cytotec. Juntos esses medicamentos "causam cólicas graves, contrações e, muitas vezes, sangramento intenso para forçar o bebê morto a sair do útero da mulher", explicou o médico.

“O processo pode ser muito intenso e doloroso”, advertiu ele, “e o sangramento e as contrações podem durar de algumas horas a vários dias”. Frequentemente, disse ele, a mulher vai se "sentar no vaso sanitário para expulsar a criança e, depois, dá descarga.”

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