O medo é de "um novo cisma alemão" foi a manchete do jornal alemão "Welt" na semana passada. O americano "Wall Street Journal" e outros meios de comunicação em todo o mundo disseram a mesma, assim como vários bispos da Igreja. O motivo da preocupação é a jornada de bênçãos a uniões homossexuais que padres da Alemanha fizeram hoje em protesto contra a proibição a essas mesmas bênçãos publicada em 15 de mrço pela Congregação para a Doutrina da Fé aliada ao Caminho Sinodal, processo de debates na igraja alemã que propõe mudanças na doutrina moral da Igreja, ordenação de mulheres e intercomunhão entre católicos e protestantes.

A polêmica levanta questões fundamentais que o professor de dogmática de Freiburg Helmut Hoping esclarece em entrevista por escrito ao CNA Deutsch.

 

Professor Hoping, quais são os fundamentos teológicos do Caminho Sinodal - e como eles se manifestam nas atuais controvérsias na Igreja?

 

O ponto de partida do Caminho Sinodal, apoiado pelo Comitê Central dos Católicos Alemães e pela Conferência Episcopal Alemã, foi a descoberta do abuso de crianças e jovens por clérigos da Igreja Católica, bem como o encobrimento dele pelos bispos. O Caminho Sinodal assume que o abuso sexual é favorecido principalmente pelas estruturas de poder da igreja. É disso que trata um dos quatro fóruns do Caminho Sinodal: “Poder e Separação de Poderes na Igreja - Participação Conjunta e Participação na Missão”. É evidente que o abuso sexual requer estruturas de poder, mas também se aplica ao abuso sexual de crianças e jovens fora da igreja. O abuso de poder por si só não explica o abuso sexual. A premissa controversa e em última análise questionável do Caminho Sinodal é que o abuso sexual por clérigos da Igreja Católica só pode ser evitado com um desmantelamento radical das estruturas de poder, uma mudança substancial no casamento católico e na moralidade sexual, a abolição ou pelo menos o relaxamento do celibato e a introdução da ordenação de mulheres. Os membros do Caminho Sinodal e seus fóruns não estão falando principalmente sobre mudança, mas sim sobre “atualizar” o ensino da Igreja. Não consigo ver uma base teológica sólida para o Caminho Sinodal. Como o abuso sexual de crianças e adolescentes é um fenômeno que pode ser encontrado em todas as áreas da sociedade, o casamento eclesiástico e a moral sexual vigentes, por exemplo, não podem explicar o abuso sexual por parte de clérigos da Igreja Católica, incluindo o celibato. Assim, tem-se a impressão de que o abuso sexual está sendo instrumentalizado para uma determinada agenda política da Igreja.

 

Em que medida falta ao Caminho sinodal uma teologia coerente dos sacramentos?

 

A questão da Eucaristia só é abordada indiretamente no Fórum sinodal “Existência sacerdotal hoje”. A posição do sacerdote na Eucaristia está sendo posta em causa, alguns acreditam que a posição do sacerdote na liturgia é propícia ao abuso sexual. O Fórum Sinodal “Vivendo em Relacionamentos de Sucesso” aborda a questão do sacramento do matrimônio, porque a maioria de seus membros optou por uma visão teológica modificada das parcerias ilegítimas e da bênção de uniões do mesmo sexo e pessoas divorciadas novamente casadas.

 

Até que ponto a relação entre igreja e estado desempenha um papel na Alemanha?

 

Está longe de haver uma separação estrita entre Igreja e Estado na Alemanha. A Igreja Católica na Alemanha tem o status de uma corporação de direito público, em relação à qual se pode declarar renúncia (Nota do redator: Quem se declara membro de uma igreja na Alemanha, paga um imposto através do qual essa igreja é financiada). Ao mesmo tempo, não se pode renunciar à única Igreja de Cristo, na qual se é aceito por meio de um batismo válido. O número constantemente alto de pessoas que saem da igreja como corporação de direito público é citado repetidamente na Igreja Católica na Alemanha para justificar a necessidade das mudanças fundamentais, incluindo o ensino definitivo da igreja.

 

Como se compara com a situação da democracia liberal dos EUA?

 

Embora o estado e a igreja nos EUA sejam mais separados um do outro, visto de uma perspectiva social, provavelmente há uma vitalidade maior da religião e da afiliação denominacional vivida. A Igreja Católica nos EUA é financiada por doações e não, como a Igreja Católica na Alemanha, financiada por impostos. A Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos tem uma relação diferente com o estado e também tem uma agenda diferente da maioria dos bispos alemães para a abolição ou relaxamento do celibato, a ordenação de mulheres e uma mudar o casamento e a moral sexual, ou seja, os tópicos do Caminho Sinodal, determinam a agenda. Um debate sobre se a comunhão pode ou não ser dada a políticos que defendem o direito ao aborto e orientam suas políticas de acordo com isso seria completamente impensável entre os bispos alemães. Para ser franco, pode-se dizer que todo aquele que é validamente batizado, católico ou não, pode receber o sacramento da Eucaristia, a menos que, por qualquer motivo, tenha declarado sua renúncia à Igreja.

 

Como pode a igreja esclarecer de modo vinculante e convincente sua autoridade quanto à doutrina, sua própria constituição e a hierarquia?

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Na Igreja Católica na Alemanha isso é quase impossível devido à perda de confiança no clero, especialmente nos bispos, associada ao abuso sexual e seu encobrimento, mas também por causa das óbvias rachaduras no episcopado alemão. Se o encobrimento do abuso sexual não for descoberto e revelado, e se os bispos não encontrarem uma linha comum, as divisões na Igreja Católica na Alemanha vão se aprofundar. Os canonistas podem discutir se a Igreja Católica na Alemanha está em um cisma em termos de lei canônica ou não. Uma coisa é certa: existem “divisões” consideráveis ​​dentro da Igreja Católica na Alemanha. A palavra grega que o apóstolo Paulo usou para as divisões na igreja de Corinto é “cisma” (1 Cor 1:10). Nesse sentido, há, sem dúvida, desenvolvimentos cismáticos dentro da Igreja Católica na Alemanha. E está se tornando cada vez mais claro que em várias áreas da doutrina e disciplina da Igreja a comunhão com o papa é rompida. Por exemplo, quando os padres violam o claro não da Congregação para a Doutrina da Fé para as bênçãos de uniões do mesmo sexo, publicado com o consentimento do Papa, e os bispos declaram com antecedência tolerar isso ou declaram que tais celebrações são teologicamente possíveis e pastoralmente necessárias.

 

Como os crentes de hoje podem fazer a diferença entre atos morais que são “intrinsecamente maus”, que o Catecismo da Igreja Católica aplica aos atos hommossexuais, e aqueles que caem no reino do julgamento prudente?

 

A doutrina da igreja de atos “intrisecamente maus” não é - com algumas exceções - aceita nem na teologia acadêmica nem no episcopado na Alemanha. A doutrina é, de modo geral, desconhecida dos fiéis. Portanto, é difícil responder à pergunta. Os pré-requisitos para que os crentes sejam capazes de dizer a diferença simplesmente não existem.

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