O arcebispo de São Francisco, Califórnia, dom Salvatore Cordileone, divulgou hoje, 1º de maio, dia de São José Operário, uma carta pastoral em que afirma que políticos e figuras públicas que se apresentam como católicos, mas defendem o aborto devem ficar longe da comunhão.

“Não finjam que defender ou praticar um grave mal moral -um que rouba uma vida humana inocente, um que nega um direito humano fundamental - é de alguma forma compatível com a fé católica. Não é”, diz a carta.

Sem citar nominalmente o presidente Joe Biden, por exemplo, que ostenta sua fé católica e foi nos primeiros cem dias de seu governo um dos mais radicais defensores do aborto na Presidência dos EUA, Cordileone afirma na carta não que “no caso de figuras públicas que se identificam como católicos e promovem o aborto, não estamos lidando com um pecado cometido por fraqueza humana ou um lapso moral: essa é uma questão de persistente, obstinada e pública rejeição do ensinamento católico.”

Para o arcebispo, “o direito à vida em si é o fundamento de todos os outros direitos. Sem proteção do direito à vida não faz sentido falar de nenhum outro direito.” E pergunta:

“Quem tem o direito à vida?”

“A resposta da ciência é clara: uma nova vida humana geneticamente diferente começa na concepção,” afirma Cordileone, e “porque um embrião é um organismo único em desenvolvimento, segue-se que ela ou ele possui um direito à vida inerente desde o momento da concepção. Assim, a invasão violento do ato do aborto põe fim a uma vida humana.”  

Sobre o argumento dos defensores do aborto de que estão dando poder às mulheres, Cordileone contesta. “De fato, a prática disseminada da contracepção e do aborto criou um fardo tremendo para a mulher grávida. A gravidez tornou-se ‘problema dela’. Ela deveria ter evitado que acontecesse, e agora ela, sozinha, tem que fazer o problema desaparecer. Pior ainda, não é incomum que as próprias pessoas que deveria ajudá-la (o pai da criança, a família e os amigos dela) a encorajem e até a pressionem para fazer um aborto. Esse triste estado de coisas me leva ao meu segundo ponto: o aborto não nunca exclusivamente problema da mulher. Outros, em maior ou menor grau, partilham da culpabilidade sempre que esse mal é perpetrado.”

 

“Já há décadas que a cultura ocidental tem estado em negação sobre a bruta realidade do aborto”, observa o arcebispo. “O assunto é envolto em sofismas por seus defensores e a discussão sobre ele é proibida em muitos círculos”.

A interpretação teológica de dom Cordileone expressa na carta é notável. “É minha convicção que essa conspiração de desinformação e silêncio é alimentada pelo medo do que significaria reconhecer a realidade com que estamos lidando”, diz.

“Como podemos encarar a enormidade desse ultraje? O único modo de suportar fazer isso é com confiança na misericórdia de Deus, cujo amor compassivo nos provê da oportunidade de conversão e arrependimento. Cristo concede seu perdão abundantemente, e a graça de Deus nos assistirá, pois todos temos necessidade de conversão.”

A carta pastoral de Cordileone aponta o problema do aborto para a doutrina católico com toda a clareza.

“O ensinamento de nossa fé é claro: os que matam ou ajudam a matar a criança (mesmo que pessoalmente se oponham ao aborto), os que pressionam ou encorajam a mãe a fazer um aborto, que pagam por ele, que dão assistência financeira a organizações que fornecem abortos, ou que apoiam candidatos ou legislação com o propósito de tornar o aborto uma ‘escolha’ mais facilmente acessível estão todos cooperando com um mal muito sério. Cooperação formal e material imediatas no mal não é nunca justificada.

Uma das questões mais delicadas para um bispo nos Estados Unidos tem sido a de dar ou não a Sagrada Comunhão a figuras públicas como Biden ou a deputada democrata de Maryland, Nancy Pelosi, atual presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, também ela radical defensora do aborto.

Em sua carta pastoral, dom Cordileone vai buscar argumentos na mais originária tradição católica. “O ensinamento e a disciplina da Igreja sobre a dignidade para receber a Sagrada Comunhão tem sido coerente ao longo de toda sua história, remontando ao início mesmo”, diz o arcebispo.

“O mais antigo relato da Última Ceia se encontra na Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, escrita a menos de trinta anos do próprio evento”. Cordileone cita a admoestação de São Paulo de que “aquele que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação”.

Em seguida a carta considera a primeira descrição da liturgia católica da eucaristia, da metade do século II. Em sua Apologia (Cap. 66: 6, 427-431), São Justino Mártir descreve o culto do domingo e dá os critérios para receber a Eucaristia: “Ninguém deve participar da Eucaristia conosco a não ser que creia que o que ensinamos é verdade; a não ser que esteja lavada nas águas regeneradoras do batismo para remissão dos pecados, e a não ser que viva de acordo com os princípios dados a nós por Cristo.”

Dom Cordileone prossegue: “Para aplicar essas exigências antigas ao tópico em questão, aqueles que rejeitam o ensinamento da Igreja sobre a santidade da vida humana e aqueles que não buscam viver de acordo com esse ensinamento não deveriam receber a Eucaristia”.

“É fundamentalmente uma questão de integridade: receber o Santo Sacramento na Igreja Católica é manifestar publicamente a fé e os ensinamentos morais da Igreja Católica, e desejar viver de acordo”, afirma o arcebispo.

“Nós todos falhamos de várias maneiras, mas há uma grande diferença entre lutar para viver de acordo com os ensinamentos da Igreja e rejeitar esses ensinamentos.”

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O arcebispo diz que no caso das figuras públicas a “persistente, obstinada e pública rejeição do ensinamento católico” adiciona “responsabilidade ainda maior aos pastores da Igreja no cuidado pela salvação das almas.”

Para esses católicos “a correção pode também tomar a forma de exclusão da recepção da Sagrada Comunhão”.

“Quando outras vias foram esgotadas, o único recurso deixado ao pastor é o remédio público da exclusão temporária da Mesa do Senhor. É um remédio amargo, mas a gravidade do mal do aborto pode às vezes requerê-lo”.

Em sua carta, o arcebispo de São Francisco dá um testemunho forte de seu compromisso com a doutrina e as Escrituras. “Falando por mim mesmo, sempre mantenho diante de mim as palavras do profeta Ezequiel”, diz e cita o trecho: “Quando digo aos maus, ‘Vós maus, deveis morrer,’ e vocês não falam com os maus para avisá-los sobre os caminhos deles, eles hão de morrer em seus pecados, mas eu vou considerar-vos responsáveis pelo sangue deles” (Ez 33,8).

“Eu tremo: se não desafiar abertamente os católicos sob meu cuidado pastoral que defendem o aborto, tanto eles quanto eu vamos ter que responder a Deus pelo sangue inocente.”   

 

A coragem de católicos em cargos ou posições públicas que, contra toda crítica, mantêm-se fiéis à doutrina, recebe o devido reconhecimento de dom Cordileone. “Aos católicos na vida pública que defendem a vida: obrigado por seu corajoso testemunho! A posição ousada e firme de vocês diante do que é frequentemente uma dura oposição dá coragem a outros que sabem o que é certo, mas podem sentir-se muito tímidos para proclamá-lo em palavras e em atos.”

O apelo de dom Cordileone aos católicos que defendem o aborto na vida pública, é forte. “Aos católicos na vida pública que praticam o aborto ou o defendem: a mortandade tem que parar. Por favor, por favor, por favor: a mortandade tem que parar”, implora o arcebispo.

“Deus confiou a vocês uma posição de prestígio na sociedade. Vocês têm o poder para afetar práticas e atitudes sociais. Lembrem-se sempre que vocês vão, um dia, ter que dar conta a Deus da administração dessa confiança. Vocês estão em posição de fazer algo concreto e decisivo para parar a matança. Por favor, parem a matança. E, por favor, não finjam que defender ou praticar um grave mal moral -um que rouba uma vida humana inocente, um que nega um direito humano fundamental - é de alguma forma compatível com a fé católica. Não é. Por favor voltem para casa para a inteireza de sua fé católica. Nós esperamos vocês com os braços abertos para dar as boas-vindas.”

Às mulheres que fizeram aborto o arcebispo oferece o perdão de Deus. “Deus ama vocês”, diz, “Deus quer que vocês sarem e nós temos os recursos para ajudá-las. Por favor, voltem para nós porque nós amamos vocês e queremos ajudá-las e queremos que vocês sarem.”

Cordileone faz, então, um ousado convite: “Por causa do que vocês suportaram, vocês mais do que ninguém podem se tornar uma voz poderosa pela santidade da vida. ... Vocês podem tomar esse doloroso e feio episódio de suas vidas e transformá-lo em algo belo para Deus, com a ajuda de Deus.”

Para concluir, do Cordileone conclama todas as pessoas de boa vontade a “construir juntos, começando do começo, uma cultura da vida. Trabalhemos por uma sociedade em que todo novo bebê seja recebido como um dom precioso de Deus”.

Invocando a proteção de Nossa Senhor ade Guadalupe, padroeira dos não-nascidos e Estrela da Nova Evangelização, dom Cordileone convida a “com a ajuda de Deus e colaborando com respeito mútuo, construir uma sociedade que, longe de jogar fora, respeite e afirme a bondade de toda vida humana.”

A íntegra da carta, em inglês, espanhol e chinês, pode ser lida aqui.

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