No dia 15 de março, após análise do Tribunal Constitucional que reprovou artigos da Lei da Eutanásia, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa vetou a proposta e a mandou de volta ao parlamento português para a alegria dos bispos católicos e defensores da vida. Entretanto, uma especialista em bioética da Universidade Católica Portuguesa (UCP) teme que este júbilo pode durar pouco, já que houve uma inconsistência no parecer do Tribunal que pode dar as pistas para que os defensores da Eutanásia tornem a proposta imbatível em sua próxima redação.

Ana Sofia Carvalho, do Instituto de Bioética da Universidade Católica, membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida concedeu uma recente entrevista conjunta à Rádio Renascença e à Agência ECCLESIA, do episcopado português, na qual destaca que a decisão do TC não considerou que, “enquanto conceito”, a proposta seja inconstitucional, falhando assim na estratégia de blindar a vida contra a lei que propunha, a aprovação do suicídio assistido.

Perguntada se o veto presidencial e a decisão do Tribunal Constitucional (TC) eram uma vitória para a vida em seu país, Ana Sofia Carvalho afirmou: “Uma vitória não é, certamente, e isso é muito claro nas 90 páginas do documento”.

Efetivamente, chama atenção o fato de que os juízes do TC foram além do que pediu o Presidente Rebelo de Sousa e não se limitaram em declarar a inconstitucionalidade da proposta, mas, no texto do acórdão, terminaram por inserir a afirmação de que a eutanásia, por si só, não violaria a Constituição, não violaria o direito à vida.

O perigo é que agora venha a estabelecer-se um conjunto de situações que os deputados poderão agora usar para tornar este conceito (a eutanásia) mais determinado. Isto deixa a defesa da vida contra esta prática em uma “rampa deslizante”, e Portugal já estaria “no meio da rampa”, nas palavras de Ana Carvalho.

 

“O que está a acontecer relativamente à rampa deslizante, o que nós temos assistido em países como a Holanda e como a Bélgica – essencialmente, de começarmos a ter eutanásia de outras pessoas que têm doenças que não são fatais – tem sido a prova de que existe, efetivamente, essa rampa deslizante”, aponta.

“A redação desta lei em específico coloca Portugal já no meio da rampa, ou seja, nós já começamos a deslizar. Quando falamos de ‘lesão definitiva’ – e vejam, é definitiva, não é fatal – ‘de gravidade extrema’, de acordo com o consenso científico, isto abre a porta para situações absolutamente inaceitáveis”, explicitou.

Ana Sofia Carvalho entende que é preciso respeitar o artigo 24.º da Constituição Portuguesa, sobre o direito à vida, no qual se determina que “a vida humana é inviolável”.

“Inviolável é inviolável. Não há graus de inviolabilidade”, sustenta a perita que criticou ainda o “timing escolhido pela Assembleia da República” para votar a proposta.

Os representantes debateram a proposta de Lei da Eutanásia meses de janeiro e fevereiro, que representaram o período de mais mortes por Covid-19 em Portugal, logo de um breve alívio das medidas de contenção da pandemia por ocasião das festas de Natal.

A especialista garantiu que a proposta voltará a ser votada e apresentada ao presidente em breve.

“Que a lei vai ser alterada, penso que não restam dúvidas. Aliás, esta foi uma bandeira de alguns deputados, que não se coibiram de apresentar e de aprovar uma legislação desta natureza quando o país vivia a catástrofe da Covid, num dos seus piores dias”, destacou Ana Sofia Carvalho.

A especialista do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa, conclui que “em tempos Covid e no pós-Covid vamos viver situações de escassez de recursos para a saúde, de uma forma absolutamente ímpar” e antevê um “tsunami de dificuldades imensas para quem cuida e para quem é cuidado”, no pós-pandemia em Portugal.

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