Em sua próxima viagem ao Iraque em março, o Papa Francisco terá um encontro com o líder muçulmano xiita Ali al-Sistani, um homem de 90 anos que analistas internacionais consideram uma figura importante na região desde o fim da Guerra do Iraque.

O Papa Francisco visitará o Iraque de 5 a 8 de março. Segundo o programa de viagem divulgado em 8 de fevereiro pela Sala de Imprensa do Vaticano, o Santo Padre visitará Bagdá, Ur, Mosul, Bakhdida e Erbil.

No sábado, 6 de março, o Papa viajará de avião de Bagdá a Najaf, onde visitará o Grão-Aiatolá Sayyd Ali Al-Husaymi Al-Sistani.

O cardeal Sako disse que ambos os líderes assinarão uma declaração conjunta contra "todos aqueles que atacam a vida". O Cardeal não confirmou se o que será assinado é um documento sobre a fraternidade humana, algo que o Purpurado espera.

Fontes caldeias indicam que o Cardeal está trabalhando nos bastidores há dois anos para que esse encontro aconteça.

Após a declaração sobre a fraternidade humana assinada em Abu Dhabi, em 2019, pelo Papa e pelo grão-imã de Al-Azhar, que é uma figura importante no mundo muçulmano sunita, o Cardeal Sako disse que seria importante que o Santo Padre fizesse algo semelhante com um líder xiita, e considerou al-Sistani a pessoa certa para isso.

Ali al-Sistani nasceu em 1930. Natural do Irã, mudou-se para Najaf na década de 1950. Em 1993, al-Sistani sucedeu a Abu al-Qasim al-Khoei em Najaf, como o mais alto líder clerical xiita.

O veterano vaticanista italiano Sandro Magister descreveu al-Sistani em 2007 como "o partidário mais autorizado e constante de uma visão do quietismo islâmico”.

A postura de Al-Sistani contrastava com a do aiatolá Khomeini do Irã, que viveu em Najaf entre 1965 e 1978. Khomeini acreditava que "somente uma boa sociedade pode criar bons crentes" e com base nisso ele encorajou a fundação do Estado teocrático do Irã.

Pelo contrário, al-Sistani considerava que "apenas bons cidadãos podem criar uma boa sociedade." Na última década, al-Sistani se tornou a voz mais autorizada do islamismo xiita no Iraque.

Al-Sistani tornou-se conhecido fora do Iraque após a queda do regime de Saddam Hussein, em 2003, quando enviou uma mensagem ao povo iraquiano na qual "desejava que os iraquianos passassem por este período difícil de sua história sem terem que enfrentar conflitos sectários e étnicos”.

A batalha de Najaf em 2004 colocou as forças dos EUA e do Iraque contra o Exército Mahdi, uma milícia xiita de islâmicos liderada por Muqtada al-Sadr. Al-Sistani estava em Londres para uma visita médica quando o confronto começou, mas prontamente voltou a Najaf, defendendo uma trégua entre as partes.

Entre 2006 e 2007, o Iraque experimentou uma onda de violência sectária que se originou com o ataque aos santuários de dois imãs militares em Samarra. Mesmo nesta situação extrema, al-Sistani mostrou seu lado moderado e pediu para se abster da violência e condenar os atos que "atingem e dividem o país".

Al-Sistani apoia a separação entre religião e política e apoia um governo civil baseado na vontade do povo, algo que geralmente não é uma posição comum entre os muçulmanos.

Em 2017, as forças iraquianas estavam prestes a derrotar o Estado Islâmico que invadiu a planície de Nínive três anos antes. A intervenção de Al-Sistani foi crucial, pois convocou todos os iraquianos a pegarem em armas para defender o país, independentemente de sua origem étnica ou crenças religiosas.

Milhares de voluntários responderam ao chamado e formaram as Forças de Mobilização Popular, desempenhando um papel crucial no enfrentamento ao Estado Islâmico.

Que al-Sistani tem uma postura diferente de outros xiitas iranianos ficou evidente em 2014, quando o primeiro-ministro iraquiano era Nouri al-Maliki, considerado um parceiro estratégico do Irã. Al-Sistani não apoiou sua confirmação como primeiro-ministro, embora tivesse vencido as eleições. No entanto, a posição de al-Sistani não passou despercebida quando Haider al-Abadi, um xiita moderado, foi nomeado primeiro-ministro.

Recentemente, al-Sistani voltou às manchetes por outra iniciativa: Ahmed al-Safi, um de seus representantes públicos, pediu em seu nome a abolição das pensões e privilégios para altos funcionários. Assim, sugeriu que os recursos economizados sejam usados ​​para atender e amenizar a situação da população mais pobre.

A pensão recebida por um membro do Parlamento é superior a 6.500 dólares mensais e é vitalícia, um benefício que vai acompanhado de segurança, moradia e outros privilégios.

O ano de 2020 no Iraque foi marcado não só pela Covid-19, mas também por protestos, quando milhares de cidadãos saíram às ruas para exigir uma mudança no sistema institucional político e o fim da corrupção.

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Os manifestantes enviaram vários apelos a al-Sistani, pois acreditavam que ele era o único que poderia entender suas reivindicações. Os analistas internacionais também o levaram em consideração porque sabiam que suas palavras seriam ouvidas.

Al-Sistani também se opõe fortemente a qualquer intromissão externa nos assuntos do Iraque.

Após a guerra do Iraque, al-Sistani interveio no debate público pedindo novas eleições, promovendo assim a transição entre o embaixador dos EUA, Lewis Paul Bremer, que atuou como administrador interino da Coalizão do Iraque, e o governo interino, liderado por Ayad Allawi.

Apesar de sua idade avançada e más condições de saúde, al-Sistani ainda é considerado um fator de estabilidade no Iraque.

Para os observadores locais, o encontro do Papa Francisco com al-Sistani fecharia o círculo. Primeiro, o Papa respaldou a reabertura do diálogo com o Imã de Al-Azhar. Isso permitiu a viagem do Santo Padre ao Egito, em 2017, e depois cinco encontros consecutivos entre Francisco e o grão- imã, bem como o documento sobre a fraternidade humana que ambos assinaram em Abu Dhabi, em 4 de fevereiro de 2019.

Então, chegou o momento de o Papa Francisco estender seus braços ao islamismo xiita e o Cardeal Sako viu em um encontro com al-Sistani uma excelente oportunidade para fazê-lo.

O encontro entre o Papa e al-Sistani também poderia dizer ao povo iraquiano que o Papa apoia a ala "quietista", não violenta e mais espiritual do mundo muçulmano.

Todos esses temas farão parte do encontro de 6 de março.

Publicado originalmente em ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.

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