O Prefeito de Economia do Vaticano, Pe. Juan Antonio Guerrero Alves, assegurou que "o Vaticano não está em perigo de default" (falência), como foi divulgado recentemente pela imprensa italiana ao analisar a situação econômica da Santa Sé, que também está sendo afetada pela crise do coronavírus.

“O Vaticano não está em perigo de default. Isso não significa que não enfrentemos a crise pelo que ela é. Temos certamente no futuro anos difíceis”, assinalou o sacerdote jesuíta em uma entrevista concedida a Andrea Tornielli, diretor editorial do Dicastério para a Comunicação do Vaticano, publicada nesta quarta-feira, no Vatican News.

Em economia, o termo default ou default financeiro, que também se chama inadimplência ou suspensão de pagamentos, refere-se, em termos mais amplos, à situação na qual um governo, uma organização ou uma pessoa não pode pagar suas obrigações ou dívidas.  

Na entrevista, o Pe. Guerrero enfatiza que “a Igreja realiza a sua missão com a ajuda das ofertas dos fiéis. E não sabemos quanto as pessoas vão doar. Precisamente por esta razão, temos de ser sóbrios, rigorosos. Temos de administrar com a paixão e a diligência de um bom pai de família”.

“Há três coisas que não estão em causa, nem mesmo neste tempo de crise: a remuneração dos trabalhadores, a ajuda às pessoas em dificuldade e o apoio às Igrejas necessitadas. Nenhum corte afetará aqueles que são mais vulneráveis​​", continua.

O prefeito também enfatizou que no Vaticano “não vivemos para salvar o orçamento. Confiamos na generosidade dos fiéis. Mas temos de mostrar àqueles que nos doam parte das suas poupanças que o seu dinheiro é bem gasto. Há muitos católicos no mundo dispostos a doar para ajudar o Santo Padre e a Santa Sé a cumprir a sua missão. É a eles que temos de prestar contas. E a eles podemos recorrer".

A entrevista foi publicada após a análise de 10 de maio do jornal italiano Il Messagero, na qual relata uma reunião dos chefes dos dicastérios da Cúria do Vaticano, na semana passada, para tratar sobre o tema financeiro do ano 2020 e na qual foram considerados três cenários possíveis.

Il Messagero assinala que o cenário 1, "o mais otimista", contempla "uma redução entre 30 e 50% dos ingressos ordinários que determinaria um aumento no déficit de 28%". O segundo considera a redução dos ingressos entre 50 e 60%. Nesta hipótese, o aumento do déficit chegaria a 83%.

No terceiro cenário, mais pessimista, a redução dos ingressos estaria entre 50 a 80%, com o agravante adicional da ineficácia das medidas de contenção, com o qual o déficit seria de 175%.

Ao ser perguntado sobre a atual situação econômica do Vaticano, o prefeito disse que este é “um momento difícil que nos coloca diante das nossas responsabilidades. Temos de encontrar uma forma de assegurar a nossa missão. Mas também temos de compreender o que é essencial e o que não é. Do mesmo modo, nem tudo pode ser medido apenas como um déficit, e nem mesmo como um mero custo, na nossa economia”.

Pe. Guerrero lembrou que o Vaticano não é “uma indústria. Nós não somos um empresa. O nosso objetivo não é ter lucro. Cada Dicastério, cada entidade, presta um serviço. E todos os serviços têm custos. O nosso compromisso deve ser um compromisso de máxima sobriedade e clareza. O nossso deve ser um balanço de missão. Ou seja, um balanço que relaciona os números com a missão da Santa Sé. O que parece ser uma premissa, é a substância da questão. E, por conseguinte, nunca se deve perder de vista”.

Os números do Vaticano

O prefeito de Economia do Vaticano disse que os números "da Santa Sé são muito menores do que muitas pessoas imaginam. São menores do que uma universidade americana média, por exemplo. E também esta é uma verdade frequentemente ignorada”.

De qualquer modo, continuou, “as contas dizem-nos que, entre 2016 e 2020, tanto as receitas como as despesas foram constantes. Receitas na casa dos 270 milhões. As despesas em média ao redor de 320 milhões, dependendo do ano. As receitas provêm de contribuições e donativos, rendas de imóveis e, em menor medida, da gestão financeira e das atividades das Entidades”.

Depois de explicar que boa parte da receita do Vaticano depende dos Museus Vaticanos, fechados devido à pandemia, o prefeito indicou como as despesas são distribuídas.

“45% funcionários, 45% despesas gerais e administrativas e 7,5% de donativos. Ou poderia dizer que o déficit (a diferença entre receitas e despesas) nos últimos anos tem oscilado entre 60 e 70 milhões. Mas só com base nestes números, alguns poderão pensar que o déficit é um buraco resultante de uma má administração. Ou que financia uma burocracia imobiliária. Não é esse o caso. Nada a ver com isso”.

“Por detrás destes números está a missão da Santa Sé e do Santo Padre, está a plenitude da vida e do serviço eclesial", enfatizou.

Respondendo a algumas informações que indicam que o déficit do Vaticano é coberto pelo que é coletado anualmente com o Óbolo de São Pedro, o Pe. Guerrero indicou que isso não é verdade.

“Não é correto dizer que o déficit se financia com o Óbolo de São Pedro como se o Óbolo preenchesse um buraco. O Óbolo é também uma doação dos fiéis: financia a missão da Santa Sé, que inclui a caridade do Papa, e que não tem receitas suficientes”, explicou.

O Prefeito disse que o Vaticano é um "orçamento de missão" e detalhou que 15% vai para liquidar os meios de comunicação do Vaticano, onde cerca de 500 pessoas trabalham, 10% vão para as nunciaturas, 10% são gastos "nas Igrejas Orientais, que são frequentemente perseguidas ou na diáspora”.

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“Outros 8,5% são gastos nas Igrejas mais pobres, nas missões, através da Congregação para a Evangelização dos Povos. Depois há a tutela da unidade de doutrina, há as causas dos Santos. Há a preservação de um patrimônio da humanidade como a Biblioteca do Vaticano e os Arquivos. Há a manutenção, necessária, dos edifícios: mais dez por cento. Há os impostos italianos, que nós pagamos: cerca de 6% do orçamento, ou seja, 17 milhões”, afirmou.

A crise do coronavírus

Dada a atual crise, o prefeito da Economia disse que nas estimativas mais otimistas calcula-se uma queda de receitas de cerca de 25%, enquanto a mais pessimista estima em 45%. "Em qualquer caso, se não houver receitas extraordinárias, é evidente que haverá um aumento do déficit", disse, explicando que “ao contrário do que muitas pessoas pensam, não há salários altos aqui".

Depois de indicar que as reformas continuam onde são necessárias, Pe. Guerrero assinalou que "pedimos a cada organismo que fizesse tudo o que estivesse ao seu alcance para reduzir as despesas, salvaguardando ao mesmo tempo a essencialidade da sua missão".

O sacerdote jesuíta também falou da necessidade de centralizar os investimentos financeiros e melhorar a gestão do pessoal e das compras, para o qual "está prestes a ser aprovado um código de licitação que, certamente, levará a poupar".

Quanto aos investimentos, o prefeito disse que “o objetivo não é apenas centralizar: é fazer algo profissional, sem conflitos de interesses e com critérios éticos. Devemos não só evitar investimentos pouco éticos, mas também promover investimentos ligados a uma visão diferente da economia, à ecologia integral, à sustentabilidade”.

Quando perguntado sobre a confiança dos fiéis, especialmente diante de várias notícias do ano passado sobre alguns investimentos - como um imobiliário de 200 milhões de euros em Londres - o sacerdote, que não se referiu a nenhum especificamente, disse que “a confiança é conquistada através do rigor, da clareza, da sobriedade. E também pela admissão humilde de erros passados, para não os repetir, e de erros atuais, se os houver. Acontece por vezes, aconteceu também a nós, por exemplo, de termos confiado em pessoas que não mereciam confiança”.

"Somos sempre vulneráveis nesta matéria. Mais transparência, menos sigilo, torna mais difícil cometer erros. É precisamente por isso que pretendemos ter um comitê sério de pessoas de alto nível, sem conflitos de interesses, para nos ajudar (na medida do possível) a não cometer erros”, continuou.

Pe. Guerrero disse que eles conseguirão garantir os salários dos funcionários do Vaticano, “com a nossa capacidade de administrar bem. Com a ajuda de Deus e dos fiéis. Toda a Igreja é apoiada desta forma”.

"Vamos começar por partilhar a verdade da situação econômica. O melhor que podemos fazer é sermos diligentes e transparentes. Vamos contar com o dinheiro com que podemos contar. Vamos construir para 2021 um orçamento a base zero. Começando pela essencialidade da missão”, afirmou.

À pergunta sobre quando um orçamento oficial do Vaticano será publicado novamente, o prefeito de Economia disse que gostaria de fazê-lo “já este ano. Para explicar bem como gastamos o dinheiro. Dizer – papel na mão - que gastamos para fazer o bem, e a serviço da Igreja. Precisamos dizer isto. E dizer bem".

“A realidade que eu vi nos últimos meses na Santa Sé fala disto. Merece confiança. Esta missão cheia de beleza é realizada com a generosidade de muitos que ninguém conhece", concluiu.

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