No encontro que teve nesta sexta-feira com a população de Puerto Maldonado, o Papa Francisco disse que a região da Amazônia não é uma terra órfã, mas que é da Mãe de Deus.

A seguir, o texto completo da saudação do Santo Padre:

Queridos irmãos e irmãs!

Vejo que viestes não só das diversas regiões desta Amazónia peruana, mas também dos Andes e doutros países vizinhos. Como é linda a imagem da Igreja que não conhece fronteiras e onde todos os povos podem encontrar o seu espaço! Como precisamos destes momentos em que podemos encontrar-nos e, independentemente da proveniência, encorajar-nos a gerar uma cultura do encontro que nos renova na esperança.

Obrigado, D. David, pelas suas palavras de boas-vindas. Obrigado, Arturo e Margarita, por terdes partilhado as vossas experiências com todos nós. Dissestes-nos: «Visita-nos nesta terra tão esquecida, ferida e marginalizada... mas não somos terra de ninguém». Obrigado por no-lo terdes dito: não somos terra de ninguém. É algo que é preciso dizer com força: não sois terra de ninguém. Esta terra tem nomes, tem rostos: tem-vos a vós.

A região é designada com o nome muito belo de «Madre de Dios [Mãe de Deus]». Não posso deixar de fazer menção de Maria, jovem mulher que vivia numa aldeia remota, perdida, considerada também por muitos como «terra de ninguém». Lá recebeu Ela a saudação e o convite maior que uma pessoa possa experimentar: ser a Mãe de Deus; há alegrias que só as podem escutar os pequeninos.

Vós tendes em Maria, não só uma testemunha para quem olhar, mas uma Mãe e, onde houver uma mãe, não existe esse mal terrível de sentir que não pertencemos a ninguém, esse sentimento que nasce quando começa a desaparecer a certeza de pertencer a uma família, a um povo, a uma terra, ao nosso Deus. Queridos irmãos, a primeira coisa que gostaria de vos transmitir – e quero fazê-lo com força – é: esta não é uma terra órfã, é a terra da Mãe! E, se há uma mãe, há filhos, há família, há comunidade. E onde há mãe, família e comunidade, os problemas poderão não desaparecer, mas certamente encontra-se força para os enfrentar de maneira diferente.

É triste constatar que há alguns que querem apagar esta certeza e tornar a Madre de Dios uma terra anónima, sem filhos, uma terra infecunda. Um lugar que se deixe facilmente vender e explorar. Por isso, faz-nos bem repetir nas nossas casas, nas comunidades, no mais fundo do coração de cada um: esta não é uma terra órfã! Tem uma Mãe! Esta boa notícia é transmitida de geração em geração, graças ao esforço de muitos que partilham este dom de saber que somos filhos de Deus, e ajuda-nos a reconhecer o outro como irmão.

Já, em várias ocasiões, me referi à cultura do descarte. Uma cultura que não se contenta apenas com excluir, mas que cresceu silenciando, ignorando e rejeitando tudo o que não serve aos seus interesses; parece que o consumismo alienante de alguns não consegue perceber a dimensão do sofrimento sufocante de outros. É uma cultura anónima, sem laços, nem rostos. Uma cultura sem mãe, que só quer consumir. A terra é tratada dentro desta lógica. As florestas, os rios e as torrentes são aproveitados, utilizados até ao último recurso, e depois deixados como baldios e inúteis. As próprias pessoas são tratadas com esta lógica: são usadas até ao exaurimento e depois deixadas como «inúteis».

A propósito, permiti que me detenha num assunto doloroso. Habituamo-nos a usar a expressão «tráfico de pessoas», mas na realidade deveríamos falar de escravatura: escravatura laboral, escravatura sexual, escravatura para fim de lucro. É triste constatar como, nesta terra que está sob a proteção da Mãe de Deus, muitas mulheres sejam tão desvalorizadas, desprezadas e sujeitas a violências sem fim. Não se pode «olhar como normal» a violência contra as mulheres, mantendo uma cultura machista que não aceita o papel de protagonista da mulher nas nossas comunidades. Não nos é lícito virar cara para o outro lado e deixar que tantas mulheres, especialmente adolescentes, sejam «espezinhadas» na sua dignidade.

Várias pessoas emigraram para a Amazónia à procura de teto, terra e trabalho. Vieram à procura dum futuro melhor para elas mesmas e sua família. Abandonaram a sua vida humilde, pobre, mas digna. Muitas delas, com a promessa de que certos trabalhos poriam termo a situações precárias, basearam-se no brilho promissor da extração do ouro. Mas o ouro pode-se tornar num falso deus, que pretende sacrifícios humanos.

Os falsos deuses, os ídolos da avareza, do dinheiro, do poder corrompem tudo. Corrompem a pessoa e as instituições; e destroem também a floresta. Jesus dizia que há demónios que, para serem expulsos, se requer muita oração. Este é um deles. Encorajo-vos a continuar a organizar-vos em movimentos e comunidades de todos os tipos, para procurar superar estas situações; e também a organizar-vos, a partir da fé, como comunidades eclesiais que vivem ao redor da pessoa de Jesus. A partir da oração sincera e do encontro cheio de esperança com Cristo, poderemos obter a conversão que nos faça descobrir a vida verdadeira. Jesus prometeu-nos vida verdadeira, vida autêntica, eterna; não fictícia, como as falsas promessas que encandeiam e que, prometendo vida, nos levam à morte.

A salvação não é genérica, nem abstrata. O nosso Pai vê pessoas concretas, com rosto e história; e todas as comunidades cristãs devem ser reflexo deste olhar, desta presença que cria laços, gera família e comunidade. É uma maneira de tornar visível o Reino dos Céus, comunidade onde cada um se sinta participante, se sinta chamado pelo seu nome e incentivado a ser artífice de vida para os outros.

Tenho esperança em vós, no coração de tantas pessoas que desejam uma vida abençoada. Viestes procurá-la aqui, onde se encontra uma das explosões de vida mais exuberantes do planeta. Amai esta terra, senti-a vossa. Odorai-a, ouvi-a, maravilhai-vos com ela. Enamorai-vos desta terra Madre de Dios, comprometei-vos a cuidar dela. Não a useis como mero objeto que se pode descartar, mas como um verdadeiro tesouro a desfrutar, fazer crescer e transmitir aos vossos filhos.

Encomendemo-nos a Maria, Mãe de Deus e Mãe Nossa, e coloquemo-nos sob a sua proteção. E, por favor, não deixeis de rezar por mim.

«Ave Maria…»

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