O Papa Francisco expressou na terça-feira sua proximidade aos sacerdotes e religiosos que, por causa dos abusos cometidos por alguns ministros da Igreja, estão sofrendo insultos e incompreensões, pois “se está a ‘pagar caro’ andar vestido de padre”.

“Sei que, às vezes, sofrestes insultos no metropolitano ou caminhando pela rua; que, em muitos lugares, se está a «’pagar caro’ andar vestido de padre”, indicou o Papa, que os convidou a pedir a Deus “a lucidez de chamar a realidade pelo seu nome, a coragem de pedir perdão e a capacidade de aprender a escutar o que Ele nos está a dizer”.

“Gostemos ou não, estamos convidados a enfrentar a realidade como ela se nos apresenta: a realidade pessoal, comunitária e social”, assinalou Francisco.

Nesse sentido, no encontro realizado na Catedral de Santiago, o Pontífice incentivou os sacerdotes e consagrados a dizer a Cristo “’aqui estamos’ para renovar o nosso ‘sim’. Queremos renovar, juntos, a resposta à vocação que um dia alvoroçou o nosso coração”.

Francisco disse que para isso pode ajudar a reflexão sobre “três momentos Pedro e da primeira comunidade: Pedro e a comunidade abatidos, Pedro e a comunidade tratados com misericórdia e Pedro e a comunidade transfigurados”.

“Jogo com o binômio Pedro-comunidade, porque a experiência dos apóstolos tem sempre estes dois aspetos: pessoal e comunitário. Andam de mãos dadas, e não os podemos separar. É verdade que somos chamados individualmente, mas sempre para ser parte dum grupo maior. Não existe a ‘selfie vocacional’, não existe. A vocação exige que a foto te seja tirada por outrem; que lhe havemos de fazer?”, expressou.

Em seu discurso, Francisco recordou que quando Cristo foi crucificado, os discípulos estavam abatidos. “A perplexidade e o turvamento pela morte do seu Mestre. Já não está, foi crucificado”.

Além disso, a morte de Jesus colocou “em evidência um torvelinho de conflitos no coração dos seus amigos. Pedro renegara-O, Judas traíra-O, os restantes fugiram e esconderam-se”, somente poucos ficaram/ e se pode cair na tentação de “ficar a ruminar a desolação”.

O Papa recordou as palavras do Arcebispo de Santiago, Cardeal Ricardo Ezzati, que assinalou que a vida sacerdotal e consagrada no Chile “atravessou e atravessa horas difíceis de turbulência e desafios sérios”, pois “juntamente com a fidelidade da imensa maioria, cresceu também a cizânia do mal com as suas consequências de escândalo e deserção”.

Por isso, Francisco expressou sua proximidade aos sacerdotes e religiosos que sofreram a suspeita e o questionamento por causa dos que, sendo ministros da Igreja, cometeram abusos contra menores.

“Como discípulos, como Igreja, pode acontecer-nos o mesmo: há momentos em que somos confrontados, não com as nossas glórias, mas com a nossa fraqueza. Horas cruciais na vida dos discípulos, mas é também nessas horas que nasce o apóstolo”, assegurou.

Voltando a falar de Pedro, o Papa Francisco afirmou que Cristo “quer salvá-lo do perigo de ficar fechado no seu pecado, de ficar ‘a mastigar’ a desolação, fruto da sua limitação”. Por isso, pergunta-lhe “tu me amas?”, para “auscultar o seu coração e aprender a discernir”.

Francisco recordou que “Jesus interpelou Pedro sobre o seu amor e insistiu nisso até ele Lhe poder dar uma resposta realista: ‘Senhor, Tu sabes tudo; Tu bem sabes que eu sou deveras teu amigo’. E, deste modo, Jesus confirma-o na missão. Assim o faz tornar-se definitivamente seu apóstolo”.

“O que é que fortalece Pedro como apóstolo? O que é que nos mantém a nós como apóstolos? Uma coisa só: fomos tratados com misericórdia”. Cristo, em meio aos nossos limites, “viu-nos, aproximou-Se, deu-nos a mão e teve misericórdia de nós”.

“Não somos super-heróis que, do alto, descem para se encontrar com os ‘mortais’. Antes, somos enviados com a consciência de ser homens e mulheres perdoados. E esta é a fonte da nossa alegria”.

Nesse sentido, assegurou que “uma Igreja com as chagas é capaz de compreender as chagas do mundo atual e de assumi-las, sofrê-las, acompanhá-las e procurar saná-las”, derrubando “os muros que nos encerram numa atitude elitista, incitando-nos a construir pontes e ir ao encontro de tantos sedentos do mesmo amor misericordioso que só Cristo nos pode dar”.

“O povo de Deus não espera nem precisa de nós como super-heróis, espera pastores, homens e mulheres consagrados, que conheçam a compaixão, que saibam estender uma mão, que saibam parar junto de quem está caído e, como Jesus, ajudem a sair desse círculo vicioso de ‘mastigar’ a desolação que envenena a alma”, assinalou.

Desse modo, insistiu na necessidade de conhecer “Pedro abatido para conhecer Pedro transfigurado” e, assim, “deixar de ser uma Igreja de abatidos desolados para passar a uma Igreja servidora de tantos abatidos que convivem ao nosso lado”.

O Papa indicou que não se deve esperar “um mundo ideal, uma comunidade ideal, um discípulo ideal para viver ou para evangelizar, mas criar as condições para que cada pessoa abatida possa encontrar-se com Jesus. Não se amam as situações nem as comunidades ideais, amam-se as pessoas”.

Finalmente, o Papa os convidou a preparar “no vosso coração uma espécie de testamento espiritual, no estilo do cardeal Raúl Silva Henríquez”.

Mais em

“nesta linda oração que começa dizendo: ‘A Igreja que eu amo é a Santa Igreja de todos os dias... a tua, a minha, a Santa Igreja de todos os dias... Jesus, o Evangelho, o pão, a Eucaristia, o Corpo de Cristo humilde em cada dia. Com os rostos dos pobres e os rostos de homens e mulheres que cantavam, que lutavam, que sofriam. A Santa Igreja de todos os dias’”.

“Como é a Igreja que tu amas? Amas esta Igreja ferida, que encontra vida nas chagas de Jesus? Obrigado por este encontro. Obrigado pela oportunidade de renovar o ‘sim’ convosco. A Virgem do Carmo vos cubra com o seu manto. Por favor, não vos esqueçais de rezar por mim”, concluiu.

Confira também: