Em Portugal, o recente debate na Assembleia da República – e consequentemente na sociedade – em torno da legalização da eutanásia levou os Bispos a se manifestarem contra tal prática e reforçarem a inviolabilidade da vida, recordando que este direito não cessa mesmo “com o consentimento de seu titular”.

“A vida humana é o pressuposto de todos os direitos e de todos os bens terrenos. É também o pressuposto da autonomia e da dignidade. Por isso, não pode justificar-se a morte de uma pessoa com o consentimento desta”, reforça nota pastoral divulgada nesta segunda-feira pela Conferência Episcopal Portuguesas (CEP).

Em fevereiro, o debate sobre a legalização da eutanásia em Portugal foi trazido à tona após a divulgação do manifesto “Direito a Morrer com Dignidade”, com petição online, assinado por diversas figuras públicas. Este documento colocou o tema na agenda política, com apoio de partidos de esquerda.

Frente a isto, a CEP ressalta que, “subjacente à legalização da eutanásia e do suicídio assistido está a pretensão de redefinir tomadas de consciência éticas e jurídicas ancestrais relativas ao respeito e à sacralidade da vida humana”.

“Pretende-se que o mandamento de que nunca é lícito matar uma pessoa humana inocente (“Não matarás”) seja substituído por um outro, que só torna ilícito o ato de matar quando o visado quer viver”, assinalam os Prelados.

Entretanto, recordam que, “para os crentes, a vida não é um objeto de que se possa dispor arbitrariamente, é um dom de Deus e uma missão a cumprir”. Sublinham ainda que “é no mistério da morte e ressurreição de Jesus que os cristãos encontram o sentido do sofrimento”.

Os Bispos, porém, reconhecem que em se tratando da discussão da legislação de um Estado laico, “importa encontrar na razão, na lei natural, na tradição de uma sabedoria acumulada um fundamento para as opções a tomar”.

Neste sentido, lembram que “o valor intrínseco da vida humana em todas as suas fases e em todas as situações está profundamente enraizado na nossa cultura e tem, inegavelmente, a marca judaico-cristã”. Além disso, “a Constituição Portuguesa reconhece-o ao afirmar categoricamente que ‘a vida humana é inviolável’ (artigo 24º, nº 1)”.

Os Bispos destacam que “o direito à vida é indisponível”, como outros “direitos humanos fundamentais”.

Por outro lado, a CEP lança olhar também sobre a situação do enfermo e ressalta que “nunca pode haver a garantia absoluta de que o pedido de eutanásia é verdadeiramente livre, inequívoco e irreversível”.

“Muitas vezes, traduz um estado de espírito momentâneo, que pode ser superado, ou é fruto de estados depressivos passíveis de tratamento, ou será expressão de uma vontade de viver de outro modo (sem o sofrimento, a solidão ou a falta de amor experimentados), ou um grito de desespero de quem se sente abandonado e quer chamar a atenção dos outros”, indicam os Bispos portugueses, indicando que “a dúvida há de subsistir sempre” e que “a decisão de suprimir uma vida é a mais absolutamente irreversível de qualquer das decisões”.

Em resposta aos grupos a favor da legalização da eutanásia que afirmam que com esta medida seria respeitada apenas a vontade de quem solicita, sem tomar partidos, os Bispos refutam que não é assim. Segundo eles, aos autorizarem tal prática, o Estado e a ordem jurídica “estão a confirmar que a vida permeada pelo sofrimento, ou em situações de total dependência dos outros, deixa de ter sentido e perde dignidade, pois só nessas situações seria lícito suprimi-la”.

Esta legalização passaria para a todos, conforme indica a nota, uma mensagem com graves implicações sociais, tendo efeito “no modo como toda a sociedade passará a encarar a doença e o sofrimento”.

“Há o sério risco de que a morte passe a ser encarada como resposta a estas situações, já que a solução não passaria por um esforço solidário de combate à doença e ao sofrimento, mas pela supressão da vida da pessoa doente e sofredora, pretensamente diminuída na sua dignidade”, acrescentam.

Além disso, assinalam a possibilidade de alguns doentes, “de modo particular os mais pobres e débeis”, virem a se sentir “socialmente pressionados a requerer a eutanásia, porque se sentem ‘a mais’ ou ‘um peso’”.

Quando um enfermo chega ao estágio de desejar a eutanásia, “a resposta que os serviços de saúde, a sociedade e o Estado devem dar a esse pedido não é: ‘Sim, a tua vida não tem sentido, a tua vida perdeu dignidade, és um peso para os outros’. Mas a resposta deve ser outra: ‘Não, a tua vida não perdeu sentido, não perdeu dignidade, tem valor até ao fim, tu não és peso para os outros, continuas a ter valor incomensurável para todos nós’”.

“Não se elimina o sofrimento com a morte: com a morte elimina-se a vida da pessoa que sofre”, completam os Bispos.

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