No primeiro dia de seu testemunho em vídeo para a investigação da Comissão Real da Austrália sobre a resposta institucional para casos de abusos sexuais, o Cardeal George Pell disse que apesar de a Igreja ter cometido “enormes erros” no manejo de casos de abusos, ele não teve participação em nenhum encobrimento.

“Deixe-me só dizer isso, como um esclarecimento inicial, e que eu não estou aqui para defender o indefensável”, disse o Cardeal Pell durante a audiência.

A Igreja “cometeu enormes erros e está trabalhando para resolvê-los”, admitiu, acrescentando que em muitos lugares, certamente na Austrália, a Igreja “negligenciou as coisas, decepcionou as pessoas”.

Entretanto, também reconheceu que “existem muitos poucos países no mundo que avançaram tanto como a Igreja Católica fez na Austrália, em relação a instauração de procedimentos há aproximadamente 20 anos”.

O Cardeal Pell é membro do Conselho de Cardeais que assessoram o Papa Francisco e foi Arcebispo das arquidioceses australianas de Sydney e Melbourne. Também é Prefeito da recentemente criada Secretaria para a Economia que supervisa as finanças do Vaticano.

Atualmente está atestando ante a Comissão Real da Austrália sobre acusações que surgiram durante o ano passado, as quais culpam o Cardeal de transferir o “conhecido pedófilo” Gerald Ridsdale, de subornar uma vítima do posteriormente destituído sacerdote e de ignorar a queixa de uma vítima.

A Comissão Real, estabelecida em 2013, está dedicada a investigar respostas institucionais ao abuso sexual infantil na Austrália.

Apesar de haver declarado ante a comissão duas vezes no passado, sob as mesmas acusações, o Cardeal foi novamente chamado para declarar na Austrália no mês de dezembro. Entretanto, o médico do Cardeal desaconselhou a longa viagem da Itália à Austrália, devido a problemas de saúde.

Como resultado, o Cardeal Pell voluntariamente ofereceu dar seu testemunho em Roma, através de uma videoconferência. Esta proposta foi aceita.

A audiência começou com uma sessão de quatro horas realizada em 28 de fevereiro à noite (hora de Roma). Calcula-se que serão realizadas mais sessão até o dia 2 de março.

A audiência focou principalmente no período em que o Cardeal Pell era sacerdote na cidade de Ballarat, e como respondeu a Arquidiocese de Melbourne às acusações de abusos, inclusive no período em que o Cardeal serviu como Bispo auxiliar dessa Arquidiocese.

O Cardeal Pell foi ordenado na Diocese de Ballarat em 1966, onde serviu como sacerdote e logo como consultor do Bispo Ronald Mulkearns, que governou a Diocese entre os anos 1971 e 1997. Pell foi designado Bispo auxiliar para a Arquidiocese de Melbourne em 1987, e nomeado Arcebispo em 1996.                                                              

Gail Furness, advogado principal que assiste a comissão, perguntou ao Cardeal Pell sobre os atuais esforços do Vaticano a fim de combater o escândalo de abuso de menores e sobre como lutou com as acusações de abusos durante seu trabalho como educador e conselheiro de Dom Mulkearns.

Agora com 85 anos, o aposentado Bispo Mulkearns é conhecido por ter transferido entre várias paróquias Gerald Ridsdale, um dos abusadores mais conhecidos, durante muitos anos, estando completamente consciente dos abusos do ex-sacerdote.

Ridsdale é conhecido por ter cometido mais de 130 delitos enquanto era capelão na escola São Alípio em Ballarat, entre as décadas de 1960 e 1980.

O próprio Cardeal Pell viveu com Ridsdale em um seminário, no início da década de 1970, mas sublinhou que nesse momento não conhecia os crimes do sacerdote.

O Cardeal expressou também sua crítica pela forma como Dom Mulkearns lutou com o caso de Ridsdale, dizendo que foi “uma catástrofe para as vítimas e para a Igreja”.

Mulkearns, disse, “transferiu” Ridsdale e lhe deu “várias oportunidades e, pelo menos no início, confiou excessivamente nos possíveis benefícios da ajuda psicológica”.

“Caso tivesse realizado uma ação efetiva mais cedo, uma enorme quantidade de sofrimento poderia ter sido evitada”, disse o Cardeal Pell e assinalou que nesse momento também não sabia que Dom Mulkearns era consciente dos abusos cometidos por Ridsdale.

Além do caso de Ridsdale, outro processo sobre o qual o Cardeal Pell foi interrogado foi o do Pe. Paul David Ryan, que em 2006 foi preso por três acusações de atentado contra o pudor e sobre numerosas acusações contra membros dos Irmãos Cristãos, que estavam ensinando em escolas católicas durante essa época.

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Nesse sentido, o Cardeal Pell reconheceu que houve uma tendência de mobilizar os conhecidos sacerdotes pedófilos, inclusive Ryan e Ridsdale, durante o governo pastoral de Mulkearns, e disse que o Bispo seria um bom candidato para comparecer ante o novo tribunal do Vaticano na Congregação para a Doutrina da Fé.

Em junho de 2015, o Papa Francisco aprovou a criação de um tribunal especial dentro da congregação para julgar especificamente os bispos acusados de proteger sacerdotes que abusaram sexualmente de menores.

Ao ser interrogado acerca da atual postura do Vaticano em termos de reportar abusos de menores, o Cardeal Pell sublinhou: “A lei do país deve ser seguida”.

Em um comunicado publicado em 28 de fevereiro, o Cardeal enfatizou seu apoio ao trabalho da comissão e disse que estaria disponível para reunir-se com as vítimas de abusos que chegaram a Roma para a audiência.

Além disso, o Cardeal expressou que tem a esperança de que nos próximos dias “eventualmente levarão cura a todos”, e disse que colocou um laço amarelo na grade da Gruta de Nossa Senhora de Lourdes dentro dos Jardins Vaticanos, como um sinal de solidariedade com a iniciativa “Loud Fence”, lançada em Ballarat a fim de apoiar as vítimas de abusos.

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