Durante esta semana foram publicados na Itália dois livros cujo objetivo seria colocar à prova a capacidade do Vaticano e do Papa Francisco para resistir aos escândalos.

Um dos livros que mais chamou a atenção da imprensa é “Mercenários no Templo” do jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, autor do bestseller “Sua Santidade”, o qual desatou o primeiro escândalo conhecido como “Vatileaks” em 2012, e terminou com a condenação do mordomo de Bento XVI, Paolo Gabriele, por ter filtrado documentos a Nuzzi.

O segundo livro “Avareza: Documentos que revelam a riqueza, escândalos e segredos da Igreja de Francisco”, do jornalista italiano Emiliano Fittipaldi, teve uma tentativa menos pretensiosa, através da qual tentava convencer ao mundo que – surpresa! – o Vaticano tem dinheiro.

Ler “Mercenários no Templo” evoca imediatamente uma observação de George Weigel a respeito de alguns autores italianos: “A fronteira entre a realidade e a ficção no jornalismo italiano é, de fato, não uma fronteira, mas uma membrana, através da qual todo tipo de material passa em ambas as direções”.

É vendido como uma denúncia, mas lido como ficção

Assim começa o livro de Nuzzi: “Em 12 de setembro de 1978 pela tarde, o Papa João Paulo I, depois de 18 dias do seu pontificado, descobriu um poderoso lobby maçônico com 120 membros ativos dentro da Cúria… então anunciou seus planos para fazer grandes mudanças na Cúria Romana ao Cardeal Villot, mas (…) no dia seguinte, a Irmã Vincenza Taffarel encontrou o Pontífice morto em sua cama”.

O livro, que de acordo ao jornalista Nuzzi ofereceria “provas de um enorme e aparentemente imparável desvio de fundos que o Pontífice está enfrentando com valentia e determinação”, é também um livro que intercala o “assassinato” do Papa Albino Lucciani com maçons, lobbies gays, máfia italiana, corporações internacionais e vírus implantados dentro dos escritórios vaticanos.

Usando e abusando de documentos que seriam secretos, assim como conversações gravadas, Nuzzi apresenta o caso – realmente bem conhecido –, de que o Papa Francisco está decidido a pôr um fim ao mau uso de recursos, o pagamento de “trabalhos não orçamentados, realizados sem supervisão e com faturas sem fundo” e o uso das doações dos fiéis.

Santos e “heróis”

O segundo capítulo, em relação com o “fazedor de Santos”, começa elogiando a Mons. Lucio Angel Vallejo Balda e Francesca Chaouqui, precisamente os dois indivíduos que foram presos pelo Vaticano na última semana devido a filtração de documentos confidenciais à imprensa, talvez ao próprio Nuzzi. Vallejo Balda é apresentado como um herói neste livro, especialmente no capítulo 9.

Nuzzi mostra claramente sua falta de conhecimento dos processos no Vaticano, reclamando que "fazer um santo" tem um preço de aproximadamente 500.000 euros. “Nós então devemos considerar os custos de todos os presentes de agradecimento necessários para os prelados que são convidados às festividades e celebrações em momentos cruciais do processo, a fim de dizer umas poucas palavras sobre os fatos e milagres do futuro santo ou beato”.

Nuzzi claramente ignora a trabalhosa origem das investigações teológicas, morais, históricas e médicas requeridas a fim de assegurar que o santo tem as necessárias “virtudes heroicas” e mais tarde confirmar um milagre atribuído por meio da sua intercessão. E o mais importante, ignora que nenhum postulador de um santo – nem sequer daqueles com causas que permanecem durante algumas décadas – queixou-se alguma vez dos custos do processo.

Moradias de luxo?

No terceiro capítulo, o autor trata de descrever uma gestão oculta do dinheiro a fim de referir-se ao “luxuoso” estilo de muitos cardeais: “Os cardeais da Cúria moram em casas principescas de aproximadamente 400, 500 e inclusive 600 metros quadrados”, sustenta Nuzzi.

É verdade que, como em muitas outras áreas financeiras, a gestão dos imóveis do Vaticano necessita reformas, mas Nuzzi ignora que embora alguns cardeais fizessem escândalo por seus luxos, muitos outros cardeais e funcionários do Vaticano são obrigados a viver em apartamentos gigantescos construídos há alguns séculos e que muitas vezes fica difícil de pagar.

Por exemplo, depois da assinatura dos pactos lateranenses de paz entre o Vaticano e o estado italiano, Mussolini construiu o colossal edifício Vaticano de São Calisto, no Trastevere, com apartamentos tão grandes para cardeais, que inclusive muitos não podem pagar o ar condicionado durante o verão nem a calefação durante o inverno.

Nuzzi também protestou por tudo o que poderia ganhar o Vaticano se alugasse suas propriedades a um preço de mercado ao invés de entregá-las a preços reduzidos a membros da Cúria.

Este argumento não tem base. Pois os funcionários vaticanos ganham salários significativamente baixos e recebem seguros médicos e planos de aposentadoria muito ruins.

A única vantagem que o Vaticano pode oferecer aos seus funcionários é um aluguel reduzido, assim como gasolina, comida, alguns produtos e remédios livres de impostos. Para alugar as propriedades vaticanas a preços de mercado, o Vaticano deveria pagar salários competitivos, o qual ao final seria muito mais caro.

Reclamações e intrigas

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O livro de Nuzzi apresenta algumas reclamações simples, como o fato de que, até as atuais reformas somente 20 centavos de cada euro dos “centavos do Pedro” chegavam aos pobres, ou a uma má gestão de grandes quantidades de dinheiro em diferentes dicastérios romanos – consequência da corrupção, dilapidação e contabilidade incompetente; assim como grandes buracos nos recursos de pensões do Vaticano – pela soma de aproximadamente 800 milhões de euros.

Entretanto, a maior parte do livro se lê como uma interminável rede de intrigas sobre pouco conhecidos monsenhores que vivem de maneira pródiga, quando não corrupta, muitos dos quais já foram materiais de abundante cobertura na imprensa italiana.

Em seguida, o autor também acrescentou notas internas intermináveis e uma carta “confidencial” a fim de denunciar que a corrupção abunda, a má gestão e a absoluta incompetência… sem reconhecer que a reforma financeira, inclusive sem haver-se ainda completado, é um dos êxitos mais evidentes do pontificado do Papa Francisco.

No capítulo 10, Nuzzi faz todo o possível para desacreditar a reputação do Cardeal Pell na Austrália, inclusive desfigurando ou escondendo acontecimentos do seu passado. Mas, o autor tem que render-se ao fato de que o cardeal australiano é fiel ao desejo do Papa de fazer reforma e que obteve algumas vitórias, embora não todas as que o autor acha que deveria ter conseguido.

A renúncia do Papa

No último capítulo, o autor pergunta se o Papa Francisco renunciará. O tema de uma possível renúncia de Francisco nunca foi mencionado no capítulo, exceto pelo título. Mas expõe o tema:

“O Papa ganhará batalha? É difícil responder esta pergunta com alguma certeza. Acho que seu projeto não poderá ser atrasado ou evitado, mas é difícil sustentar que terá êxito o término da sua ambiciosa missão”. Muitas palavras para concluir o que todo mundo sabe, sem a necessidade de ler um de segredos e notas chatas.

Confira também:

Vaticano se pronuncia sobre novo caso de vazamento de informação e supostos escândalos financeiros

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