A plataforma social Cuba Possível, integrada por intelectuais e leigos católicos, entregou à Nunciatura Apostólica uma carta dirigida ao Papa Francisco a fim de solicitar com humildade “que atenda a possibilidade” de que o Pe. Félix Varela – sacerdote cubano que “sonhou e projetou Cuba como uma nação livre, justa e soberana” – “seja levado aos altares”.

A carta foi entregue em 30 de julho e por meio dela agradecem o Pontífice pela sua visita pastoral a Cuba, a ser realizada entre os dias 19 e 22 de setembro “e seu compromisso com nossos destinos”. “Neste contexto – indicam os assinantes –, queremos solicitar que, por motivo dos preparativos e a realização de sua visita, aprove o processo de beatificação do Pe. Félix Varela (1788-1853)”, declarado Venerável em 2012 por Bento XVI e conhecido como o padre da identidade cubana.

Cuba Possível – coordenada pelos leigos católicos Roberto Veiga e Lenier González – recordou que a fim de realizar seu sonho de ter um país livre e soberano, o Pe. Varela “desenvolveu um intenso e fecundo trabalho espiritual, pedagógico, cultural e sócio-político (…), atendeu a educação de crianças e jovens, cuidou de órfãos, por meio de uma entrega total, durante a maior parte de sua vida, serviu aos pobres, especialmente aos imigrantes irlandeses nos Estados Unidos, lugar no qual consagrou três décadas de seu trabalho pastoral, quando teve que assumir o exílio, até o final de sua vida”.

“O sacerdote se destacou no debate público sobre temas teológicos e filosóficos relacionados com a fé, a pessoa e a sociedade. Dedicou-se em pensar e promover instrumentos idôneos para uma ordem social justa”. “O sonho de Cuba foi motivo de suas preocupações e também dos seus esforços”, afirma a carta.

Graças ao Pe. Varela, os cubanos do passado e do presente “tiveram uma base através da qual construir a nação, enriquecer esse legado fundador e manter suas essências como núcleo do paradigma que sempre nos desafiará em busca de país melhor”.

“Um herdeiro definitivo desta síntese foi José Martí, apóstolo de nossa independência, o qual mencionou o Pe. Félix, segunda metade do século XIX, como ‘o santo cubano’”, destacaram os assinantes.

Nesse sentido, assinalaram que “os princípios fundamentais desse núcleo fundador, que nos acompanhou durante a história, nos encomenda o desafio de edificar um país sustentado na integridade de sua soberania nacional, na vocação de abertura e solidariedade com o resto do mundo, na liberdade responsável por cada cidadão, na justiça social, no compromisso com os fracos e não a violência, e em uma democracia entendida como possibilidade de socialização crescente da cultura, a educação, as dinâmicas civis, a riqueza econômica e a participação sócio-política”.

Através da carta dirigida ao Papa Francisco, Cuba Possível indicou que a maior contribuição do Pe. Varela “foi na metodologia que nos ensinou para exercer um patriotismo apoiado na capacidade de comprometer-nos no bem-estar mútuo, e juntos, no bem-estar do país”.

“Para isso, reiterou incessantemente que em cada circunstância da história devíamos esforçar-nos por entender os perigos que espreitavam a todos, com independência de preferências políticas e interesses particulares, para priorizar as necessidades do país e empenhar-nos, sobretudo, na materialização dos caminhos possíveis”.

Entretanto, recordou que seu compromisso radical com o próximo teve como consequência “a injúria, o desprezo, o ostracismo e a dor que lhe impuseram aqueles que controlavam as estruturas de influência e de poder na Metrópole espanhola, no governo colonial e na Igreja estabelecida na Ilha”.

“Esgotadas suas forças, quando quase já não podia ser útil, transladou-se a San Agustín da Flórida, em busca de um ambiente mais propício para sua saúde, e da proximidade a sua pátria querida. Ali conseguiu que um sacerdote francês lhe desse proteção em uma pequena casa de madeira que tinha disponível, aos fundos de uma escola paroquial”.

Entretanto, o sacerdote não deixou “de instruir e consolar aos pobres” e realizar trabalhos pastorais com os habitantes de origem hispânica, “nem deixou de contribuir com obras à nascente cultura cubana”. “Alcançou tanta fama de santidade que, ao reunir os paroquianos na igreja ao serem informados de que sua morte estaria próxima, uma mulher protestante pediu-lhe a bênção para seus dois filhos e declarou: ‘meus filhos serão felizardos. Foram abençoados pelo santo Varela’”.

“Sua vida – afirmaram – constituiu um martírio moral por seu compromisso radical com Cuba, expressão do seu amor ao próximo. Homens como Félix Varela tornaram possível que nossa nação seja uma casa digna para todos os cubanos e um orgulho para outros povos do mundo”.

“Santo Padre, nos sentimos herdeiros dos intelectuais, estudantes universitários e atores sócio-políticos do país que em 1912, depois de alcançada a independência, transladaram seus restos à Havana e os colocaram na Sala Magna da nossa Universidade. É por esta razão que lhe solicitamos, humildemente, que atenda à possibilidade de que o Pe. Félix seja levado aos altares”.

“Cuba – indicaram – está passando por um momento de mudança; transformam-se certos imaginários sociais; a sociedade se dinamiza e começa a transformação do vigamento institucional”.

“Em momentos como estes sempre resulta positivo colocar no centro os referentes mais nobres, sólidos e transcendentes que compartilhamos diversas gerações. Vemos na beatificação do Padre Félix Varela um ato de justiça, que honraria ao melhor dos cubanos, tanto àqueles que professam a fé católica como outros que não a professam, mas juntos sentem, como Sua Santidade, um compromisso essencial com o bem-estar do próximo, em Cuba e no mundo inteiro. Confiados de sua preocupação pelos povos, confiamos na sua atenção”

Sua vida

Félix Varela Morais nasceu em Havana em 20 de novembro de 1788, ficou órfão quando criança e foi criado por seus avós. Aos 23 anos foi ordenado sacerdote. Seu maior campo de ação foi através da educação. Em 1821, foi eleito representante da colônia espanhola de Cuba ante as Cortes de Madri.

Nesse mesmo ano embarcou à Espanha a fim de defender os direitos e liberdades dos cubanos. Chegou ao país e apresentou três propostas de lei: a abolição da escravatura na ilha, a independência cubana e um Governo para as províncias de ultramar. Entretanto, nenhuma foi aprovada, e foi levado ao exílio.

O sacerdote foi obrigado a morar em Nova Iorque (Estados Unidos), lugar no qual serviu como pároco e vigário episcopal; deste país continuou defendendo os direitos humanos, as liberdades dos cubanos, e à minoria católica frente à maioria protestante.

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Por motivos de saúde, transladou-se a San Agustín, Flórida, onde passou os últimos quatro anos de sua vida. Morreu no dia 25 de fevereiro de 1853.