Três atitudes tem o cristão diante da dor do irmão: passar, calá-lo ou levantá-lo como faria Jesus, assinalou o Papa Francisco durante seu encontro com os sacerdotes, religiosos e seminaristas bolivianos, encorajando-os a não cair “na espiritualidade do ‘zapping’, essa que expressa o eco da indiferença”.

Durante o evento realizado no Coliseu Dom Bosco, o Pontífice refletiu sobre a passagem evangélica do cego Bartimeu, ele estava sentado na beira do caminho e quando ouviu que Jesus se aproximava começou clamar misericórdia.

O Santo Padre recordou que Jesus estava rodeado por seus discípulos e por uma grande multidão. Neste episódio, indicou, “vemos duas realidades, por um lado, o grito de um mendigo e por outro, as distintas reações dos discípulos”.

“Pensemos nas distintas reações dos bispos, padres, religiosas e seminaristas diante dos gritos que vamos sentindo ou não sentindo. Parece que o evangelista queria mostrar-nos, qual é o tipo de eco que encontra o grito de Bartimeu na vida das pessoas, na vida dos seguidores de Jesus. Como reagem frente à dor daquele que está na beira do caminho”, indicou o Papa.

O Pontífice disse: “Uma destas atitudes é a de passar, passar direto (…). Estavam com Jesus, olhavam para Ele e queriam ouvi-lo, mas não conseguiam. Passar direto é o eco da indiferença (…), ‘eu estou aqui com Deus, com minha vida consagrada, eleito por Jesus, bom, o ministério me paga e, bom, é natural que haja doentes, pobres e pessoas que sofrem, então é tão normal que isto não me chame atenção”.

“Muitos seguidores de Jesus correm o risco de perder a capacidade de assombrar-se”, assinalou.

O Papa Francisco disse: “Poderíamos chamá-la a espiritualidade do ‘zapping’. Passa e volta a passar, mas não fica nada. São aqueles que correm atrás da última novidade, do último ‘best-seller’, mas não conseguem entrar em contato, relacionar-se, envolver-se, inclusive com o Senhor ao qual estão seguindo, porque a surdez avança”.

“Passar, sem escutar a dor do nosso povo, sem nos radicarmos nas suas vidas, na sua terra, é como ouvir a Palavra de Deus sem deixar que lance raízes dentro de nós e seja fecunda. Uma planta, uma história, sem raízes é uma vida seca”, indicou.

O Santo Padre expressou: “A segunda atitude perante o grito de Bartimeu. Cala-te, não chateies, não perturbes. Ao contrário da atitude anterior, esta escuta, reconhece, toma contato com o grito de outro. Sabe que está ali e reage de uma forma muito simples: repreendendo”.

Entretanto, assinalou: “Existe o drama da consciência isolada, daqueles que pensam que a vida de Jesus é apenas para aqueles que consideram aptos. A seus olhos parece lícito que encontrem espaço apenas os ‘autorizados’, uma ‘casta de pessoas diferentes’ que pouco a pouco se separa, diferenciando-se do seu povo”.

“Estas pessoas fizeram da identidade uma questão de superioridade. A necessidade de se diferenciar bloqueou-lhes o coração. A necessidade de dizer ‘eu não sou como ele, como eles’”.

Diante isto, o Pontífice pediu aos sacerdotes e religiosos “implorarem todos os dias a ‘graça’ da memória, que não esqueçam de onde vieram, vieram da parte de trás do rebanho, não se esqueça nunca, não neguem suas raízes. Existem sacerdotes que têm vergonha de falar sua língua originária, então se esquecem do seu ‘quéchua’, ‘aymara’, ‘guarani’ porque não, não, agora falo muito bem”, advertiu.

Finalmente, o Papa comentou: “Encontramos a terceira reação: animar o fiel, levantá-lo. Este é um eco que não nasce diretamente do grito de Bartimeu, mas de ver como Jesus se comportou perante o grito do cego mendicante”.

O Santo Padre recordou: “Ao contrário dos outros que passavam, diz o Evangelho, que Jesus Se deteve e perguntou que estava a acontecer. Deteve-se perante o clamor de uma pessoa”.

Em seguida destacou: “Jesus se radica na sua vida. E, longe de o mandar calar, pergunta: Que posso fazer por ti? Não precisa diferenciar-se, separar-se, catalogá-lo para ver se está autorizado ou não a falar. Limita-se a fazer uma pergunta, a identificá-lo pretendendo ser parte da vida daquele homem, querendo assumir a sua própria sorte. Deste modo restitui-lhe gradualmente a dignidade que tinha perdido”.

“A compaixão não é ‘zapping’, não é silenciar a dor; pelo contrário, é a lógica própria do amor. É a lógica que não está centrada no medo, mas na liberdade que nasce de amar e coloca o bem do outro acima de todas as coisas. É a lógica que nasce de não ter medo de aproximar-se da dor do nosso povo”, expressou.

O Pontífice explicou: “Esta é a lógica do discipulado. Isto é o que faz o Espírito Santo conosco e em nós. Disto somos testemunhas. Um dia Jesus viu-nos à beira da estrada, sentados nas nossas dores, nas nossas misérias. Não silenciou os nossos gritos; antes, deteve-Se, aproximou-Se e perguntou o que podia fazer por nós. E, graças a tantas testemunhas que nos disseram ‘coragem, levanta-te’, gradualmente fomos tocando aquele amor misericordioso, aquele amor transformador que nos permitiu ver a luz”.

O Papa Francisco concluiu recordando aos sacerdotes e consagrados: “Não somos testemunhas de uma ideologia ou de uma forma de fazer teologia. Mas somos testemunhas do amor sanador e misericordioso de Jesus”.