Na primeira homilia divulgada publicamente desde sua renuncia à Sé de Pedro no dia 28 de fevereiro deste ano, o Bispo Emérito de Roma, Bento XVI, explicou que o lugar certo de cada pessoa está ao lado do Senhor, rebaixando-se a si mesmo para levar a gratuidade de Cristo aos outros.

"Na vida todo mundo quer encontrar o seu lugar. Mas qual é realmente o lugar correto?... Um lugar que pode parecer muito bom, pode revelar-se depois como um lugar muito ruim... Também nos discursos que foram feitos durante a última ceia, os discípulos discutiram acerca dos melhores lugares, enquanto Jesus, ao contrário, apresenta-se como aquele que serve. ‘Nascido no estábulo’ e ‘morto’ na Cruz, diz-nos que o lugar certo é aquele perto dele, o lugar segundo a sua medida", assinalou Bento XVI.

Conforme informou a Rádio Vaticano, Bento XVI pronunciou estas palavras no dia 31 de agosto pela manhã, durante a Missa que celebrou para o Ratzinger Schulerkreis, os antigos alunos do Papa Ratzinger, na Capela do Governatorato do Vaticano, com ocasião do tradicional seminário de verão que os alunos celebram anualmente há mais de 30 anos.

Neste ano, os alunos se reúnem de 31 de agosto a 3 de setembro em Castel Gandolfo, a 25 quilômetros do Vaticano, para aprofundar sobre o tema "A questão de Deus no contexto da secularização", em vistas à produção filosófica e teológica de Rémi Brague, teórico francês premiado em 2012 com o "Prêmio Ratzinger" para a teologia.

Bento XVI participava todos os anos das reuniões e neste ano participou somente com a celebração da Santa Missa. Em suas palavras prévias à celebração da Eucaristia disse: "A humildade da liturgia cristã, que é imensamente grande, porque se une às filas dos Anjos e Santos na festa da alegria de Deus. E o sangue de Cristo, que está no centro da Eucaristia, significa entrar no esplendor do encontro gozoso de Deus: este sangue é o seu amor, é o Monte de Deus e nos abre à glória de Deus".

Os últimos serão os primeiros

Bento XVI recordou que os últimos serão os primeiros, e esta é a máxima de rebaixar-se e humilhar-se para servir os outros. Os Evangelhos recordam que quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.

"Quem neste mundo está nesta história, e talvez seja empurrado para chegar aos primeiros lugares, deve saber que está em perigo, deve olhar ainda mais ao Senhor, adaptar-se a ele, adaptar-se à responsabilidade do outro, deve converter-se naquele que serve, naquele que na realidade está sentado aos pés dos demais, e assim abençoa e ao mesmo tempo é abençoado", recordou.

"Portanto, independente do lugar que a história quer atribuir a cada um, o que é determinante é a responsabilidade diante de Deus, e a responsabilidade pelo amor, pela justiça e pela verdade".

"Estamos no caminho de Cristo, no caminho certo se em Seu lugar, e como ele, convertemo-nos em pessoas que ‘descendem’ para entrar na verdadeira grandeza, a grandeza de Deus que é a grandeza do amor", acrescentou.

Na História, explicou Bento XVI, a Cruz está em último lugar, ou melhor, não tem lugar. No Evangelho, João vê esta humilhação extrema como a verdadeira exaltação.

"Desta maneira, Jesus se faz grande; está à altura de Deus porque a Cruz está à altura do amor de Deus, à altura da entrega de si mesmo e da dedicação aos outros. E nós queremos pedir a Deus que nos doe a capacidade de compreender isso sempre mais e de aceitar com humildade, cada um a sua própria maneira, este mistério da exaltação e da humilhação", disse.

A gratuidade de receber o amor de Deus deve seguir um processo

"Jesus –disse-, insiste a convidar a prescindir das vantagens, quer dizer, convidar os coxos, os paralíticos, os pobres, porque Ele o fez por nos convidar a participar da mesa de Deus, e nos mostrar deste modo o que é a gratuidade".

Neste sentido assinalou que as melhores coisas na vida, quer dizer, "o amor, a amizade, a bondade, o perdão, não podemos pagar, são gratuitas, do mesmo modo que Deus nos dá gratuitamente".

"Assim, mesmo na luta pela justiça no mundo, não devemos nunca nos esquecer da gratuidade de Deus, do contínuo dar e receber, e temos que construir sobre o fato de que nosso Senhor se doa para nós, de que há pessoas boas que nos doam a sua bondade, que nos suportam a título gratuito, que nos amam e que são boas para conosco gratuitamente. E nós devemos doar esta gratuidade para aproximar assim o mundo de Deus, para sermos semelhantes a Ele, para nos abrirmos a Ele", concluiu.

Além do grupo de 50 alunos, na Missa também participaram o Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, Cardeal Kurt Koch; o Arcebispo de Viena, Cardeal Christoph Schonborn; o Prefeito da Casa Pontifícia, Dom Georg Ganswein; o secretário do Pontifício Conselho para a Cultura, Dom Barthelemy Adoukonou; e o Bispo auxiliar de Amburgo, Dom Hans-Jochen Jaschke.

Os alunos do Professor Ratzinger

Os cursos do Ratzinger Schulerkreis começaram na Alemanha em 1977, quando o então professor Ratzinger, que acabava de ser nomeado Arcebispo de Munique Frisinga, e elevado posteriormente a Cardeal, era professor de teologia.

Em 1981 foi nomeado por João Paulo II Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, as reuniões se transladaram a Roma, e continuaram inclusive depois de sua eleição como Papa em 2005.

"Deus no Islã", "Criação e evolução", ou "Doutrina da criação e da biologia", são alguns dos temas que se trataram ao longo destes anos.