O novo Arcebispo Coadjutor de Los Angeles nos Estados Unidos, Dom José Gómez, concedeu à agência ACI Prensa, que encabeça o grupo ACI do qual ACI Digital faz parte, uma entrevista exclusiva em que detalha suas origens, os retos que encontram os hispânicos e latinos neste país, e na qual fala especificamente sobre os desafios que expõe o tema da imigração ilegal na América do Norte.

A seguir a entrevista traduzida ao português:

ACI Prensa: Quais são suas origens?

Dom Gómez: Eu cresci em Monterrey, no México. Meu pai era doutor lá. Minha mãe se criou em San Antonio, Texas, e ali foi à universidade, algo que não era muito comum para as mulheres nos anos 30. A educação sempre foi algo muito importante em minha família. Sou cidadão norte-americano e imigrante, nasci e cresci em Monterrey, México. Alguns de meus antepassados nasceram no que agora é o Texas, desde 1805. (Nesse tempo ainda estava sob o comando dos espanhóis). Sempre tive a minha família e amigos em ambos lados da fronteira.

ACI Prensa: Qual é o problema mais sério que os católicos hispânicos (e latinos) enfrentam nos Estados Unidos?

Dom Gómez: A cultura dominante nos Estados Unidos, que é agressiva e inclusive militantemente secularizada. Esse é um assunto que infelizmente não chama muita atenção nas discussões sobre o futuro do ministério hispânico. Mas é hora de mudar isso.

"O ateísmo prático" converteu-se na religião ‘de facto’ dos Estados Unidos. O preço da participação em nossa vida econômica, política e social está em que temos que estar de acordo em conduzir-nos como se Deus não existisse. A religião nos Estados Unidos é algo que fazemos nos domingos em nossas famílias, mas não está permitido que tenha influência alguma no que fazemos o resto da semana.

Isto é muito estranho para um país fundado por cristãos, em concreto por católicos hispânicos. Por exemplo, em San Antonio, o Evangelho foi pregado em espanhol e a Santa Missa era celebrada por hispânicos antes que George Washington nascesse.


ACI Prensa: O que diz aos líderes latinos?

Dom Gómez: Não se intimidem pelas verdades da fé. São um dom de Deus. Deixemos que elas toquem seu coração e mudem sua vida. Devem ter cópias do Compêndio do Catecismo da Igreja Católica e o Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Se passarem uns minutos cada dia lendo estes livros e lendo também o Evangelho, verão uma mudança. Verão o mundo e suas próprias vidas com novos olhos.

"Estejam orgulhosos de seu legado! Aprofundem seu sentido de identidade hispânica, as tradições e costumes de nossos antepassados!", eu lhes digo. "Mas vocês são católicos e ‘católicos’ significa universal. Isso significa que não podem definir-se –e tampouco podem deixar que a sociedade os defina– somente na comunidade hispânica, mas em toda área de nossa cultura e sociedade".

Como líderes católicos e hispânicos, devemos reclamar esta cultura para Deus. Ser um líder significa, Ser um líder significa, antes de tudo, aceitar a Jesus Cristo como governador da vida. Todos os mártires do México viveram –e morreram– com estas palavras em seus lábios: Viva Cristo Rei! Para ser verdadeiros líderes, o Cristo vivente deve ser o rei de vocês.

Imigração

ACI Prensa: Qual é o papel da Igreja no debate político sobre a imigração?

Dom Gómez: A Igreja não é um partido político nem um grupo de interesse. Não é uma primeira tarefa da Igreja brigar nas batalhas políticas ou comprometer-se em debates sobre políticas específicas. Esta tarefa pertence aos leigos.

O interesse da Igreja na imigração não é um desenvolvimento recente. Não aparece como parte de uma agenda política ou partidária. Não. É parte de nossa identidade religiosa original como católicos, como cristãos. Temos que defender o imigrante se queremos ser dignos do nome católico.

Para os bispos e os sacerdotes, nosso trabalho como pastores é formar as consciências de nossos povos, especialmente daqueles que trabalham na comunidade empresarial e no governo. Precisamos pôr em nossa gente um maior sentido do dever cívico para as reformas, em um sistema que nega a dignidade de muitos.

Embora temos que necessariamente defender os direitos dos imigrantes, também temos que recordar seus deveres sob o ensinamento social católico. Entre estas obrigações está o respeito às leis de seu novo país.

Precisamos ajudar a assegurar a estes recém chegados que se convertam em verdadeiros americanos, ao tempo que preservam sua distintiva identidade e cultura, onde a religião, a amizade, a comunidade e a cultura da vida são valores importantes.

Não sou um político. Sou um pastor de almas. E como pastor acredito que a situação que temos agora é ruim para as almas dos americanos. Há muita raiva. Muito ressentimento. Muito medo, muito ódio que está carcomendo as pessoas.

Neste debate volátil, a Igreja deve ser uma voz de compaixão, razão e princípios morais.

A Igreja tem um importante papel a realizar na promoção do perdão e a reconciliação deste tema. Temos que trabalhar para que a justiça e a misericórdia, não a ira e o ressentimento, sejam os motivos atrás de nossa resposta à imigração ilegal.

ACI Prensa: Como os católicos respondem à imigração?

Dom Gomez: Infelizmente, o sentimento anti-imigrante ou anti-hispânico é um problema hoje, mesmo entre os nossos irmãos católicos. Não quero dramatizar a situação, mas temos que ser honestos e reconhecer que o preconceito racial é um fator que está atrás de grande parte da nossa discussão sobre a política de imigração.

Nos debates amargos dos últimos anos, alarmou-me a indiferença de muitos de nossos povos sobre a doutrina católica e as demandas concretas de caridade cristã. Não é só o racismo, a xenofobia ou bodes expiatórios. Estes são sinais de uma realidade mais complexa. Muitos dos nossos católicos não são mais estrangeiros, como irmãos e irmãs que vivem em seu meio. Você ouve a muitos dizerem que nos Estados Unidos e em outros lugares que o imigrante não é uma pessoa, mas apenas um ladrão ou um terrorista ou um animal para trabalhos simples.

Não podemos nunca esquecer que o próprio Jesus e sua família eram imigrantes. Eles foram forçados a ir para o Egito por causa de más políticas do governo. Esta foi a solidariedade de Cristo com os refugiados, deslocados e imigrantes, em qualquer momento e em qualquer lugar.

Nós todos sabemos que estas palavras de Jesus: "Porque eu era um estranho e você me acolheu ... como você fez para um destes meus pequeninos irmãos, você fez bem em mim" (Mt 25, 35, 40). Precisamos restabelecer a verdade que o amor de Deus e o amor ao próximo sempre à mão no ensino e na pessoa de Jesus Cristo".

Muitas dessas novas leis de imigração são duras e punitivas. A lei não pode ser usada para assustar as pessoas, para invadir suas casas e locais de trabalho, ou de acabar com as famílias. Eu gostaria de ver uma moratória sobre o estado e leis locais. E como os bispos pediram recentemente para os Estados Unidos, eu gostaria de ver o fim dos ataques em locais de trabalho.

A linha inferior é que, enquanto os trabalhadores podem ganhar mais em uma hora nos Estados Unidos do que pode ganhar em um dia ou uma semana no México ou em outros lugares da América Latina, continuam a migrar para este país. A imigração tem a ver com o direito das pessoas a partilhar os bens de que necessitam para assegurar sua sobrevivência.

Nós precisamos encontrar juntos uma solução para as questões complicadas de segurança econômica, social e jurídica que surgem com a imigração.

ACI Prensa: Mas como responder a esses que estão irritados com a imigração ilegal? Não devem ser punidos aqueles que estão no país ilegalmente?

Dom Gomez: Quando reafirmamos os princípios morais da Igreja, precisamos ser mais sensíveis aos medos das pessoas. Os oponentes da imigração também são pessoas de fé. Eles estão com medo e os medos são legítimos.

O fato é que milhões de imigrantes que estão aqui em violação flagrante da lei dos EUA.
Isso faz com que os americanos cumpridores da lei estejam irritados. E eles devem estar.

Temos que assegurar que nossas leis são justas e compreensíveis. Ao mesmo tempo, devemos insistir em que as nossas leis devem ser respeitadas e fortalecidas. Aqueles que violam nossas leis devem ser punidos.

A questão é como? Quais as sanções adequadas e justas? Eu acho que desde o ponto de vista moral, somos forçados a concluir que a deportação de imigrantes que quebram as nossas leis é uma penalidade demasiado grave.

Agora, isso não significa que não devemos reforçar nossas leis. Isso significa que precisamos encontrar sanções adequadas. Eu sugeriria serviço comunitário intensivo, que seria uma solução muito mais construtiva que a deportação. Esta constrói comunidades ao invés de destruí-las. E servem para integrar melhor os imigrantes no tecido social e moral da América.