O promotor de justiça da Congregação para a Doutrina da Fé, Monsenhor Charles J. Scicluna, explicou em uma entrevista publicada hoje no jornal Avvenire da Conferência Episcopal Italiana dada a conhecer pela Santa Sé, a disciplina da Igreja, assim como o devido processo canônico que se segue nos casos de abusos sexuais cometidos por alguns membros do clero.

A nota da Sala de Imprensa da Santa Sé explica que Dom Scicluna é "virtualmente o fiscal do tribunal do antigo Santo Ofício, cuja tarefa é investigar os chamados delicta gravoria, os delitos que a Igreja Católica considera absolutamente os mais graves" entre os quais se encontram os abusos sexuais cometidos por membros do clero a menores.

O promotor explica na entrevista que "pode ser que no passado, possivelmente também por um mal-entendido sentido de defesa do bom nome da instituição, alguns bispos, na praxe, tenham sido muito indulgentes com este triste fenômeno. Na praxe, digo, porque no âmbito dos princípios a condenação por esta tipologia de delitos foi sempre firme e inequívoca".

Dom Scicluna assinala que uma má tradução ao inglês do texto que explica as normas a seguir ante os casos de abuso cuja primeira edição se realizou em 1922 e logo em 1992 deu margem a "que se pensasse que a Santa Sé impunha o segredo para ocultar os fatos. Mas não era assim. O segredo de instrução servia para proteger a boa fama de todas as pessoas envolvidas, em primeiro lugar as vítimas, e depois os clérigos acusados, que têm direito –como qualquer pessoa– à presunção de inocência até que se demonstre o contrário. A Igreja não gosta da justiça concebida como um espetáculo. A normativa sobre os abusos sexuais nunca se interpretou como proibição de denúncia às autoridades civis".

O promotor assegura logo que enquanto o então Cardeal Ratzinger, agora Papa Bento XVI, ante os casos de abuso sexual sempre "demonstrou sabedoria e firmeza na hora de tratar esses casos. Mais ainda, deu prova de grande valor enfrentando alguns casos muito difíceis e espinhosos (…). Portanto, acusar ao Pontífice de ocultação é, eu repito, falso e calunioso".

As investigações

Quando um sacerdote é acusado de abuso, explica Dom Scicluna, "o bispo tem a obrigação de investigar tanto a credibilidade da denúncia como o objeto da mesma. E se o resultado da investigação prévia é atendível, já não tem a faculdade de dispor em matéria e deve referir o caso à nossa congregação, onde será tratado pelo escritório disciplinador".

Depois de rechaçar as acusações de alguns que consideram que seu escritório trabalha lentamente, pois não é assim, o promotor precisa que entre 2001 e 2010 revisaram uns três mil casos de sacerdotes acusados de abusos, dos quais "os casos de sacerdotes acusados de pedofilia verdadeira e própria são, então, uns trezentos em nove anos. São sempre muitos, é indubitável, mas deve-se reconhecer que o fenômeno não está tão difundido como se pretende".

Dom Scicluna adverte logo que nos processos "tampouco faltaram outros em que o sacerdote foi declarado inocente ou em que as acusações não foram consideradas ou suficientemente provadas. De qualquer modo, em todos os casos, analisa-se sempre não só a culpabilidade ou não culpabilidade do clérigo acusado mas também o discernimento sobre sua idoneidade ao ministério público".

O promotor se refere logo à acusação de alguns que consideram que os bispos não denunciam ante as autoridades estes delicados casos: "em alguns países de cultura jurídica anglo-saxã, mas também na França, os bispos que sabem que seus sacerdotes cometeram delitos fora do segredo sacramental da confissão, estão obrigados a denunciá-los às autoridades judiciais. Trata-se de um dever pesado porque estes bispos estão obrigados a realizar um gesto como o de um pai que denuncia a seu filho. Apesar de tudo, nossa indicação nestes casos é a de respeitar a lei".

Seguidamente comenta o caso dos países onde os bispos não estão obrigados por lei a denunciar estes casos às autoridades civis: "nestes casos não impomos aos bispos que denunciem os próprios sacerdotes, mas sim lhes animamos a dirigir-se às vítimas para convidarem-nas a denunciar estes sacerdotes dos quais foram vítimas. Além disso, os convidamos a proporcionar toda a assistência espiritual, mas não só espiritual, a estas vítimas. Em um recente caso concernente a um sacerdote condenado por um tribunal civil italiano, esta Congregação sugeriu precisamente aos denunciantes, que se tinham dirigido a nós para um processo canônico, que o comunicassem também às autoridades civis em interesse das vítimas e para evitar outros crimes".