Em um interessante artigo publicado em L'Osservatore Romano titulado "De Cinderela à Eve, como mudam as mulheres em Disney", Andrea Piersanti ressalta como Eve, a robô protagonista do Wall-E gera toda uma revolução ao convidar à reflexão com seu rol, defender a vida desprotegida e alentar a esperança para o futuro da humanidade.
Piersanti começa seu artigo lembrando que no filme o personagem feminino "chama-se Eve. Tem as linhas redondas e cândidas de um objeto desenhado pela Apple e leva dentro de seu ventre a semente da vida" que defende acompanhada e protegida a sua vez pelo Wall-E.
Em meio de "uma trama simples em que surge o amor ao momento de encontrar-se", explica Piersanti, "a nova mulher, Eve, não só é bela e perfeita senão também tem tempo para apaixonar-se, salvar o mundo e lhe restituir a vida a seu noivo: uma revolução absoluta no imaginário cinematográfico de Hollywood".
"À figura masculina por sua parte lhe deixa a tarefa de encontrar o espaço para a poesia e a beleza em um mundo que lembra as desoladas imagens" de um lugar "já sem vida, depósito de lixo, em espera que a humanidade que vaga em uma gigantesca espaçonave volte a povoar a terra", acrescenta e precisa logo que "cabe a estes Adão e Eva cibernéticos a tarefa de restituir ao homem o lugar que lhe espera".
Depois de lembrar que no Antigo Testamento à Eva bíblica lhe cabe uma tarefa que não é fácil: nos lembrar o peso de nossa humanidade de pecadores", Piersanti destaca que a história é distinta com a Eve. A ela "cabe-lhe restituir o sopro de vida humana inteira. Não só defendendo uma simbólica plantinha na cavidade de seu ventre, senão atuando dinamicamente, como em um filme de ação, para fazer que ao final nasça um novo humanismo", afirma.
Embora o filme, como todas as demais cintas animadas de Hollywood dos últimos anos, não considera a perspectiva religiosa, lembra Piersanti, Wall-E chama à reflexão: este robô, "a seu modo, ama e procura a beleza. Comove-se ao observar as estrelas. Eve, e os outros robôs rebeldes, desobedecem as ordens à luz de uma moral mais alta. Única e não relativa: a salvação da vida".
Logo depois de criticar o consumismo desencadeado de nossos dias e "a pedagogia do desespero" que se vive no mundo, o autor do artigo sublinha que estas são as mesmas condições nas que, no filme, "vive o resto da humanidade vagando no espaço em espera de que a pequena Eve lhes restitua uma perspectiva antropológica mais coerente. São presas da tecnologia que se ocupa deles até o mais mínimo detalhe. Tornaram-se gordos, não podem caminhar com as próprias pernas e perderam o contato com o próximo".
Em sua opinião, "esta é a verdadeira razão da fascinação pelo filme. Em um mundo frio e coberto com o lixo das nossas divindades tecnológicas, poderemos reencontrar dignidade e beleza só seguindo o coração. Somente procurando a beleza. Vendo esta fita animada, indevidamente o pensamento se dirige à Escritura que recita: 'Se o Senhor não construir a casa, em vão se esforçam os construtores. Se o Senhor não custodia a cidade, em vão vela o vigia'".
Finalmente, Piersanti comenta que "isto é o que se está tecendo à alvorada do terceiro milênio. Encerrados em uma sociedade hipertecnológica, mas não por isso tranqüilizador, olhamos ao futuro com ânsia, ou pior, com indiferença. Por sua parte, a pequena robô Eve constrange nossos corações e nos faz abrir novamente os olhos. Constrange-nos a pensar de novo em toda nossa vida com uma luz de esperança que pensávamos ter perdido".