A agência ACI Prensa -que encabeça o grupo ACI, do qual ACI Digital faz parte- entrevistou Luis Fernando Figari, Fundador do Movimento de Vida Cristã (MVC), ao encerrar sua III Assembléia Plenária. O MVC é uma associação internacional de fiéis de direito pontifício reconhecida pela Santa Sé em 1994, e presente no Brasil desde o ano 1986. Este é o movimento eclesial nascido nas Américas mais expandido no mundo com atividades apostólicas no Peru, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Argentina, Costa Rica, República Dominicana, Estados Unidos, Canadá, Itália, Inglaterra, Espanha, México, Austrália, Angola e Filipinas.

A III Assembléia Plenária do MVC congregou na cidade de Guayaquil, Equador, 250 delegados provenientes de 17 países do mundo, reunidos sob o lema "Eu vos escolhi e vos destinei para irdes dar fruto, e o vosso fruto permaneça" (Jo 15,16).

ACI: O final do segundo milênio e o início do terceiro viram o surgimento de novos carismas laicos na Igreja. O MVC é parte deste fenômeno. Como explicar este acontecimento histórico?

LFF: O Espírito Santo nunca abandonou a Igreja. Em cada época suscita novas respostas, desperta novos carismas ante situações novas, desafios. Assim ocorreu ao longo da história e continua ocorrendo hoje. O laicado forma a maior parte da Igreja. Por isso é lógico que o Espírito brinde a ocasião aos leigos de pertencerem a instituições de vida associada nas quais possam viver, aprofundar e celebrar a fé com a que foram abençoados.

Particularmente no dia de hoje em que o relativismo reinante adquire tantas formas, desde um secularismo brando a um secularismo agressivo e até autoritário, é natural que os leigos possam ter a oportunidade de aproximar-se de carismas com os quais se sentem mais identificados, que permitem que eles vivam o encontro com o Senhor Jesus, aprofundem nas verdades da fé e participem ativamente na forma associativa que tais carismas adquirem. É uma maneira, também, de custodiar a própria identidade católica ante tanta contaminação que se expande por causa da globalização e a profusão de meios informáticos, não poucas vezes nada saudáveis.

O enfraquecimento da identidade católica, hoje infelizmente não incomum, não está costuma dar-se por motivos intrínsecos, ainda que obviamente esteja acostumado a derivar neles, mas por um conjunto de fatores de influxo e pressão externos que requerem que o fiel seja consciente da fé da Igreja e de sua natureza articulada e vital, e que ponha meios para não cair como vítima da voragem relativista que se vê em alguns países e regiões mais que em outros lugares. Inclusive em certos países se confunde liberdade do estado com secularismo agressivo que coage as manifestações religiosas cidadãs.

Existem muitíssimas escolas nas que uma opção secularizante é transmitida aos educandos, que vão vendo sua fé ser atacada desde pequenos em um claro atentado contra a liberdade em nome da ideologia. Muitos meios de comunicação fazem outro tanto. A legislação de alguns países assume a ideologia secularista e ‘de facto’ arremete contra a liberdade religiosa e propõe um modelo societário que em última instância vai se elevando contra o ser humano, seus direitos e sua dignidade e obviamente sua liberdade de acreditar e praticar sua fé.

ACI: Que riqueza contribui o MVC e sua espiritualidade à vida da Igreja universal?

LFF: Cada carisma que suscita o Espírito é para benefício da Igreja toda. Cada família espiritual que é abençoada com um carisma particular se deixa possuir por ele e aspira expressá-lo em seu estilo e em sua espiritualidade próprios na unidade e comunhão da Igreja toda. Existem aproximações mais profundas e racionais, outras mais emocionais, como existem seres humanos.

O Movimento de Vida Cristã surge dentre buscadores da verdade, de pessoas que estão firmemente convencidas de que essa busca encontra resposta no Senhor Jesus, que diz sobre si mesmo: "Eu sou a verdade". Este encontro com a pessoa de Jesus é o acontecimento que permite acolher o esplendor da verdade, receber a vida que o Senhor concede, e viver o amor que como fogo ardente surge no próprio interior e busca irradiar outros.

Trata-se de um encontro pessoal, que como tal é intensamente vivencial. Tal encontro não se reduz, para os membros do MVC, a somente um aspecto, digamos o emotivo, mas vai ao encontro de todo o ser humano como foi criado por Deus. Busca alcançar o ser humano inteiro. Alimenta sua mente com as verdades reveladas por Deus e custodiadas no Depósito da fé da Igreja, sem as quais o encontro corre o risco de perder consistência e permanência, firmeza. Toca o coração convocando-o a aderir-se em amor ao Senhor encontrado, e a partir d’Ele até outros seres humanos, sem ignorar a própria realidade para a qual existem inescapáveis deveres de caridade.

Traduz-se em uma fé na ação, que parte de uma pessoa entusiasmada por um acontecimento vital que transformou sua vida, por uma fé que vai dando-lhe forma nos eventos e interrogantes da vida cotidiana, por um fogo de amor que luta por irradiar luz e calor, em uma convicção de que quem possui um bem deseja que outros o conheçam e possam se beneficiar dele, com a garantia de que a fé da Igreja é o maior bem que pode ser oferecido a uma pessoa, particularmente hoje quando as perguntas fundamentais como quem sou?, de onde venho?, aonde vou?, qual é o sentido ou missão da minha vida? muitas vezes só encontram o eco surdo de um relativismo de piruetas ou de um niilismo que com a força do vazio que postula cai sobre a pessoa retesando-a e até mesmo triturando-a. Tudo isto que compartilho foi se desenvolvendo no leito esperançoso do Concílio Vaticano II, seguindo seu impulso de renovação em continuidade.   

ACI: O MVC acaba de realizar sua III Assembléia Plenária. Que importância tem este evento na vida desta família espiritual?

LFF: Efetivamente, o Movimento de Vida Cristã culminou umas formosas e vibrantes jornadas de fé, de oração, de reflexão, de compartilhar, de comunicar experiências de vida e apostólicas de diversos lugares do mundo, de forjar laços de amizade fraterna entre um quarto de milhar de delegados de países dos cinco continentes. A participação dos emevecistas, no entanto foi maior, através de um grande encontro com uma multidão de participantes, de conferências abertas muito assistidas pelos integrantes locais do MVC, da participada Santa Missa na catedral no dia 8 de dezembro, solenidade da Imaculada Conceição, as visitas às obras, os encontros dos delegados da assembléia com beneficiários de serviços de promoção humana e solidária e outras atividades que incorporaram numerosos emevecistas de Santiago de Guayaquil.

Um evento de tal magnitude e características certamente tem conseqüências importantes. Desde as formulações e o compartilhar até à vivência de cada pessoa sem dúvida existe uma grande riqueza com a que o MVC foi abençoado. O qüinqüênio que se inicia irá mostrando o rastro deste transcendente evento na vida das pessoas e do Movimento. A família espiritual sodálite, da qual o MVC forma parte, se enriquece inteira por uma experiência de tal magnitude. O que beneficia uma parte beneficia o todo. Mais ainda, aos diversos países nos quais está expandida a família sodálite chegarão os ecos muito positivos da bela e intensa experiência tida em Santiago de Guayaquil. 

ACI: O MVC se caracteriza por sua evangelização aos jovens, aos pobres, a cultura e as famílias. Que desafios enfrenta nestes âmbitos?

LFF: Acima de tudo o apostolado dos integrantes do Movimento de Vida Cristã está aberto ao universal. Cada integrante, como batizado, está convidado a participar da missão da Igreja desde suas próprias características e estado. Dentro desse amplo horizonte o MVC leva o testemunho de Jesus aos jovens, aos pobres, servindo-os também na promoção humana, em necessidades de alimentação, de saúde, à cultura, procurando chegar até as suas raízes, e às famílias. Cada um dos mencionados grupos humanos, jovens, pobres, famílias, que obviamente não poucas vezes se sobrepõem, assim como o amplo campo da cultura oferecem desafios sempre novos.

Não cabe prolongar, pois não acabaríamos em muitas horas. Somente alguns exemplos. Os jovens cada dia estão menos instruídos e menos formados, não só por problemas educativos escolares ou familiares, deficiências e parcialidades nos currículos ou nos meios postos ao seu dispor, mas por hábitos gerados pela afeição a certos jogos computadorizados e pela mesma internet que vão influindo em uma ausência crítica, falta de leitura, discurso não linear, ao que entre outros problemas mais terei que somar o bombardeio de uma publicidade violentista e erotizada. Obviamente ao destacar estes elementos estou falando em termos gerais, pois, como em tudo, existem exceções.

O mundo avança em tantas coisas, mas a miséria de tantos irmãos e irmãs nossos está ali, questionando o esbanjamento de riqueza e a cada vez mais agressiva cultura consumista. O processo de demissão do humano os afeta também em sua dignidade. O MVC abre seus braços a estes irmãos e um muito alto número de seus serviços e obras está orientado a acompanhá-los pelo caminho da vida com uma mão estendida fraternalmente, brindando ajuda material e espiritual em uma perspectiva solidária e de promoção humana. O tema da cultura na verdade é imenso, e a criatividade fica curta para desenhar e gerar respostas aos desafios que apresenta.

A família é também uma prioridade que tem graves desafios. Não só os nascidos da ideologia do gênero, do relativismo, de legislações permissivas e carentes de força protetora e promotora da família, mas sim de uma urgente necessidade de formar as pessoas para serem maridos e esposas, assim como a serem pais e mães de família que com respeito promovam o crescimento integral de seus filhos, a educação na fé, a transmissão dos valores e a educação em fortaleza de caráter e no reto uso da liberdade. A família, chamada a ser cenáculo de amor, "igreja doméstica", requer muitíssima ajuda. Institutos e programas de educação e promoção familiar, assim como campanhas concretas para brindar essa ajuda se multiplicam como iniciativa do MVC.

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ACI: Ao início da presente Assembléia do MVC que acaba de concluir em Santiago de Guayaquil, no Equador, anunciou-se um novo acento apostólico: a promoção da vida, dignidade e direitos da pessoa humana. O que explica a inclusão deste acento?

LFF: Hoje em qualquer parte se vê um processo de demissão do humano. A vida, dignidade e direitos humanos sofrem escárnio, manipulação e ferozes ataques. A revelação de Deus mostra o alcance da realidade do ser humano. No Senhor Jesus a pessoa encontra sua verdadeira identidade. Não o que lhe parece, o que ela gosta ou o que foi condicionada a acreditar por uma avalanche de manipulações cognitivas, mas sim a verdade sobre o ser humano que é descoberta no Verbo Eterno feito homem para revelar aos seres humanos quem somos, nossa identidade mais profunda, nossa dignidade que brotam de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus, os direitos que nascem da natureza humana e não são concessão nem invento de governos ou associações internacionais.

Existem muitos atentados contra o ser humano, fala-se muito de direitos disto e do outro e não poucas vezes suas mesmas formulações são atentados contra direitos fundamentais e irrenunciáveis da pessoa. Acima de tudo está o direito à vida, desde que o ser humano é gerado até sua morte natural. O cancelamento desse direito esgotou seus argumentos com o nazismo e diversas versões pré e polpotianas do comunismo.

Dizer que uma pessoa tem o direito a tirar a vida de outro ser humano porque (este) nasceu sem querer ou como fruto de alguma situação de violência é cair no nível de argumentação dos teóricos polpotianos, leninistas, estalinistas ou hitleristas. Teria muito que dizer sobre estes absurdos! Mas também junto à violência flagrante contra a vida estão as ideologias relativistas e demitistas do humano que são a vanguarda dos absolutismos e totalitarismos que hoje começam a reaparecer com novas máscaras. Do direito à vida e da dignidade da pessoa humana brotam outros muitos direitos que têm sua fonte na natureza humana.

Hoje se requer com cada vez maior urgência a promoção e amparo desses direitos. Muito veio sendo feito mesmo no passado no MVC neste campo, mas hoje se quis mostrar o sensível de tão importante assunto fazendo-o um dos acentos ou campos principais da tarefa evangelizadora dos membros do Movimento de Vida Cristã.