“Nos primeiros tempos do catolicismo, a homossexualidade era tolerada nos mosteiros e paróquias. A virada aconteceu no século XIII, quando São Tomás de Aquino, em sua obra mais famosa, a Suma Teológica, classificou as relações entre pessoas do mesmo sexo como um pecado mais grave do que o adultério”, diz uma recente reportagem de Veja publicada em sua última edição impressa e no site da revista. A revista errou.

A tese, tão ousada quanto errônea, aparece como se fosse um fato na reportagem “O tabu da homossexualidade entre os padres”. Dando voz a “uma corrente ainda incipiente do clero empenhada em tirar o assunto das sombras”, os autores da matéria afirmam que “os dogmas sólidos que permitiram” à Igreja “superar cismas e a Reforma Protestante servem agora de amarra, impedindo o ajuste da bússola moral da instituição ao mundo moderno, conectado e diverso do século XXI”. Para a revista, “aparentemente mais aberto a mudanças do que seus antecessores, o papa Francisco vem tentando contornar a resistência dos conservadores” e seria simpático às mudanças que eles propõem.

O inglês James Alison, segundo ele próprio “laicizado forçadamente pela Congregação do Clero”, falou à revista sem pedir anonimato. E disse que o Papa, em um telefonema pessoal, solidarizou-se com sua situação. “Alison morou dez anos no Brasil e foi processado pela Arquidiocese de São Paulo por tentar criar a primeira pastoral LGBT”, disse Veja. Quando o caso chegou a Roma, ele relata ter recebido um telefonema de apoio de Francisco.
“As palavras exatas dele foram: ‘Quero que caminhes com plena liberdade interior, no espírito de Jesus’, disse Alison” à revista.

Alison não foi processado pela Arquidiocese paulistana. Afastado da ordem dos dominicanos da qual fazia parte em 1994, nunca esteve ligado a nenhuma diocese do Brasil. A arquidiocese instaurou então um procedimento canônico por exercício irregular do ministério. "Para exercer regularmente o ministério, é necessário o uso de ordens dado pelo arcebispo, e o referido não o tem", informou a Arquidiocese de São Paulo, em nota oficial, à época.

A tese sobre Santo Tomás de Aquino ser o responsável pela proibição de relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo é de Alison, embora a Revista Veja tenha omitido.

Autor de vários livros de teologia, Alison faz um raciocínio num texto de seu site: “Não há nada na revelação divina que se refira a relações sexuais consensuais entre adultos que não sejam parentes e que também partilhem certa igualdade social.” Além disso, diz, o “uso da Sagrada Escritura para proibir essas relações envolve erros de leitura fundamentalistas”.  Por isso, “toda tentativa de proibir essas relações tem que ser feita a partir da lei natural”. Uma vez que o mestre da lei natural na Igreja é Santo Tomás de Aquino, a culpa da proibição do homossexualismo é dele, conclui o inglês.

O mais importante texto da Bíblia que teses como as de Alison têm que enfrentar é o da Epístola de S. Paulo aos Romanos (1, 26-27): “Por isso Deus os entregou a paixões aviltantes: suas mulheres mudaram as relações naturais por relações contra a natureza; igualmente os homens, deixando a relação natural com a mulher, arderam em desejo uns para com os outros, praticando torpezas homens com homens e recebendo em si mesmos a paga da sua aberração”.

O texto repete a condenação aos atos homossexuais que já está na Lei de Moisés e é a base para uma ininterrupta tradição dentro da Igreja. Assim, longe de ter sido aceito até o século XIII, como diz a Veja, a condenação aos atos homossexuais vem desde o início da Igreja e ela o herdou do Antigo Testamento. Essa tradição está fixada no Catecismo da Igreja Católica, texto que está em pleno vigor para todos os católicos: “Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves a Tradição sempre declarou que os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados,” diz o Catecismo.

O Papa Francisco não mudou nada da doutrina e da disciplina da Igreja em relação ao homossexualismo e às uniões homossexuais. No exercício do seu magistério, o Santo Padre sempre enfatizou que o matrimônio é a união entre o homem e a mulher e que não há lugar para homossexuais entre candidatos ao sacerdócio e à vida consagrada, e exortou os formadores a serem exigentes neste aspecto.

“A questão da homossexualidade é uma questão muito séria que se deve discernir adequadamente desde o começo com os candidatos, se for o caso. Temos de ser exigentes. Em nossas sociedades, parece até mesmo que a homossexualidade está em moda e essa mentalidade, de alguma maneira, também influencia na vida da Igreja”, assinalou o Papa no livro “A força da vocação”, lançado em 2018 pela Editora Claretiana da Espanha.

O Papa assinalou em uma entrevista ao Pe. Fernando Prado, diretor das Edições Claretianas que “a questão da homossexualidade é uma questão muito séria que se deve discernir adequadamente desde o começo com os candidatos, se for o caso”.

“É uma realidade que não podemos negar. Na vida consagrada também não faltam casos. Um religioso me contava que, em visita canônica a uma das províncias de sua congregação, havia se surpreendido. Ele via que havia bons rapazes estudantes e que inclusive alguns religiosos já professos eram gays”, relatou.

O Papa disse que o religioso “duvidava da questão e me perguntou se havia algo de errado nisso. ‘Em suma – dizia ele – não é tão grave; é apenas expressão de um afeto’”.

“Isso é um erro”, advertiu Francisco. “Não é só expressão de um afeto. Na vida consagrada e na vida sacerdotal, este tipo de afeto não tem lugar. Por esse motivo, a Igreja recomenda que as pessoas com esta tendência radicada não sejam aceitas no ministério ou na vida consagrada. O ministério ou a vida consagrada não é seu lugar”.

Confira também: