Um sacerdote da Companhia de Jesus (Jesuítas) detido por realizar uma peregrinação para rezar pela paz em Camarões denunciou ter sido maltratado pela polícia e que voltará a peregrinar se os diálogos pela paz não forem iniciados.

No dia 13 de outubro, a Polícia Nacional prendeu o Pe. Ludovic Lado, de 50 anos, após acusá-lo de realizar “uma atividade ilegal na via pública”. O Pe. Lado disse à ACI África, agência do Grupo ACI, que os oficiais o detiveram durante a peregrinação de 245 quilômetros que decidiu realizar pela paz e denunciou que os oficiais violaram seus direitos.

“A polícia de Edéa, seguindo altas instruções, violou meus direitos civis e políticos no dia 13 de outubro, escoltando-me a Douala, enquanto estava no segundo dia de uma peregrinação que havia me comprometido para rezar e fazer penitência pela paz, o diálogo e a reconciliação no noroeste e sudoeste de Camarões”, assinalou.

Em um comunicado dirigida aos seus "compatriotas, amigos da fraternidade e da paz", o sacerdote jesuíta disse que interrompeu a sua peregrinação a Yaoundé até o final de novembro para dar tempo "aos beligerantes e à minha Igreja [...] para se envolverem na busca e negociação de uma solução para a crise anglófona que prejudica a dignidade humana”.

“Se nada for feito até lá, voltarei a peregrinar com minha equipe em dezembro, desta vez de Douala a Kumba. Passarei o Natal em Kumba, vivo ou morto”, sublinhou.

No dia 12 de outubro, Pe. Lado disse à ACI África que faria uma peregrinação de Douala, a capital econômica de Camarões, a Yaoundé, a capital política do país, para rezar pelo retorno da paz nas regiões de Camarões que estão em guerra desde 2016 e para que os cidadãos possam exercer livremente o seu direito constitucional de se manifestarem de forma pacífica novamente.

“Caminho para rezar e defender o diálogo, a justiça, a paz e a reconciliação nas regiões noroeste e sudoeste de Camarões; e também, fazer penitência e reparação pelos crimes contra a dignidade humana cometidos nessas regiões”, assinalou.

“Caminho para que o sangue humano pare de ser derramado em nosso país. Caminho em solidariedade aos deslocados internos e refugiados desta guerra inútil. Caminho para exorcizar em mim e em nós o demônio da indiferença”, acrescentou.

No dia 16 de outubro, o Pe. Lado pediu em um comunicado aos seus companheiros sacerdotes que se unam da peregrinação que realizará em dezembro. “Encorajo meus companheiros sacerdotes a que, vestidos com suas batinas, se unam a mim neste momento. Rogo a seus superiores que não se oponham”, disse.

Além disso, o sacerdote afirmou que as frustrações vividas nas mãos das autoridades policiais não o intimidariam à inércia e ao medo. “O medo é um mau guia. Um discípulo de Cristo não deve ser guiado pelo medo, mas pela compaixão", assinalou.

O sacerdote recordou o Evangelho de São Marcos e a primeira carta de São João e disse que o seu lema se baseia nas seguintes citações bíblicas: "Por que tens medo, acaso não tens fé?" e "Não há medo no amor, o amor perfeito lança fora o medo”.

Pe. Lado expressou seu agradecimento às pessoas que apoiaram a peregrinação com suas orações. “Que Deus os abençoe abundantemente e faça de cada um de nós um amigo e praticante da justiça, da paz, da reconciliação e da fraternidade em Camarões”, disse.

“Enquanto isso, volto a N'Djamena para cuidar dos meus alunos, com a sincera esperança de não ter que regressar em dezembro, porque as negociações de paz terão começado”, concluiu.

Em fevereiro deste ano, bispos de todo o mundo enviaram uma carta ao presidente de Camarões, Paul Biya, que governa o país há 37 anos, pedindo-lhe que participe das negociações de paz propostas para encerrar a guerra civil que começou em 2017 entre o governo e os separatistas de língua inglesa.

As relações entre a maioria de língua francesa e a minoria de língua inglesa têm sido difíceis desde a independência de Camarões em 1961, após a unificação das regiões francesa e britânica.

Um conflito armado sangrento eclodiu em 2016, após fortes protestos contra a decisão do governo de Yaoundé de usar apenas a língua francesa em tribunais e escolas, levando os falantes de inglês a proclamar a independência de sua região, à qual eles chamam de Ambazonia.

Desde então, a violência não parou e o conflito se agravou com a delinquência comum. De acordo com a ONU, existem cerca de 679 mil deslocados internamente em Camarões e 60 mil refugiados camaroneses na Nigéria. Devido ao conflito, mais de 600 mil crianças não puderam ir à escola nas duas regiões e cerca de 3 mil pessoas morreram.

Os anglófonos são aproximadamente 20% da população do país e sempre se manifestaram contra a marginalização que sofrem por parte dos francófonos que governam o país.

Infelizmente, um diálogo nacional convocado pelo governo em 2019 não conseguiu acabar com a crise e vários manifestantes de diferentes partes do país continuaram a ser presos.

Publicado originalmente em ACI África. Traduzido e adaptado por Natalia Zimbrão.

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